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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 08, 2010

Até o papa apoiou Serra



Segundo John Cornwell, Pio XII era o papa de Hitler

Por Mino Carta*

Temos uma mulher na Presidência da República, primeira na história do Brasil. E que uma mulher chegue a tanto já é notícia extraordinária. Levo em conta a preocupação do Datafolha a respeito da presença feminina no tablado eleitoral: refiro-me à pergunta específica contida na sua pesquisa, sempre aguardada com ansiedade pelo Jornal Nacional e até pelo Estadão. A julgar pelo resultado do pleito, Dilma Rousseff representa entre nós a vitória contra o velho preconceito pelo qual mulher só tem serventia por certos dotes que a natureza generosamente lhe conferiu.

Para CartaCapital a eleição de Dilma Rousseff representa coisas mais.A maioria dos eleitores moveu-se pelas razões que nos levaram a apoiar a candidata de Lula desde o começo oficial da campanha. Em primeiro lugar, a continuidade venceu porque a nação consagra os oito anos de bom governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Inevitável foi o confronto com o governo anterior de Fernando Henrique Cardoso, cujo trunfo inicial, a estabilidade, ele próprio, príncipe dos sociólogos, conseguiu pôr em risco.

Depois de Getúlio Vargas, embora manchada a memória pelo seu tempo de ditador, Lula foi o único presidente que agiu guiado por um projeto de país. Na opinião de CartaCapital, ele poderia ter sido às vezes mais ousado em política social, mesmo assim mereceu índices de popularidade nunca dantes navegados e seu governo passou a ser fator determinante do êxito da candidata.

A comparação com FHC envolve também a personalidade de cada qual. Por exemplo: o professor de sociologia é muito menos comunicativo do que o ex-metalúrgico, sem falar em carisma. Não se trata apenas de um dom natural, e sim da postura física e da qualidade da fala, capaz de transmitir eficazmente ideias e emoções. Lembraremos inúmeros discursos de Lula, de FHC nenhum.

Outra diversidade chama em causa a mídia nativa. Fascinada, sempre esteve ao lado de FHC, inclusive para lhe esconder as mazelas. Vigorosa intérprete do ódio de classe em exclusivo proveito do privilégio, atravessou oito anos a alvejar o presidente mais amado da história pátria. Quando, ao dar as boas-vindas aos 900 convidados da festa da premiação das empresas e dos empresários mais admirados no Brasil, ousei dizer que o mensalão, como pagamento mensal a parlamentares, não foi provado para desconforto da mídia, certo setor da plateia esboçou um começo de vaia. Calou-se quando o colega Paulo Henrique Amorim ergueu-se ao grito de “Viva Mino!” Os fiéis da tucanagem não primam pela bravura.

Pois Dilma Rousseff teve de enfrentar esta mídia atucanada, a reeditar o udenismo de antanho em sintonia fina com seus heróis. Deram até para evocar o passado da jovem Dilma, “guerrilheira” e “terrorista”. Como de hábito, apelaram para a má-fé para explorar a ignorância de um povo que, infelizmente, ainda não conhece a sua história, e que não a conhece por obra e graça sinistra de uma minoria a sonhar com um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem demos.

Nos porões do regime dos gendarmes da chamada elite, Dilma Rousseff­ foi encarcerada e brutalmente torturada. Poderia ter sofrido o mesmo fim de Vlado Herzog, que os jornalistas não se esquecem de recordar todo ano.

Mas a hipocrisia da mídia não tem limites, com a contribuição da ferocidade que imperou na internet ao sabor da campanha de ódio nunca tão capilar e agressiva. E na moldura cabe à perfeição a questão do aborto, praticado à vontade pelas privilegiadas e, ao que se diz, pela própria esposa de José Serra, e negado às desvalidas.

Até o papa alemão a presidente recém-eleita teve de enfrentar. Ao se encontrar já nos momentos finais da campanha com um grupo de bispos nordestinos, Ratzinger convidou-os a orientar os cidadãos contra quem não respeita a vida, clara referência à questão que, lamentavelmente, invadiu as primeiras páginas, as capas, os noticiários da tevê. Parece até que Bento XVI não sabe que o Vaticano fica na Itália, onde o aborto foi descriminalizado há 40 anos.


*Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br

*observadoressociais

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