Pinheirinho: ONU dá 48h
a Nahas e Alckmin
Saiu na Folha (*) :
Ação no Pinheirinho viola direitos, diz relatora da ONU
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
O processo de reintegração de
posse de Pinheirinho viola os direitos humanos. É preciso suspender o
cerco policial e formar uma comissão independente para negociar uma
solução para as famílias.
A opinião é da relatora
especial da ONU para o direito à moradia adequada, a arquiteta e
urbanista Raquel Rolnik, 55, que enviou um Apelo Urgente às autoridades
brasileira pedindo explicações sobre o caso. Para ela, professora da
FAU/USP, o país caminha para trás no campo dos direitos humanos e a
pauta da inclusão social virou “sinônimo apenas da inclusão no mercado”.
Nesta entrevista, ela avalia
também o episódio da cracolândia. Faz críticas do ponto de vista dos
direitos humanos e da concepção urbanística. Rolnik aponta para
violações de direitos em obras da Copa e das Olimpíadas e avalia que
“estamos indo para trás” em questões da cidadania.
No plano mais geral, entende
que o desenvolvimento econômico brasileiro está acirrando os conflitos
em torno da terra –nas cidades e nas zonas rurais. E defende que “as
forças progressistas”, que na sua visão abandonaram a pauta social,
retomem “essa luta”.
A seguir, a íntegra.
*
Folha – Qual sua avaliação sobre o caso Pinheirinho?
Raquel Rolnik – Como relatora enviei um Apelo Urgente às autoridades brasileiras, chamando atenção para as gravíssimas violações no campo dos direitos humanos que estão acontecendo no processo de reintegração de posse no Pinheirinho. Posso apontar várias dessas violações. Minha base legal é o direito à moradia adequada, que está estabelecido nos pactos e resoluções internacionais assinados pelo Brasil e que estão em plena vigência no país.
O grande pano de fundo é que
não se remove pessoas de suas casas sem que uma alternativa de moradia
adequada seja previamente equacionada, discutida em comum acordo com a
comunidade envolvida. Não pode haver remoção sem que haja essa
alternativa. Aqui se tem uma responsabilização muito grave do
Judiciário, que não poderia ter emitido uma reintegração de posse sem
ter procurado, junto às autoridades, verificar se as condições do
direito à moradia adequada estavam dadas. E não estavam.
O Judiciário brasileiro,
particularmente do Estado de São Paulo, não obedeceu à legislação
internacional. A cena que vimos das pessoas impedidas de entrar nas suas
casas e de pegar seus pertences antes que eles fossem removidos para
outro local –isso também é uma clara violação. Isso não existe! Nenhuma
remoção pode deixar a pessoa sem teto. Nenhuma remoção pode impor à
pessoa uma condição pior do que onde ela estava. São duas coisas
básicas.
Nenhuma remoção pode ser feita sem que a comunidade tenha sido informada e tenha participado de todo o processo de definição do dia da hora e da maneira como isso vai ser feito e do destino de cada uma das famílias.
Tudo isso foi violado. Já
violado tudo isso, de acordo com a legislação da moradia adequada, tem
que fazer a relação dos bens. Remoção só deve acontecer em último caso.
Isso foi absolutamente falho.
Essa área não poderia ser decretada de importância social?
Não pode haver uso da violência nas remoções, especialmente com crianças, mulheres, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Vimos cenas de bombas de gás lacrimogêneo sendo jogadas onde tinham mulheres com crianças e cadeirantes. Coisa absolutamente inadmissível.
Desde 2004 a ocupação existe e
acompanhei como ex-secretária nacional dos programas urbanos do
Ministério das Cidades. A comunidade está lutando pela urbanização e
regularização desde 2004. Procuramos várias vezes o então prefeito de
São José dos Campos para equacionar a regularização e urbanização.
O governo federal ofereceu
recursos para urbanizar e para regularizar a questão fundiária. O
governo federal não executa. O recurso é passado para municípios.
O que aconteceu?
Prefeito do PSDB jamais quis entrar em qualquer tipo de parceria com o governo federal para viabilizar a regularização e urbanização da área.
Por quê?
Pergunte para ele. Nunca quis tratar. A urbanização e regularização da área seria a melhor solução para o caso. A situação é precária do ponto de vista de infraestrutura, mas poderia ser corrigida. Aquela terra é da massa falida da Selecta, que é um grande devedor de recursos públicos, de IPTU. A negociação dessa área seria facilitada.
Se poderia estabelecer com eles
uma dação em pagamento. Mesmo se não fosse viável uma dação em
pagamento, a terra poderia ser desapropriada por interesse social, pelo
município, Estado ou União.
…
Como avalia PT e PDSB nesse caso. A sra é do PT, não?
Não. Eu aqui falo como relatora dos direitos à moradia adequada. A questão partidária que existe é irrelevante. Os direitos dos cidadãos precisam ser respeitados.
O que se deve esperar como consequência concreta desse Apelo? A sra. acredita que possa haver reversão desse processo?
As autoridades têm 48 horas para responder ao Apelo. Confirmando ou não as informações de violação. Estamos alegando que houve informações sobre feridos, eventualmente mortes, que não houve. O Apelo é mandado para a missão permanente do Brasil em Genebra, que manda para o Ministério das Relações Exteriores e o MRE é quem faz o contato com a prefeitura, o governo do Estado e os órgãos do governo federal para responder.
Amanhã [hoje] faço um
pronunciamento público. Nele peço que seja imediatamente suspenso o
cerco policial, que se estabeleça uma comissão de negociação
independente, com a participação da prefeitura, governo do Estado,
governo federal e representação da própria comunidade, para que se possa
encontrar uma solução negociada para o destino da área e das famílias.
Que é a questão principal: o destino das famílias. Na minha opinião,
idealmente, isso deveria envolver a própria área.
A sra. não descarta a hipótese das famílias voltarem para a mesma área?
Não descarto. Se houver um acordo em torno da questão da terra, inclusive com a massa falida da Selecta, seria possível. O mais importante: temos que acabar com esse tipo de procedimento nas reintegrações de posse no Brasil.
Não é só no Pinheirinho que
estão acontecendo violações. Tenho denunciado como relatora que as
remoções que estão acontecendo também violações no âmbito dos projetos
de infraestrutura para a Copa e para as Olimpíadas. Menos dramáticas,
talvez, do que no Pinheirinho, mas igualmente não obedecendo o que tem
que ser obedecido.
A questão social no Brasil ainda é um caso de polícia?
Infelizmente tenho a sensação de que estamos indo para trás. Porque nós –e a minha geração fez parte disso– lutamos pelo Estado democrático de direito, pela questão da igualdade do tratamento do cidadão, pela questão dos direitos humanos. Para nós, a partir da Constituição isso virou um valor fundamental.
Nesta mesma Constituição se
reconheceu o direito dos ocupantes de terra com moradia, que ocuparam
por não ter outra alternativa.
Está na Constituição e, agora
que o Brasil está virando gente grande do ponto de vista econômico,
estamos voltando para trás no que diz respeito a esses direitos. Estamos
assistindo a remoções sendo feitas sem respeitar [esses direitos].
Estamos assistindo um discurso totalmente absurdo –de que eles, que
ocupam áreas, que não tiveram outra alternativa, são invasores. Como
eles não obedeceram a lei, não temos que obedecer lei nenhuma com eles.
É um discurso pré-Constituinte.
Isso foi amplamente reconhecido na Constituição. Tem artigo sobre isso.
Estamos tratando essas questões não só aí [no Pinheirinho]. Veja como
isso está sendo tratado na cracolândia. Vemos isso em várias remoções
nos casos da Copa e das Olimpíadas. Simplesmente há um discurso: eles
são invasores, não obedeceram a lei, para eles não vale nada da lei.
Estamos picando a Constituição.
Por que estamos indo para trás?
É preciso ver como se foi constituindo uma pauta dominante. Como a pauta da inclusão social acabou sendo sinônimo apenas da inclusão no mercado, via melhoria das condições de renda. A inclusão no campo cidadão acabou tendo um papel muito menor e menos importante.
Nesse momento de
desenvolvimento econômico muito importante, as terras urbanas e rurais
adquirem um enorme valor econômico. Os conflitos em torno da terra estão
sendo acirrados em função disso, dado o enorme e importante valor que a
terra está assumindo. A exacerbação dos conflitos de terra tem a ver
com o aumento do interesse pela terra.
Qual sua visão sobre os incêndios em favelas em São Paulo?
Que favelas pegam fogo em São Paulo? As favelas melhor localizadas. Não vejo notícia de favela pegando fogo na extrema periferia na região metropolitana, que é onde mais tem favela.
Qual é a sua hipótese?
A hipótese tem a ver com a importância estratégica de uma parte da terra ocupada por favelas –a importância estratégica para o mercado imobiliário de uma parte da terra ocupada por favelas. Trata-se de uma espoliação: uma terra valiosa em que você tira a favela e pode atualizar o seu valor. Dentro de um modelo em que o único valor que importa é o valor econômico e os outros valores não importam, tirar essa terra valiosa de uma ocupação de baixa renda faz sentido.
Mas a terra tem outros valores.
Por exemplo, a função social da terra, outra coisa que está escrita na
nossa Constituição. Não estou afirmando que esses incêndios sejam
criminosos, porque não tenho nenhuma prova, nenhuma referência que me
permita dizer isso. Entretanto, acho fundamental que esses incêndios
sejam investigados. Por que esses incêndios estão ocorrendo agora
exatamente nessas favelas?
…
Como a República Federativa e Independente de
São Paulo e sua Corte Suprema (também conhecida como TJ-SP) responderão a
essa crise internacional ?
O que dirá o Ministério das Relações Exteriores da República Federativa de São Paulo, instalado no PiG (**) ?Vai retirar o Embaixador na ONU ?
Paulo Henrique Amorim
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