Governo Alckmin é condenado por racismo
Material
distribuído por professora da rede pública a alunos associava a cor
negra ao demônio; indenização será de R$ 54 mil a família que se sentiu
atingida
Fernando Porfírio _247 -
O governo paulista foi condenado por disseminar o medo e a
discriminação racial dentro de sala de aula. A decisão é do Tribunal de
Justiça que deu uma “dura” no poder público e condenou o Estado a pagar
indenização de R$ 54 mil a uma família negra. De acordo com a corte de
Justiça, a escola deve ser um ambiente de pluralidade e não de
intolerância racial.
O Estado quedou-se calado e
não recorreu da decisão como é comum em processos sobre dano moral. O
juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública, a quem cabe
efetivar a decisão judicial e garantir o pagamento da indenização, deu
prazo até 5 de abril para que o Estado dê início à execução da sentença.
O caso ocorreu na capital do Estado mais rico
da Federação e num país que preza o Estado Democrático de Direito
instituído há quase 24 anos pela Constituição Federal de 1988. Uma
professora da 2ª série do ensino fundamental, de uma escola estadual
pública, distribuiu material pedagógico supostamente discriminatório em
relação aos negros.
De acordo com a decisão, a
linguagem e conteúdo usados no texto são de discriminatórias e de mau
gosto. Na redação – com o título “Uma família diferente” – lê-se: Era
uma vez uma família que existia lá no céu. O pai era o sol, a mãe era a
lua e os filhinhos eram as estrelas. Os avós eram os cometas e o irmão
mais velho era o planeta terra. Um dia apareceu um demônio que era o
buraco negro. O sol e as estrelinhas pegaram o buraco negro e bateram,
bateram nele. O buraco negro foi embora e a família viveu feliz.
O
exercício de sala de aula mandava o aluno criar um novo texto e
inventar uma família, além de desenhar essa “família diferente”. Um dos
textos apresentados ao processo foi escrito pela aluna Bianca, de sete
anos. Chamava-se “Uma Família colorida” e foi assim descrito:
“Era uma vez uma família colorida. A mãe era a vermelha, o pai era o azul e os filhinhos eram o rosa. Havia um homem mau que era o preto. Um dia, o preto decidiu ir lá na casa colorida. Quando chegou lá, ele tentou roubar os rosinhas, mas aí apareceu o poderoso azul e chamou a família inteira para ajudar a bater no preto. O preto disse: - Não me batam, eu juro que nunca mais vou me atrever a colocar os pés aqui. Eu juro. E assim o azul soltou o preto e a família viveu feliz para sempre”.
A
indenização, que terá de sair dos cofres públicos, havia sido
estabelecida na primeira instância em R$ 10,2 mil para os pais do garoto
e de R$ 5,1 mil para a criança, foi reformada. Por entender que o fato
era “absolutamente grave”, o Tribunal paulista aumentou o valor do dano
moral para R$ 54 mil – sendo R$ 27 mil para os pais e o mesmo montante
para a criança.
De acordo com a 7ª Câmara de
Direito Público, no caso levado ao Judiciário, o Estado paulista
afrontou o princípio constitucional de repúdio ao racismo, de eliminação
da discriminação racial, além de malferir os princípios constitucionais
da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
“Sem
qualquer juízo sobre a existência de dolo ou má-fé, custa a crer que
educadores do Estado de São Paulo, a quem se encarrega da formação
espiritual e ética de milhares de crianças e futuros cidadãos, tenham
permitido que se fizesse circular no ambiente pedagógico, que deve ser
de promoção da igualdade e da dignidade humana, material de clara
natureza preconceituosa, de modo a induzir, como induziu, basta ver o
texto da pequena Bianca o medo e a discriminação em relação aos negros,
reforçando, ainda mais, o sentimento de exclusão em relação aos
diferentes”, afirmou o relator do recurso, desembargador Magalhães Coelho.
Segundo o relator, a discriminação racial está latente, “invisível muitas vezes aos olhares menos críticos e sensíveis”.
De acordo com o desembargador Magalhães Coelho, o racismo está,
sobretudo, na imagem estereotipada do negro na literatura escolar, onde
não é cidadão, não tem história, nem heróis. Para o relator, ao
contrário, é mau, violento, criminoso e está sempre em situações
subalternas.
“Não é por outra razão que o
texto referido nos autos induz as crianças, inocentes que são, à
reprodução do discurso e das práticas discriminatórias”, afirmou Magalhães Coelho. “Não
é a toa que o céu tem o sol, a lua, as estrelas e o buraco negro, que é
o vilão da narrativa, nem que há “azuis poderosos”, “rosas delicados” e
“pretos” agressores e ladrões”, completou.
O
desembargador destacou que existe um passado no país que não é
valorizado, que não está nos livros e, muito menos, se aprende nas
escolas.
“Antes ao contrário, a pretexto de
uma certa “democracia racial”, esconde-se a realidade cruel da
discriminação, tão velada quanto violenta”, disse. Segundo
Magalhães Coelho, na abstração dos conceitos, o negro, o preto, o judeu,
o árabe, o nordestino são apenas adjetivos qualificativos da raça, cor
ou região, sem qualquer conotação pejorativa.
“Há
na ideologia dominante, falada pelo direito e seus agentes, uma enorme
dificuldade em se admitir que há no Brasil, sim, resquícios de uma
sociedade escravocrata e racista, cuja raiz se encontra nos processos
históricos de exploração econômica, cujas estratégias de dominação
incluem a supressão da história das classes oprimidas, na qual estão a
maioria esmagadora dos negros brasileiros”, reconheceu e concluiu o desembargador.
Vi no Terra Brasilis
*Ocarcará
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