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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, janeiro 16, 2014

 Valor da multa a Genoino extrapola os parâmetros legais

Doações atingiram nesta quarta-feira, 15, R$ 399.762,94. Ou seja, quase 60%  dos R$ 667,5 mil estipulados pela Justiça

Na nota Campanha para Genoino já arrecadou R$295 mil, 44% da multa, o leitor Luís Carlos, nos comentários, questionou: “Sendo o único imóvel dele e que é usado para moradia realmente, poderia ser tirado da família para pagar essa multa?” A dúvida de Elza, também nos comentários, era outra: “Pra onde vai o dinheiro dessas multas?”

Nesta quarta-feira, 15, conversamos sobre essas e outras questões referentes à multa com o advogado Patrick Mariano, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.

Antes da nossa entrevista, uma boa notícia.  A campanha de doações para José Genoino pagar a multa da Ação Penal 470 atingiu nesta quarta-feira, 15, R$ 399.762,94. Ou seja, quase 60%  dos R$ 667,5 mil estipulados pela Justiça.

Viomundo — O Genoino tem um único imóvel, que onde ele e a família realmente moram. A União poderá cobrar a dívida judicialmente, inclusive confiscando o sobrado da família, no bairro do Butantã, em São Paulo?

Patrick Mariano — Não. A Lei 8.009/90 prevê que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”.

Viomundo —  O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é nesse sentido? 

Patrick Mariano –  Tanto no STF quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento é o que está lei Lei 8.009/90. É essa Lei que protege o bem de família.

Viomundo — E se o apenado tiver mais de um imóvel ou outros bens, o que determina alei?

Patrick Mariano  – Se possuir mais de um imóvel, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, caso, no Registro de Imóveis, não exista a escolha para este fim de outro bem.

Viomundo — O que acontece se o condenado não pagar a multa? Tem interferência na pena ou na progressão do regime?

Patrick Mariano  – Uma vez transitada em julgado a ação, ou seja, não couber mais nenhum recurso,  o fato do condenado não conseguir pagar a multa não terá efeito algum na sua pena.

A Lei 9.260/96 alterou a redação do Código Penal e proibiu a conversão da pena de multa em detenção. O inadimplemento da pena de multa permite apenas que ela seja considerada dívida de valor, tornando-se dívida ativa da Fazenda Pública.

Viomundo —  O juiz deu prazo até dia 20 para Genoino pagar a multa. É sempre tão exíguo o prazo? 

Patrick Mariano – Com relação ao prazo parece que não há ilegalidade, pois o artigo 50 do Código Penal, fala em 10 dias a contar do trânsito em julgado. 

 Viomundo —  O que é feito com o dinheiro da multa? 

Patrick Mariano – A arrecadação vai para o Fundo Penitenciário Nacional (ao Funpen). Entre outros fins, deve deve ser destinado à construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais; manutenção dos serviços penitenciários; e formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário.

Viomundo — Tem-se ideia de quanto se apurou no ano passado com esse tipo de multa?

 Patrick Mariano — Dados do Funpen, divulgados em 2012, falam  em torno de R$ 3 bilhões, desde a sua fundação, em 1994.

Viomundo — Que critérios devem ser levados em consideração para fixação do valor da multa? Houve exagero neste ponto no caso de Genoino?

Patrick Mariano – O artigo 60 do Código Penal é bem claro: na fixação da pena de multa, o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.

Além disso, o artigo 50, também do Código Penal, diz que a pena de multa não deve incidir sobre os recursos indispensáveis para o sustento do condenado e sua família.

É de conhecimento de todos que José Genoino não é um homem de posses. Ao contrário, reside na mesma casa há muitos anos. Nunca acumulou patrimônio, vivendo do seu salário. Pelo que li, o valor da multa imposto extrapolou — e muito! — os parâmetros legais. Infelizmente, estamos diante de mais uma ilegalidade cometida.

Não é só isso. Está no artigo 5º, parágrafo XLV, da  Constituição brasileira de 1988: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

Ou seja, no caso de Genoino, não bastam a prisão e o degredo, já que foi impedido de cumprir a pena próximo a sua família. A sanha punitiva e o ódio de classe exposto na sentença foram além ao impor sofrimento não só ao condenado, mas também à toda sua família que não tem como pagar valores tão exorbitantes.

Desta forma, o drama de ter um familiar preso se soma ao desespero da família em não ter como pagar a dívida. O que justificaria tamanha tentação punitiva? Só se viu isso nos Tribunais da Inquisição, de triste e trágica lembrança.

Conceição Lemes
No Viomundo
*comtextolivre

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