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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 11, 2014

A elite que envergonha o Brasil




Com 24 anos de carreira, Rubens Valente é um dos repórteres mais premiados do Brasil. Rigoroso na apuração dos fatos, fiel na interpretação dos acontecimentos, construiu uma carreira respeitada no jornalismo. Durante mais de dois anos, Valente se dedicou à investigação que resultou no livro “Operação Banqueiro” (462 páginas, R$ 44,90, Geração Editorial), um mergulho nos documentos e bastidores da Satiagraha. O subtítulo da obra resume o conteúdo escrito com habilidade e independência: “Uma trama brasileira sobre poder, chantagem, crime e corrupção. A incrível história de como o banqueiro Daniel Dantas escapou da prisão com apoio do Supremo Tribunal Federal e virou o jogo, passando de acusado a acusador”. A análise do livro pode ser lida na edição impressa de CartaCapital que chega às bancas nesta sexta-feira 10. Na entrevista a seguir, Valente fala do papel do então presidente do STF, Gilmar Mendes, na campanha contra a operação policial e a favor de Dantas e desmonta algumas versões mentirosas alimentadas com o único intuito de anular a condenação do banqueiro a 10 anos de prisão por suborno.“Operação Banqueiro” é uma ode à verdade factual e presta um grande serviço à democracia e ao jornalismo.
Blog do Briguilino: Na sua longa carreira de repórter, você se lembra de uma operação tão combatida quanto a Satiagraha?
Rubens Valente: O aspecto mais grave foi a interdição da investigação, a impossibilidade de as autoridades levarem a apuração inteira até o final.
Em termos gerais, a regra do jogo do processo penal no Brasil é simples: o delegado aponta evidências, o procurador acusa ou não, o juiz julga. Ao longo do processo, o réu se defende. Em caso de inocência, após o processo o réu pode buscar a punição dos responsáveis por um eventual erro judicial. Mas no caso  da Satiagraha, o delegado foi proibido de investigar e o juiz foi impedido de julgar. O sistema foi brutalmente bloqueado, de modo a não funcionar, a não concluir sequer a apuração inicial. Ao longo de 24 anos como repórter, li e acompanhei algumas dezenas de inquéritos policiais. Mas nunca vi uma inversão de fatores tão dramática e na dimensão deste caso. Eu só posso qualificar o rumo dos acontecimentos como espantoso. Que dizer de um cidadão que não chega a ser julgado, mas em poucos meses passa a acusador em um processo contra o próprio delegado e o próprio juiz que o prenderam? É o sonho de todo investigado. As instituições estão em risco quando um acusado consegue impedir que a atribuição de um fato criminoso seja devidamente apurada até o fim pelos órgãos públicos. O bloqueio da Satiagraha foi um dos principais motivos do meu empenho neste livro, inclusive financeiro, pois todos os gastos, incluindo as viagens a três capitais e cópias de documentos, foram bancados com as minhas próprias economias.
BB: Daniel Dantas não só conseguiu anular na Justiça a operaçao como leis e regras judiciais foram mudadas depois da ação policial, entre elas o uso de algema (a Lei Dantas), que passou a ser disciplinado. De onde provém tanto poder?
RV: Até 2010, o Opportunity sequer constava nas listas de doadores das principais campanhas eleitorais registradas na Justiça eleitoral. Estranho que uma empresa com tantas relações no meio político não tenha colaborado para eleições até aquele ano. Mas certa vez um advogado de Dantas o descreveu como um indivíduo com boas relações com o Congresso, com os poderosos, uma pessoa “que se vira".  De fato, as relações de Dantas com políticos parece ser um traço fundamental na sua trajetória. Mas isso não explica tudo. No livro procurei descrever as relações de amizade e acadêmicas de advogados de Dantas e do banco Opportunity com o ministro do Supremo Gilmar Mendes. Que durante a presidência do STF disse abertamente se opor ao que chamava de abusos do Ministério Público e da Polícia Federal. As coisas se juntaram. Sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular. A alteração de regramentos se deveu ao empenho pessoal de Mendes, que chegou a convocar um “pacto social” e chamar o presidente da República “às falas”. Ele se tornou um ator fundamental no processo de desqualificação da Satiagraha. Partiu do Supremo o vazamento de um relatório, depois desmontado pelos fatos, que sugeria a existência de grampo sobre autoridades do tribunal. E partiu de Mendes a decisão de acolher a tese de que o juiz Fausto De Sanctis havia se “insurgido” contra o Supremo pelo simples fato de ter ordenado uma segunda ordem de prisão contra Dantas. Como se um juiz não pudesse julgar de acordo com sua consciência. A ideia de uma suposta “rebeldia” comoveu outros ministros do STF, que chegaram a falar em “união” em defesa do tribunal. Como se o Supremo fosse um clube no qual os filiados devem “defender” uns aos outros, e não meramente analisar fatos e provas.
BB: A introdução de “Operação Banqueiro” cita excessos e equívocos do delegado Protógenes Queiroz. Essas falhas eram suficientes para anular o processo?
RV: A defesa do banqueiro se aproveitou dessas falhas. Mas o delegado muito mais acertou do que errou. Ele acertou ao elaborar e colocar em prática um plano que levou à documentação da oferta de suborno e à apreensão do dinheiro que seria usado como propina para ele e outro delegado do caso. Foi uma situação arriscada, que ele soube concluir com sucesso. Acertou ao conseguir uma ampla interceptação de telefones e de comunicações por internet com ordem judicial que trouxe evidências importantes para a investigação. Acertou ao não se dobrar às dificuldades do inquérito, que tratava de temas variados e de certa complexidade técnica. Esses méritos, porém, foram ofuscados pela intensa campanha de desmoralização que ele e a Satiagraha sofreram em diversos níveis e por diferentes meios. Seus erros, por mais banais, acabaram amplificados à exaustão. Por quê? Porque ele era a peça mais fraca do inquérito, havia sido abandonado à própria sorte pela sua instituição, a Polícia Federal. Qualquer jornalista com alguma experiência em processos judiciais sabe que todo e qualquer inquérito policial, todo e qualquer, repito, contém certa dose de erros, imprecisões ou conclusões sem rigorosa base nos fatos. Mas o trabalho de um delegado é apenas uma parte do processo. O sistema judicial possui freios e contrapesos que permitem que as opiniões do delegado sejam verificadas por outras instâncias, a saber: o Ministério Público, o juiz e os advogados dos réus. O beabá de um advogado criminalista é descobrir esses erros e, por meio deles, tentar obter alguma vitória judicial, na estratégia de convencer o Judiciário sobre as “ilegalidades” da polícia. O jornalista isento que ler com paciência o inquérito da Satiagraha vai concluir que os erros cometidos pelo delegado ao longo da operação, talvez o principal deles tenha sido pedir a colaboração de agentes da Abin sem um respaldo superior da direção da Polícia Federal, jamais teriam a capacidade de levar à anulação da operação. Em situações normais de temperatura e pressão, seus erros poderiam ser censurados e corrigidos, mas não teriam qualquer repercussão em termos de legalidade.
BB: Ao longo da apuração, você encontrou alguma prova ou indício de que o então presidente do STF, Gilmar Mendes, ou algum integrante do tribunal foi grampeado pela Policia Federal ou pela Abin?
RV: Sob vários pontos de vista (jornalístico, técnico, jurídico e mesmo ético), não é mais possível aceitar que essa suspeita continue a ser veiculada como fato, pois todas as imensas e complicadas investigações desencadeadas por diferentes órgãos públicos jamais localizaram qualquer prova material de grampo telefônico ou ambiental sobre qualquer ministro do STF. Eu cuidei de verificar esse ponto quase à exaustão. Ouvi com atenção e a necessária dose de desconfiança integrantes da Operação Satiagraha, li as conclusões das investigações policiais, vi os laudos do material apreendido. Não há uma linha sequer sobre constatação de grampo contra autoridades do Supremo. Esses são os elementos concretos que integram o processo. Fora disso, só mesmo a paranóia, alimentada por um estranho silêncio das autoridades encarregadas de verificar a existências desses supostos grampos. A Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República sabem muito bem que não existe prova alguma dos grampos, mas até hoje, mais de cinco anos depois, jamais vieram a público fazer o desmentido cabal. Nunca prestaram contas das investigações. Esse ato de transparência deveria ter ocorrido há muito tempo, pois instituições e figuras públicas foram colocadas em xeque.
BB: E quanto as supostas ilegalidades cometidas pela Abin?
RV: Li e reli várias vezes os diversos depoimentos e documentos que integram a Satiagraha e o inquérito aberto para apurar a participação da Abin. A única conclusão possível é que a Abin não usurpou o papel de investigação consagrado pela Constituição às polícias. A Abin não interceptou nenhum telefonema, não tomou nenhum depoimento e não requisitou ao juiz do caso nenhuma medida de qualquer natureza. Em suma, os agentes da Abin em momento algum conduziram o inquérito. Por todo o tempo a investigação continuou presidida pela autoridade policial, com a devida fiscalização do Ministério Público e sob os olhares do Judiciário. O papel dos agentes da Abin se restringiu a acompanhar e fotografar alvos nas ruas, ler emails interceptados por ordem judicial, transcrever conversas interceptadas com ordem judicial. Ou seja, era um papel meramente auxiliar. Um trabalho braçal. No pen drive do delegado Protógenes foram apreendidos também documentos em word produzidos por agentes da Abin sobre algumas autoridades. Esses papéis, que incluem dados delirantes e informações de difícil comprovação, jamais foram anexados à Satiagraha. São imprestáveis como prova, tanto que o delegado não os juntou ao inquérito. E foi apenas esse o papel da Abin. Por que a eventual participação de agentes da Abin em certo ponto do inquérito poderia ser capaz de anular a operação inteiraa? Não há uma única participação, nem mesmo lateral, de agentes da Abin no episódio do suborno de dois delegados federais. A alegação de que a mera e pontual ajuda de alguns agentes da Abin em qualquer ponto da investigação seja capaz de anular um processo inteiro é inteiramente risível. É, na verdade, um tapa na cara dos cidadãos brasileiros pagadores de impostos e cumpridores das leis. Os advogados falam na teoria importada dos EUA dos “frutos da árvore contaminada”. Diz a tese que um processo gerado por uma prova ilícita deve ser anulado pelo vício na origem. Ocorre que a participação dos agentes da Abin n Satiagraha nada teve a ver com a origem do processo, foi sempre posterior, e portanto a teoria é totalmente inválida.
BB: Dantas já foi condenado fora do Brasil. Cortes britânicas e norte-americanas se referiram a ele em termos duros e o acusaram de fraude, entre outro crimes. No Brasil, a despeito da anulação posterior (agora em analise no Supremo), ele foi condenado em primeira instancia por suborno. Seu nome também tem sido citado nos principais escândalos da era FHC e Lula. Ele continua, porém, a ser tratado em diversos círculos e por considerável parcela da mídia como um "empresário polêmico". E apenas isso. Pelo seu livro, conclui-se que ele e mais do que polêmico, certo?
RV: Dantas e o banco Opportunity aparecem referidos em diversos escândalos nos últimos anos: grampos do BNDES e as privatizações, caso do extinto banco Banestado, investigação privada da Kroll e a Operação Chacal, CPI dos Correios e o mensalão e, por fim, a Operação Satiagraha. Essa sequência de acontecimentos coloca o banqueiro como um dos principais personagens da história brasileira contemporânea. Tratá-lo como “polêmico” é um resumo pobre e impreciso. Ele foi acusado e investigado não por suas supostas “polêmicas”, mas por fatos e atos que podem e devem ser averiguados.
BB: As relações de Dantas com o PSDB foram retratadas em varias reportagens e livros ao longo das ultimas décadas. "Operação Banqueiro" acrescenta novas e interessantes provas dessa relação umbilical. O banqueiro, por outro lado, sempre se declarou perseguido pelo PT, mas os interesses do Opportunity e do partido se entrelaçam na Satiagraha. Você chegou a buscar explicações para os motivos de os petistas terem saído em apoio ao banqueiro e participarem da força tarefa para desacreditar a operação?
RV: A Satiagraha veio a público em abril de 2008, no mesmo período de intensas negociações entre os fundos de pensão ligados ao PT, a telefônica Oi e o banqueiro com vistas à criação da gigante da telefonia BrOi. Havia um interesse público e manifesto do governo na criação da nova supertele, uma operação que acabou possível após um ato do próprio presidente Lula. Creio que as investigações da Satiagraha chegaram num péssimo momento para os interesses do governo, que queria logo concluir aquela fusão. Isso pode ter contribuído para a extrema má vontade do governo em relação ao inquérito policial. Por outro lado, Dantas havia conseguido se aproximar de petistas históricos. No livro procurei descrever o papel de dois desses petistas no processo de criação da BrOi. Houve um segundo fato: em 2008, a Polícia Federal havia incomodado muitos interesses de políticos de vários partidos, incluindo petistas e integrantes da base aliada. E a “tolerância” do PT e do governo em relação à PF havia chegado ao ponto máximo um ano antes, quando uma equipe de policiais invadiu a casa do irmão de Lula na Grande São Paulo. Por sua vez, Lula havia superado, do ponto de vista da sua imagem diante o eleitorado, o trauma da acusação do mensalão, e não estava tão dependente das ações espetaculares da polícia, que davam ao governo um discurso anti-corrupção.
BB: Dantas recorre a uma teoria conspiratória para se defender. Diz-se vitima da união de interesses políticos e econômicos de integrantes do PT, seu desafeto Luis Roberto Demarco e a Telecom Italia. Ele tem usado esse argumento para tentar influenciar processos contra ele no Brasil.  Nos últimos anos, ele e seus advogados se referem a um inquérito em Milao que investigou e puniu funcionários da Telecom Italia por espionagem. Esse inquérito sempre é evocado em diversos processos pelo Opportunity. Ao longo de sua pesquisa, encontrou alguma evidência dessa conspiração ou alguma relação entre os processos no Brasil e a investigação italiana?
RV: Tive acesso e verifiquei milhares de páginas que integram a investigação realizada na Itália, incluindo os extensos depoimentos dos principais envolvidos. Como digo no livro, o Opportunity enfrenta sérias e talvez incontornáveis dificuldades para demonstrar uma prova objetiva sobre a alegada corrupção de autoridades do Brasil por funcionários da Telecom Italia de modo a “perseguir” o banco brasileiro. Até o momento, essa hipótese não passa disso, uma simples suspeita sem confirmação. Nos autos há apenas referências indiretas e imprecisas. Mas os advogados do Opportunity passaram a manobrar esse fantasma para relacionar a investigação no Brasil à outra da Itália, exigindo que uma acusação só fosse investigada depois da outra. É como se um motorista atropelasse alguém na rua e, quando encontrado pela polícia, alegasse ao juiz: “Lá na Itália uma pessoa disse que esse delegado que me prendeu aqui está me perseguindo. Então eu só posso ser acusado do atropelamento se antes vocês investigarem esse delegado”. É um argumento juridicamente absurdo. Mas que ganhou guarida em variados meios.
BB: No relatório da Satiagraha, Protógenes Queiroz dedica um capitulo às relações de Dantas com a mídia. Como você definiria essa relação?
RV: O foco do meu livro são as provas, acusações e explicações do caso Satiagraha e não o papel da mídia, embora ela seja um personagem presente em toda a narrativa. Eu também entendi que o debate sobre o papel da mídia na cobertura da Satiagraha havia sido extenso e intenso na internet, por meio de blogs e sites e outras publicações, como CartaCapital, que remaram contra a maré, e por isso eu não precisava gastar páginas que poderiam ser usadas para avaliar outros aspectos do caso. Mas ao longo do livro eu procurei demonstrar diversas imprecisões e enganos divulgados pela mídia que acabaram por ajudar as posições do Opportunity. Outro aspecto notável foi ver que boa parte da mídia não viu nenhum problema na paralisação e anulação do caso Satiagraha, considerando-os fatos quase rotineiros, mas que de banais nada tinham.
do Blog do Briguilino
*cutucandodeleve

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