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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, março 05, 2012

A ciclista e o motoboy 

 

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Somos seletivos no nosso sofrimento e mais dispostos a prantear o infortúnio de quem nos pareça igual.

Um ciclista atropelado na avenida Paulista nos enche de comiseração enquanto a morte de um jovem mensageiro, em sua motocicleta comprada a prestação, mal nos chama a atenção.

Dois casos acontecidos quase que simultaneamente nas ruas de São Paulo deixaram há poucos dias essa impressão. Um, a morte de uma jovem que rumava ao trabalho pela a avenida paulista em sua bicicleta. O outro, o acidente fatal de um rapaz sobre sua moto numa avenida menos conhecida da cidade chamada Cupecê.

O perecimento da moça foi noticiado nos telejornais do dia com referências carinhosas ao nome que a vítima teve em vida, Jú. No local em que se acidentou, uma multidão aglomerou-se sob chuva intensa para homenageá-la com uma simbólica bicicleta branca.

A morte do outro jovem não mereceu menção, exceto pela referência indireta do repórter que fazia sobrevoo de helicóptero naquela tarde para informar a situação do trânsito. No mesmo dia foram outros dois casos como o dele, em diferentes pontos da cidade. No mês, dizem as estatísticas, quase 70.

Não houve culpados em nenhuma das situações. Apenas a rotina da cidade que, nos interstícios do anonimato, engendra todos os dias fatalidades. Há sim causas responsáveis, que para a ciclista foi uma cidade cedida aos automóveis e para o motociclista o subemprego a que se condenam garotos sem escolas e paternidades precoces.

Embora sejam  de igual modo frágeis os corpos estraçalhados pela lógica perversa que organiza a cidade, a percepção seletiva que temos nós mesmos das suas vítimas, por simples identidade de classe, com frequência nos colocam mais perto das soluções fáceis das pistas exclusivas para bicicletas nas avenidas nobres, do que de esforços mais sérios para acabar com o morticínio de meninos submetidos `a exploração do trabalho e `a baixa instrução.
*Brasilquevai

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