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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 12, 2015

CARTA A PRESIDENTA DILMA


Há quem ficaria feliz se a senhora enfiasse uma bala no peito, ou fosse derrubada por um golpe. Mas a senhora tem o apoio do que há de melhor na sociedade brasileira, latino-americana e mundial. Resista
Cara presidenta,
Fique. Um dia, um predecessor seu, é verdade que “no tempo do Rei”, antes de “no tempo do Império”, teve a coragem de dizer “como é para o bem de todos e a felicidade geral da Nação, digam ao povo que fico”. Oito meses depois foi proclamada a Independência do Brasil.
Agora, quem se levanta contra a senhora não são mais as Cortes de Lisboa. Aliás, o primeiro-ministro português, conservador, sério, desmentiu as aleivosias que levantavam contra o ex-presidente Lula.
Quem se levanta agora contra a senhora são membros de uma categoria de gente que protesta contra ter de pagar salário mínimo para uma empregada doméstica, agora com recolhimento para o Fundo de Garantia e a Previdência Social. Gente que considera que os golpistas de 1964 cometeram um erro: não matá-la (!). Gente que baba ódio e espuma grosseria, confunde críticas com insultos.
Levantam-se também “jornalistas” que querem ganhar o Prêmio Carlos Lacerda do Século 21. Como não conseguiram derrubar o ex-presidente Lula durante os seus mandatos, querem agora que senhora “caia” e que ele “vá para a cadeia”.
Ah, sim, há a brigalhada sobre quem vai ser o candidato conservador em 2018. Essa briga se dá entre os pré-candidatos. Parecem os republicanos nos Estados Unidos, cada um querendo parecer mais reacionário do que o outro, cortejando gente que se pauta por mensagens anticivilizatórias, gente que é contra limites de velocidade que protejam vidas humanas, contra o avanço do transporte público no lugar do transporte individualista, contra corredores de ônibus, contra direitos sociais, contra transferência de renda, contra proteger os desprotegidos. Gente que acha que na Europa viajar de ônibus e trem é legal, mas no Brasil só quer mais espaço para o seu carrão.
Presidenta, muito se escreve sobre seu abandono do cargo – por sua “livre e espontânea vontade”, ou então sob a força de um impeachment, que na falta de qualquer base legal atende também pelo nome de golpe.
Resista, presidenta. Em nome do que a senhora resistiu quando estava diante de seus algozes, que ocultavam o rosto, com medo do julgamento da História, assim, com H maiúsculo, que tritura as ratazanas que agem sempre com minúsculas e nas sombras de seus projetos inconfessos.
A senhora tem uma dívida para com o povo brasileiro, que a elegeu legitimamente em outubro do ano passado. Essa dívida é o seu mandato. Tem gente que ficaria feliz se a senhora enfiasse uma bala no peito, como fez Vargas em 54. Ou que fosse derrubada por um golpe civil-militar, como em 64 no Brasil, ou só civil, como o que derrotou Al Gore nos Estados Unidos ou Lugo no Paraguai.
Resista, presidenta.
A senhora tem o apoio do que há de melhor na sociedade brasileira, latino-americana e mundial. Pense nisso a cada dia, a cada noite de sua trajetória. E não se entregue, como a senhora não se entregou quando esteve no cárcere.
Há gente que pensa que a sociedade brasileira deveria ser como o cárcere para onde a senhora foi levada quando da ditadura.
O Brasil e o povo brasileiro são maiores do que isto.
Resista, senhora presidenta.
A História não os perdoará. E a acolherá de braços abertos.
*PortalMetropole

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