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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 25, 2010






MARCOS COIMBRA: "a lei serve para proibir que seu adversário faça aquilo que você, tranquilamente, faz"

Marcos Coimbra

Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
marcoscoimbra.df@dabr.com.br




Boas e más leis

Nunca se falou tanto quanto nestas eleições presidenciais de “campanha antecipada”. É como se houvesse um consenso de que é bom, nas eleições, que os eleitores só conheçam as candidaturas na “hora certa”. Mas qual é a “hora certa”?

Maurenilson Freire/CB/D.A Press



Sem a lei, não existe civilização e sociedade organizada. Sem a universalização da obrigação de cumpri-la, não existe democracia. Repetindo um velho e verdadeiro chavão, a democracia exige que o preceito da igualdade de todos perante a lei seja observado, seja no tocante aos direitos, seja aos deveres. Ela existe para todos e todos estão igualmente sujeitos a ela.

Daí não se deduz, no entanto, que as leis sejam imutáveis. Respeitá-las não quer dizer eternizá-las. As sociedades chegam a determinadas formulações institucionais e podem alterá-las, considerando que não se adequam mais ao que ela considera desejável. Uma lei pode caducar. Era boa em determinado momento, mas, em outro, torna-se ultrapassada.

Nas leis fundamentais, essa mutabilidade é rara e pouco recomendável. Mas há outras em que é muito positivo que existam mecanismos que aumentem a possibilidade de mudanças e que até as encorajem.

Veja-se o caso da moderna legislação eleitoral brasileira. Toda ela foi feita depois de um hiato de mais de 20 anos de ditadura, nos quais as eleições para o Executivo foram circunscritas às disputas municipais (em cidades do interior) e as legislativas fortemente cerceadas. Enquanto o país passou por grandes mudanças econômicas, sociais e culturais, o sistema político permaneceu artificialmente congelado.

Note-se que nossa tradição democrática anterior ao golpe militar de 1964 não nos serviu de muita ajuda naquela altura, pois era modesta. Os intervalos democráticos que vivemos no século 20 foram tão pequenos que não produziram referências jurídicas sólidas para a reconstrução institucional pós-ditadura. Em outras palavras, tivemos que inventar uma legislação eleitoral enquanto a íamos praticando.

Muita coisa foi feita na base da tentativa e do erro. Fez-se uma lei para uma eleição, verificou-se em que funcionou e mudou-se na outra. O compromisso não era com a permanência, mas com a eficácia. Todos queriam leis melhores, ainda que não fossem duráveis.

O resultado disso foi uma intensa volatilidade em nossas leis eleitorais. Durante muitos anos, cada eleição teve um marco jurídico diferente em aspectos fundamentais e não apenas em questões de detalhe. Em função disso, a cada uma se ouvia um coro de críticas à falta de “regras claras e homogêneas”, como se elas pudessem brotar do nada.

Hoje, é evidente a necessidade de reavaliar a legislação eleitoral. Há muita coisa nela que foi superada pelas transformações que atravessamos nos últimos 20 anos — na sociedade, nos meios de comunicação e na tecnologia. Ela usa expressões que ninguém mais conhece, se ocupa de coisas obsoletas e quer disciplinar outras que se tornaram irrelevantes.

Há, ainda, coisas que foram superadas na prática pelos atores políticos, independentemente de ideologia. Por exemplo, os limites ao livre uso do tempo de propaganda na televisão e no rádio, pois eles contrariam um objetivo maior, de fortalecimento dos partidos políticos. Por exemplo, o engessamento do processo eleitoral em um calendário que contraria o bom senso.

Nunca se falou tanto quanto nestas eleições presidenciais de “campanha antecipada”. É como se houvesse um consenso de que é bom, nas eleições, que os eleitores só conheçam as candidaturas na “hora certa”. Antes, por motivos desconhecidos, não seria desejável que soubessem quem são os candidatos, com quem estão, o que representam. Mas qual é a “hora certa”?

A resposta que nossa legislação dá à pergunta desafia a lógica: três meses antes da eleição. Se alguém se apresentar como candidato fora desse prazo, se pedir votos para si ou para outra pessoa, tem que pagar multa. E por que três e não seis meses ou um ano? Mais tempo de exposição das candidaturas não faria com que os cidadãos as pudessem analisar com mais cuidado e profundidade? E isso não seria bom?

Quem cobra punições para aqueles que “antecipam” as eleições não está à procura de Justiça. Quer apenas usar uma legislação caduca (da qual, no íntimo, discorda), para impedir que outros façam o mesmo que faz.

Enquanto não mudarmos de vez nossa legislação eleitoral, as coisas vão ficar assim: a lei serve para proibir que seu adversário faça aquilo que você, tranquilamente, faz.

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