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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 24, 2015

Hoje na História: 1903 – EUA instalam base militar em Guantánamo, Cuba


Vista aérea de parte da base naval norte-americana na baía de Guantánamo
Por Max Altman no Opera Mundi

Em 22 de março de 1903, os Estados Unidos instalam base militar em Guantánamo, Cuba. As relações entre Cuba e os Estados Unidos já eram conflituosas antes ainda das lutas pela independência.

Planos para aquisição da ilha foram manifestadas por Washington em varias ocasiões. Enquanto diminuía a influência espanhola no Caribe, os Estados Unidos ganharam aos poucos uma posição de domínio político e econômico sobre a ilha.

As relações entre o continente norte-americano e a colônia espanhola de Cuba começaram já no século 18. À medida que o comércio legal e ilegal se incrementava, Cuba se converteu em importante centro de produção de tabaco e açúcar, o que levou ao crescimento do fluxo mercantil de Cuba aos portos dos Estados Unidos.

A independência da 13 Colônias norte-americanas em 1776 aumentou as posibilidades de intercâmbio comercial entre Washington e Havana. Após a abertura da ilha ao comércio mundial em 1818, os acordos cubano-estadunidenses substituiram as conexões comerciais com a Espanha. Em 1820, Thomas Jefferson afirmou que Cuba era "o acréscimo mais interesante que se podía fazer ao nosso sistema de estados" e disse ao Secetário de Guerra, John Calhoun, que devia "na primeira oportunidade tomar Cuba". Quincy Adams, Secretário de Estado, comparou Cuba com uma maçã que, ao separar-se da Espanha, gravitaria em direção aos Estados Unidos.

Em 1854, uma proposta secreta conhecida como o Manifesto de Ostend foi idealizada pelos diplomatas de Washington para adquirir Cuba da Espanha por US$ 130 milhões. Já em 1877, os Estados Unidos açambarcavam 82% das exportações de Cuba, podendo com isso controlar preços e produção diretamente. Cada vez mais cidadãos estadunidenses passaram a residir na ilha e alguns bairros à beira-mar tinham mais características de cidade norte-americana do que espanhola. Entre 1878 e 1898, investidores norte-americanos aproveitaram as condições econômicas cubanas, deterioradas devido à Guerra dos Dez Anos, e compraram propriedades a preços muito baixos.

O Secretário de Estado James Blaine escreveu em 1881 sobre Cuba: "A rica ilha, chave de entrada no Golfo do México, e via para estender nosso comércio pelo hemisfério ocidental, é, ainda que em mãos de Espanha, uma parte do sistema comercial americano. Se deixasse de ser espanhola, Cuba deve necessariamente tornar-se americana."

Em 1897, o presidente William McKinley ofereceu comprar Cuba por US$ 300 milhões. A oferta foi rechaçada e a estranha explosão que afundou o couraçado USS Maine no porto de Havana provocaria a Guerra Hispano-Americana.

Independência condicionada

Em 10 de dezembro de 1898, Espanha e Estados Unidos firmaram o Tratado de Paris, ocasião em que o país europeu abriu mão de todos os seus direitos sobre Cuba. O tratado, do qual a Espanha pediu que os cubanos não participassem, poria fim ao Império Espanhol na América e marcava o principio da expansão e do domínio político dos Estados Unidos na região. O controle militar sobre a ilha durou até 1902, quando finalmente foi concedida a independencia formal a Cuba.

Uma das condições estabelecidas entre Cuba e Estados Unidos para assegurar a retirada das tropas estadunidenses da ilha era a adoção por Cuba da Emenda Platt. Esta medida estipulava que Washington poderia exercer o direito de intervenção em assuntos políticos, econômicos e militares cubanos em caso de necessidade. Outra consequência da emenda supunha o uso prolongado por parte dos Estados Unidos da porção meridional da Baía de Guantânamo, onde uma base naval havia sido estabelecida em 1898. O arrendamento da baía foi confirmado pelo Tratado Cubano-Americano.

Apesar da passagem de Cuba a uma república independente, os Estados Unidos assumiram o controle militar após uma rebelião dirigida por José Miguel Gomez. Em 1912, forças norte-americanas voltaram novamente a Cuba para acalmar protestos de afro-cubanos contra a discriminação racial.

Em 1926, as companhias dos Estados Unidos detinham mais de 60% da indústria açucareira cubana e importavam 95% do total da colheita cubana. Washington apoiou os sucessivos governos cubanos, mas o confronto interno entre o governo Gerardo Machado e seus opositores políticos levaram a um derrocamento militar dos rebeldes cubanos em 1933. O embaixador Sumner Welles solicitou a intervenção de marines ao presidente Roosevelt. Foram enviados 29 navios de guerra fortemente armados.

O sucessor de Machado, Ramón Grau, assumiu a presidência e anulou imediatamente a Emenda Platt. Em represália, Washington negou reconhecimento ao governo Grau, o qual era descrito pelo embaixador Welles "comunista" e "irresponsável".

Os Estados Unidos continuaram a ter posse da base naval de Guantánamo. Foi definitivamente arrendada aos Estados Unidos e somente um acordo mútuo ou o abandono dos Estados Unidos da área poderia encerrar o arrendamento.

Anualmente, os EUA pagam pelo arrendamento mas Havana não aceita o pagamento. A presença do país em Guantánamo permanece contra a vontade do governo cubano que a considera uma ocupação ilegal e violatória de sua soberania.

Max Altman é jornalista.

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