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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 01, 2010

Abril apenas expressam seus valores vulgares e sua indigência político-cultural. Só no grotesco Castelo de Caras, a revista dos cafonas endinheirados e dos basbaques que os admiram

Tucanos e papagaios de pirata


31 de outubro: grande derrota do pro-imperialismo neoliberal

João Quartim de Moraes *
Chico Buarque sintetizou com insuperável concisão, num ato em apoio à candidatura Dilma Rousseff, os dois princípios complementares da política externa da tucanagem: falar fino com os Estados Unidos, falar grosso com a Bolívia e o Paraguai. São princípios tradicionais da direita liberal, sempre subserviente ao “colosso do Norte”, como dizem carinhosamente, sempre arrogante porém com os povos em luta.
Dentre as maneiras de tentar justificar a servidão voluntária ao “colosso”, é especialmente insidiosa uma que está exposta em peçonhenta revista do plutocrata Civita. No momento em que, após ter submetido o Afeganistão a um holocausto balístico em que massacrou indiscriminadamente a população civil, como já havia feito tantas vezes no passado, o Pentágono preparava a invasão do Iraque, Veja (nº 1.791, de 26 de fevereiro de 2003) ofereceu a seguinte explicação para a indignação da melhor parcela da humanidade perante esta escalada de atrocidades:
"Os americanos são ainda odiados por um motivo mais prosaico: porque há décadas vivem uma era de prosperidade sem igual na história humana. Num planeta em que 45% das pessoas subsistem com menos de 2 dólares por dia, os americanos são os beneficiários de uma opulência que agride os brios dos países retardatários. Além disso, os Estados Unidos têm valores, como a democracia e a liberdade absoluta de manifestação de idéias e crenças, que chocam todos aqueles que aprovam regimes totalitários, entre eles os radicais islâmicos. Os EUA, como país, resultaram da convivência das diferenças. O individualismo de seu povo é uma característica cujos resultados são assombrosamente positivos. Isso produz ressentimento".






Tenham ou não haurido de Nietzsche essa denúncia do “ressentimento”, os poodles do truste Abril apenas expressam seus valores vulgares e sua indigência político-cultural. Só no grotesco Castelo de Caras, a revista dos cafonas endinheirados e dos basbaques que os admiram, é possível falar em “era de prosperidade sem igual na história humana” sem cair no ridículo. Em Wall Street, viveiro do dólar gerando dólar, prosperam os Madoffs e outros canalhas; enquanto isso, na periferia do imperialismo, quando se ouve um gringo do Pentágono cacarejar “democracy, democracy” (pronuncia-se “dimócraci”), todos vão logo correndo se entocar, porque os mísseis costumam vir logo atrás. Ronald Reagan, pioneiro da Cruzada neoliberal de recolonização do planeta, justificava o apoio militar que concedia aos talebãs em luta contra os comunistas afegãos, argumentando que eles “não eram terroristas e sim guerrilheiros da liberdade”. Os “democratas-ocidentais”, sob o comando de Bush pai, de Clinton e de Bush filho prosseguiram na Cruzada assassina contra o que chamam “Eixo do Mal”, composto na verdade pelos países que se recusam a lamber as botas do Pentágono e de seus sócios da OTAN.
No Iraque, o holocausto começou antes mesmo da invasão e ocupação do país pelos mercenários do mentecapto G.W.Bush. O embargo econômico decretado contra aquele país pelo “democrat” Clinton e executado por sua secretária de Estado, Madeleine Albright, fez cerca de 500 mil crianças morreram de fome. Quando lhe pediram para explicar essa monstruosidade, a secretária respondeu: “é um preço que nós pagamos pela democracia”. Nós quem, harpia?
No mesmo momento, Veja incumbia-se do trabalho rasteiro de ajudar a satanizar Saddam Hussein. Entre outras safadezas pró-imperialistas, publicou matéria intitulada “Chumbo na chuteira” (nº 1.612, de 25 de agosto de 1999). Dizendo basear-se no jornal britânico The Sunday Times, acusa Udai, filho de Saddam Hussein, de mandar espancar e até torturar jogadores da equipe nacional do Iraque quando perdiam partidas importantes. Em princípio, uma denúncia pode ser verdadeira ou falsa. Mas considerando que a mediática imperialista, inclusive a britânica, divulgou toda sorte de pretextos mentirosos para se apoderar do petróleo iraquiano, não dá para acreditar na raivosa compilação da revista do Mister Civita. De qualquer modo, a tropa da Veja deve ter exultado mais adiante, quando Udai, junto com o irmão Qusai, foram executados à queima roupa pelos pistoleiros do Pentágono. O pai foi em seguida enforcado, após um simulacro de processo mais grotesco do que o dos nazistas. Tudo em nome da “democracy”, claro. 
Não é só a tucanagem, porém que fala fino com os Estados Unidos e grosso com os recalcitrantes da periferia. Havíamos já deplorado que Marina Silva (a nova maneira do capital fazer política) tenha escolhido exatamente a hora em que o Cartel da Otan ameaça incendiar o Irã para declamar em Washington, no dia 24 de abril passado, a ladainha que os gringos queriam ouvir: "O Brasil é a única democracia ocidental que tem dado audiência para o Ahmadinejad. A própria China não tem dado, nem a Rússia". A declaração, além de eleitoreira (caçando votos anti-Lula na faixa pró-imperialista que come na mão da Rede Globo), é ideologicamente sintomática: auto-identificação subalterna com a “democracia ocidental” (a “dimócraci”), subserviência aos interesses da Casa Branca e alusão pejorativa à “própria” China. Entre as espécies verdes com quem Marina se identifica estão, pelo visto, os papagaios de pirata da mediática capitalista.
Coerente com sua opção pró-imperialista, a candidata do PV chamou para seu principal assessor econômico o ultra-liberal Eduardo Giannetti da Fonseca.  Sem medo de desfiar as mais surradas trivialidades do receituário econômico da direita, o assessor alertou  seu bando (em entrevista reproduzida em Estadão.com de 23 de agosto passado): “com Dilma, vemos um avanço de um estatismo e dirigismo na economia, o governo criando estatais de seguros, telefonia, e os bancos estatais promovendo uma marcha forçada de crescimento”. Terrível, não? Explicou também a propósito da competitividade das exportações brasileiras que "é reduzindo o custo Brasil que vamos resolver esse problema, não é com administração de câmbio".  A expressão “custo Brasil” já denota o sabujo, para o qual a culpa é sempre do Brasil. Ademais, só a um imbecil escapa que com o dólar, digamos a 2,5 reais é mais fácil exportar do que com um dólar a 1,7 reais. Enfim, revelando um traço profundo dos verdes, de que seus eleitores bem intencionados não se deram conta, é pela direita que Giannetti discorda dos tucanos: "Juros são sintoma, não são causa do nosso problema", disse ele contrapondo-se às “críticas duras” que Serra fez contra o Banco Central, questionando sua autonomia. Como todos os ultra-liberais, o assessor de Marina quer um Banco Central independente das orientações políticas do governo e dos legisladores eleitos pelo sufrágio universal. 
Nesse aspecto importante, Serra é, como diz o caboclo, menos pior que Marina. Ia terminar meu pequeno artigo mensal com essa não sectária ponderação quando, sacudindo a poeira de meu vasto e um tanto caótico arquivo de jornais, deparei-me na primeira página do Estadão/Mesquitão de 22 de maio de 1996, sob o título “Light é privatizada em leilão recorde”, com uma foto de figurões sorridentes, felizes. No centro da foto está Serra, rindo ao bater o martelo. Na seção de economia do mesmo jornal, mais esclarecimentos sob o título “Estatal francesa compra Light por preço mínimo”. O candidato à presidência duas vezes derrotado partilha com FHC a responsabilidade de ter entregue a um Estado estrangeiro, a preço vil, um setor estratégico de nossa economia. Felizmente, o eleitor brasileiro derrotou tucanos e papagaios de pirata.
* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.

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