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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 26, 2015

Papa denuncia o uso fraudulento da ONU para legitimar guerras

Francisco faz um novo apelo em Nova York em defesa do planeta e dos mais pobres


O Papa discursa na ONU. / EFE (ATLAS)
papa Francisco denunciou nesta sexta-feira, durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, a manipulação interesseira da Carta das Nações Unidas para imprimir legalidade a guerras que foram, na verdade, planejadas "com intenções espúrias". Segundo Jorge Mario Bergoglio, quando "a norma é confundida com um simples instrumento para ser utilizado quando for favorável e para ser ignorado quando não for" constitui "uma fraude" de consequências imprevisíveis: “Uma ética e um direito baseados na ameaça de destruição mútua —e possivelmente de toda a humanidade— são contraditórios e constituem uma fraude em toda a construção das Nações Unidas, que se tornariam Nações unidas pelo medo e pela desconfiança. "É preciso lutar por um mundo sem armas nucleares, aplicando plenamente o Tratado de não proliferação, na letra e no espírito, rumo a uma proibição total desses instrumentos".
Bergoglio disse que os 70 anos de existência das Nações Unidas — especialmente nos últimos 15 anos— demonstram tanto a eficácia das normas internacionais quanto a ineficácia de seu não cumprimento: "Se a Carta das Nações Unidas for respeitada e aplicada com transparência e sinceridade, sem segundas intenções, como um ponto de referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para disfarçar intenções espúrias, os resultados de paz são alcançados. Quando, no entanto, a norma é confundida com um simples instrumento para ser utilizado quando for favorável e para ser ignorado quando não for, abre-se uma verdadeira Caixa de Pandora de forças incontroláveis, que prejudicam gravemente as populações indefesas, o ambiente cultural e até mesmo o ambiente biológico”.
O Papa baseou a primeira parte de seu discurso em um apelo em defesa do planeta e dos mais desfavorecidos, muito em linha com sua encíclica Laudato si, e pediu soluções urgentes e distanciadas da retórica. Disse: "O abuso e a destruição do ambiente, ao mesmo tempo, vão acompanhados por um processo de exclusão incontrolável (...) O drama de toda essa situação de exclusão e de desigualdade, com consequências claras, me aproxima de todo o povo cristão e de tantos outros para também tornar-me ciente de minha grande responsabilidade a respeito, por isso levanto minha voz, junto a todos aqueles que anseiam por soluções urgentes e eficazes".
Por isso, o Papa chamou a atenção para um efeito dominó brutal: "Um desejo egoísta e ilimitado de poder e bem-estar material leva ao abuso dos recursos materiais disponíveis e à exclusão dos fracos e com menos habilidades, quer por terem capacidades diferentes (deficientes) ou porque estão privados dos conhecimentos e instrumentos técnicos adequados, ou possuem capacidade insuficiente de decisão política. A exclusão econômica e social é uma total negação da fraternidade humana e uma grave violação dos direitos humanos e do meio ambiente. Os mais pobres são os que sofrem essas violações por três razões graves: são descartados pela sociedade, são ao mesmo tempo obrigados a viver do descarte e devem sofrer injustamente as consequências do abuso do ambiente. Esses fenômenos formam hoje a tão difundida e inconscientemente consolidada cultura do descarte".
*http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/25/internacional/1443190052_968588.html

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