Comissão da Verdade tem de incluir elites civis
Punição para os criminosos vivos, execração pública a imagem dos criminosos mortos
Email do Professor Caio Toledo
A
comissão deve investigar as elites empresariais conservadoras que se
uniram a militares em 64 para manter privilégios, inclusive o seu papel
nos casos de tortura.
A
discussão das últimas semanas, referente às ácidas cartas de setores da
reserva das Forças Armadas sobre o processo de criação de uma Comissão
da Verdade, coloca um ponto importante para nossa reflexão.
Quem pensou, organizou e operacionalizou o movimento de 1964?
A resposta soa clara ao aluno desatento do ensino médio: militares.
Mas
não. A participação ativa dos setores civis da sociedade no golpe
militar de 31 de março de 1964 deve ser discutida e aprofundada,
inclusive naquilo que se refere à tortura e ao desaparecimento daqueles
que se opunham ao regime.
Não
se muda a história. A participação civil nos regimes ditatoriais é
regra quando se observa alguns dos processos históricos contemporâneos.
Além dos militares e dos serviços secretos, sempre há aqueles grupos
civis que incentivaram a ruptura institucional a partir do uso da força
militar.
Foi
assim no movimento de ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo na
Itália e do comunismo na antiga União Soviética. É padrão: o setor
conservador e radical das Forças Armadas se ancora no meio civil como
braço auxiliar para a ação de poder.
E
tão grave quanto: os setores civis, principalmente das elites
empresariais conservadoras, utilizam-se da caserna para manterem
privilégios e garantirem novas regalias.
O
grande historiador Tony Judt, no épico "Pós-Guerra" (no Brasil,
disponível pela editora Objetiva), mostra essa aproximação difusa e
obscura entre civis e militares nos projetos de tomada do poder à força
na história contemporânea.
Quando
a ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário menciona a importância
de elucidar a participação dos setores e grupos civis nos processos de
radicalização do regime de 1964, ela está certa.
Se
os excessos cometidos pelos radicais de farda ocorreram, é necessário
ressaltar que eles aconteceram também por incentivo e por interesse
desses grupos.
Vale
lembrar que a deflagração do golpe militar de 1964 foi precedida por
uma movimentação da classe média paulista (a chamada "Marcha com Deus
Pela Liberdade", que foi organizada também por grupos ligados às grandes
empresas de São Paulo).
O
ano de 1964 é também resultado do apoio irrestrito dos chamados
"capitães da indústria" de São Paulo e dos representantes mais
conservadores das oligarquias agrárias do Nordeste à época.
São
grupos civis, com origem ligada ao empresariado, que frequentavam
recepções de congraçamento entre civis e militares, gabinetes
governamentais e ambientes acadêmicos ideológicos, como a Escola
Superior de Guerra -chamada pelos próprios "estagiários" mais
envaidecidos de "Sorbonne brasileira", que viam no golpe de 1964 uma
oportunidade única.
Essa
oportunidade se baseava em uma estratégia que foi regra mestra no
desenvolvimento econômico do período: o arrocho salarial para manutenção
dos ganhos de capital, agenda decisiva para a manutenção do patamar de
lucratividade dos investimentos nacionais e internacionais no período
após Juscelino, de rápida industrialização do país.
Mas
o incentivo para o golpe e o decisivo apoio durante boa parte da
execução do regime de 1964 não ficam restritos a essa ação quase
"institucional" dos grupos civis que se fundiam aos interesses dos
militares mais radicais à época.
Mais
graves foram as ações pensadas e organizadas diretamente por grupos
civis radicais, como o obscuro "Comando de Caça aos Comunistas", a
"Operação Bandeirantes", entre outras, que foram conduzidas a partir de
ações clandestinas, com o apoio dos serviços secretos militares e das
lideranças e grupos empresariais à época.
Esperemos
que, se criada, a Comissão da Verdade, de alguma forma, também possa se
deter nesta seara que envolve uma segunda sombra do regime de 1964.
Para saber mais sobre a participação de civis no golpe de 64, clique aqui
*levantepopulardajuventude
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