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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 26, 2011

Origem da crise

Antonio Delfim Netto


Para entender os movimentos dos "indignados" americanos e da "ocupação de Wall Street", é preciso considerar alguns fatos:
1) A renda per capita não cresce desde 1996;
2) A distribuição dessa renda tem piorado há duas décadas;
3) O nível de desemprego em abril de 2008 era de 4,8% da população economicamente ativa, o que, em parte, compensava aqueles efeitos;
4) Em janeiro de 2010, o desemprego andava em torno de 10,6% e, desde então, permanece quase igual (9,2%);
5) O colapso da Bolsa cortou pelo menos 40% da riqueza que os agentes "pensavam" que possuíam;
6) A combinação da queda da Bolsa com a queda do valor dos imóveis residenciais fez boa parte do patrimônio das famílias evaporar-se;
7) Ao menos 25% das famílias têm hoje menos da metade que "supunham" ter em 2008.

O grande problema é que a maioria dos cidadãos não entende como isso pode ter acontecido. Sentem que foram assaltados à luz do dia, sob os olhos complacentes das instituições em que confiavam: o poder Executivo e o Banco Central. Assistem confusos o comportamento do Legislativo. Pequenos grupos mais exaltados tentam reviver, com passeatas festivas de fim de semana, o espírito "revolucionário" de 1968, que deu no que deu...

É muito pouco provável que essa pressão leve a alguma mudança séria em Washington. Talvez algum efeito nos resultados da eleição de 2012. Isso não deixa de ser preocupante e assustador dado ao reacionarismo do influente Tea Party no partido Republicano e à pobreza intelectual dos seus atuais candidatos.

A história não opera em linha reta. Nada garante que, mesmo com as suas fortes instituições, o atual disfuncionalismo político americano não possa produzir algo ainda pior do que o que estamos vendo.

O último levantamento do Gallup (15 e 16 de outubro de 2011) perguntou a quem o consultado atribuía a crise que estava vivendo. As respostas foram: 64% ao governo federal; 30% ao comportamento das instituições financeiras e 5% não tinham opinião formada.

Modelos de previsão eleitoral como os de Ray Fair, da Universidade de Yale (adaptados no Brasil pelo competente analista político Alexandre Marinis), ainda dão uma probabilidade maior à reeleição de Obama -apesar de que quase dois terços dos americanos acreditam que ele é o responsável pela crise.

Injustamente, porque a crise é produto dos governos Clinton (democrata) e Bush (republicano), que se esmeraram em demolir, com a desculpa ideológica de que os mercados financeiros eram eficientes e se autocontrolavam, a regulação do sistema bancário construída por Roosevelt (democrata) depois da crise de 1929.

*esquerdopata

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