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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 29, 2012

Cachoeira-Veja: um Murdoch brasileiro?

Do site Brasil 247:
Relações incestuosas e, portanto, desvirtuadas entre jornalistas e fontes já causaram prisões e fecharam uma publicação secular. Na Inglaterra, ano passado. Diretora executiva da News Corp., o conglomerado de mídia do magnata Ruppert Murdoch, a jornalista Rebekah Brooks chegou a ser presa pela polícia inglesa, interrogada por 12 horas e libertada sob fiança somente após contar o que sabia a respeito do trabalho de apuração que incluía escutas ilegais sobre personalidades do país e aquisição de informações com policiais mediante pagamentos em dinheiro.
O jornal The News of the World, que veiculava o material obtido na maior parte das vezes por aqueles métodos, teve de ser fechado por Murdoch, depois de mais de cem anos de publicação, por força dos protestos dos leitores e do público em geral. Eles se sentiram ultrajados com o, digamos, jeitinho que a redação agia para obter seus furos. Os patrões Ruppert e seu filho James precisaram dar explicações formais ao Parlamento Britânico sobre as práticas obscuras. Ali, foram humilhados até mesmo por um banho de espuma a contragosto.
No Brasil, neste exato momento, a revista impressa de maior circulação do país está com seus métodos de apuração igualmente colocados em xeque. Afinal, o caso das duzentas ligações telefônicas grampeadas pela Polícia Federal, nas investigações da Operação Monte Carlo, envolve num circuito fechado, e privilegiado, um contraventor especializado em se infiltrar em grandes estruturas do establishment e o atual número dois da revista. O jornalista Policarpo Jr., que acumula o cargo de diretor da sucursal de Brasília, pode até ser visto como o número três ou quatro na hierarquia interna, à medida em que, em seu último arranjo de poder, o diretor de redação Eurídes Alcântara estabeleceu o singular modelo de ter três editores-chefe na publicação. Mas com pelo menos quinze anos de serviços prestados à revista no coração do poder, Policarpo, reconhece-se, é “o cara”. Ele foi repórter especial e seu estilo agressivo de atuar influenciou a atual geração de profissionais de Veja. Eles são temidos por sua capacidade de levantar escândalos, promover julgamentos morais e decretar o destino de reputações. A revista, a cada semana, se coloca como uma espécie de certificadora da moral e dos bons costumes no País, sempre pronta a baixar a marreta sobre o que julga fora dos seus padrões.
O problema, para Veja, é que o jogo de mão entre Policarpo Jr. e Carlinhos Cachoeira pode ter sido pesado, apesar de ainda não estar claro. O silêncio da revista a respeito não contribui em nada para o seu esclarecimento. A aparente relação de intimidade pessoal entre editor-chefe e o contraventor não apenas não é um fato como outro qualquer, como pode ser a ponta do maior escândalo de mídia já visto no Brasil. A não publicação, na edição de Veja que está nas bancas, da surpreendente descoberta de ligações perigosas entre o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) – que na terça-feira 26, sob intensa pressão, renunciou ao posto de líder do partido no Senado – e Cachoeira acentuou a percepção generalizada de que o bicheiro e o jornalista tinham um ou alguns pactos de proteção e ajuda. Será?
Em nome de ter a notícia em primeira mão, é admissível, do ponto de vista ético, ao profissional da mídia, manter relacionamentos privilegiados com quem ele considerar importante para este fim. Inclusive contraventores. O que não é eticamente aceitável é fazer com que esses relacionamentos derivem para a não publicação de notícias ou a divulgação parcial dos fatos.
O ex-governador José Serra, recentemente, foi apontado pelo ex-ministro em plena queda Wagner Rossi como um dos pauteiros (aquele que define os assuntos a serem abordados) de Veja. Pode ter sido um efeito de retórica do Rossi flagrado pela revista como dono de uma mansão incompatível com seu histórico de homem público. Mas jamais, como agora, houve a suspeita real de que um contraventor pudesse exercer o mesmo papel de, digamos, pauteiro externo da revista. A interrogação é procedente à medida em que, especialmente em Brasília, circulam rumores de que Policarpo comentaria abertamente com Cachoeira os assuntos que seriam abordados em edições futuras da revista e as angulações editoriais das reportagens.
Para qualquer um que trabalhe com informação, conhecer por antecipação o conteúdo de Veja é uma grande vantagem competitiva. Um assessor de imprensa, por exemplo. A posse desse tipo de ativo pode representar a diferença entre um bom contrato e nenhum contrato. Se se abre o espaço para a indicação de assuntos, então, ai o lobista entra no paraíso, passando a ter condições de posicionar seus interesses em espaços nobres que vão da capa à última folha do papel tipo bíblia de Veja, passando pela prestigiada sessão de entrevistas, as páginas amarelas. Será?
Na Inglaterra, em meio às primeiras informações sobre o real modo de agir dos jornalistas do The News of the World, a primeira reação da casa foi também a de silêncio. Em seguida, negativas. Mas os desdobramentos do caso, que incluíram o suicídio de um ex-alto funcionário do governo britânico, levantaram o véu da farsa e a verdade, finalmente, mostrou sua face. Na versão tupi, a suspeita é de que tenha ocorrido, entre Policarpo e Cachoeira, bem mais do que acontece num relacionamento normal entre jornalista e fonte de informação. Cachoeira, via Policarpo, talvez tenha se tornado um observador privilegiado da construção semanal da pauta política da revista, especialmente durante a eclosão do escândalo do mensalão, como afirmou ao 247 o ex-prefeito de Anápolis, Ernani de Paula.
Em nome de ter a notícia em primeira mão, é admissível, do ponto de vista ético, ao profissional da mídia manter relacionamentos privilegiados com quem ele considerar importante para este fim. Mas quase nunca é aceitável fazer com que esses relacionamentos derivem para a não publicação de notícias ou a divulgação parcial dos fatos.
Normalmente, o mundo político espera uma edição da revista Veja para conhecer o conteúdo que ela apresenta sobre os outros. Neste final de semana, o que se quer saber é o que Veja falará dela mesma.
*Tijolaço

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