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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 27, 2014

O extermínio em massa COMO estratégia de CONTROLE das classes trabalhadoras no Brasil.

              O pensador francês Loic Wacquant é um sociólogo do crime que é conhecido internacionalmente por ter popularizado, no mundo acadêmico e entre ativistas, a categoria de Estado Penal. Para Wacquant o projeto econômico e político neoliberal trás no seu bojo COMO elemento intrínseco o amplo fortalecimento do aparelho de repressão do Estado, o fortalecimento e expansão sem precedentes do sistema carcerário, uma reconfiguração dos programas sociais para dotá-los de um caráter de controle e uma forte ideologia punitiva e individualista. Nas palavras do autor:

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é aprópria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro COMO do Segundo Mundo (WACQUANT, 2011, p. 09)[1]
            
 Ao analisar os mecanismos de controle no mundo neoliberal, Wacquant reconhece três principais estratégias:

I: A primeira estratégia é o controle via PROGRAMAS sociais. Por exemplo, uma cidade tem muitas pessoas vivendo em situação de rua, o poder público para controlar essa situação cria conjuntos habitacionais para alocar essas populações. A estratégia de controle das tensões sociais via PROGRAMAS sociais e ampliação dos serviços públicos foi comum nos países centrais do imperialismo (EUA e Europa Ocidental) na época de ouro da social-democracia (1945-1973).

II: A segunda estratégia é a medicalização. É a idéia de mostrar problemas sociais COMOdistúrbios médicos ou psiquiátricos. Por exemplo, muitas pessoas em situação de rua consomem muito álcool como forma de agüentar as duras condições diárias; contudo, os discursos midiáticos e políticos colocam a situação de uma forma como se o alcoolismo (entendido como doença) que gerasse o “morador de rua” e não ao contrário.

III: A terceira estratégia é a penalização. O Estado neoliberal criminaliza comportamentos e práticas das classes populares, amplia o aparelho repressivo do Estado e o sistema penal. A guerra às drogas, legitimadora do encarceramento em massa, é um dos discursos de penalização usados no Estado neoliberal.
             
          O que quero levantar é o seguinte: embora de forma genial, as três estratégias apontadas por Wacquant não se encaixam de forma adequada na realizada brasileira. A primeira estratégia, controle via programas sociais, praticamente não foi usada em nossa história. Temos poucas experiências nesse sentido e na nossa história é um dado constante um amplo contingente da população ser totalmente excluída de qualquer direito social e acesso à serviços públicos. As melhoras relativas dos últimos anos e as políticas de combate à miséria extrema dos Governos do PT não mudaram radicalmente a situação (basta pensar que não temos serviços públicos universais).
          
        A estratégia de controle via medicalização também é algo raro em nossa história. Por um simples fato: nunca tivemos uma rede de serviços públicos de SAÚDE que cobrissem toda população. O Sistema Único de Saúde, o SUS, por exemplo, é algo bem recente em nossa história. Então, mesmo que o discurso da medicalização seja presente, ele nunca foi dominante entre nós.
           
        A terceira estratégia de penalização é amplamente usada entre nós, contudo, a questão a ser levantada é que ela compartilha o protagonismo com outra (não trata por Wacquant): o extermínio em massa das classes trabalhadoras.
           
         A polícia militar, o sistema penal, o sistema carcerário, a estrutura do judiciário e a nossa cultura política configuram-se como continuidades da ditadura empresarial-militar. Depois dos comunistas, o inimigo interno que domina o imaginário é o trabalhador morador da favela. Os índices de letalidade da polícia brasileira estão entre os maiores do mundo. Para termos uma idéia, a polícia brasileira mata mais que a pena de morte em todos os países que a usam no mundo (ESTADOS UNIDOS, Rússia, China, etc.). Todas as mortes são legitimadas, naturalizadas, invisibilizadas, pelos aparelhos ideológicos da CLASSE dominante. O principal desses aparelhos, os monopólios de mídia, produzem diariamente a legitimidade e ao mesmo tempo a invisibilidade dessa violência[2]
             
          Para termos uma idéia mais concreta dessa violência, temos que comparar o índice de letalidade da polícia brasileira com a dos Estados Unidos (maior sistema carcerário e aparelho repressivo de CONTROLE do mundo):

Dados da 8ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública [...] mostram que, no período de cinco anos, os policiais brasileiros mataram mais do que os agentes americanos em 30 anos. Nos últimos cinco anos, os policiais brasileiros mataram, em serviço e fora, 11.197 pessoas, uma média de seis por dia. Enquanto nos Estados Unidos, nos últimos 30 anos, foram 11.090 mortos, média de uma pessoa por dia.[3]
              
           Só a polícia do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre 1993 e 2011, assassinaram 22 mil pessoas. Temos que ter claro os alvos: a imensa maioria dos assassinados são homens, negros, pobres, jovens entre 14 e 26 anos e moradores de favelas. Esse processo de extermínio é - como já dizemos – legitimado-invisibilizado pelos aparelhos ideológicos da CLASSEdominante e reproduzido institucionalmente. É necessário lembrar os atos de resistência que figuram como instrumento institucional LEGAL para o extermínio. 
          
           É fundamental frisar a institucionalização dessa política de extermínio. Ela não é resultados de falhas no aparelho do Estado ou mau funcionamento das instituições. É a própria forma e a configuração das instituições e como elas são projetadas para se relacionar com as classes trabalhadoras que produz esse extermínio em massa. Essa relação dos aparelhos do Estado com as classes trabalhadora pode ser pensada através do comportamento da presidente Dilma. Ela não disse nada depois da chacina em Belém, cometida por policiais, que matou mais de dez pessoas. Mas se pronunciou quando nos protestos de 2013, um coronel da PM foi agredido por alguns manifestantes e não teve maiores ferimentos (em solidariedade ao policial, é claro). Nesse sentido, pode ser ilustrativo usar a redefinição da categoria de totalitarismo dado pelo filósofo Giorgio Abamgem, como forma de pensarmos que regime político vive a classe trabalhadora:

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por meio de um estado de exceção, de uma guerra civil LEGAL que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos (Agamben, 2003, p.13) [3]



[1] - As prisões da Miséria. Loic Wacquant. Tradução: André Telles, Editora Jorge Zahar – RIO DE JANEIRO , 2011
[2] - Documentário TV Alma Sebosa. Uma demonstração de como os monopólios de mídia tratam a violência sobre as CLASSES trabalhadoras: https://www.youtube.com/WATCH?v=ST9h5BWZSTE

[4] – Estado de exceção. Giorgio Agamben. Boitempo Editorial. 2003. 

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