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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 27, 2012

A pobreza do Banco Mundial

Diz o New York Times: "Relatório revela: a pobreza extrema em queda apesar da crise global".

Estranho, não é? Não, não é, só é preciso perceber donde chega este relatório:do Banco Mundial, que anuncia "Novas estimativas revelam uma queda da extrema pobreza entre 2005 e 2010".

Notícia relançada pelo The Economist:pela primeira vez na História, o número dos pobres diminui em todos os lugares".

Então, a crise global afinal faz bem? Mais desgraçadas as economias, melhor a vida de todos? E todos os novos desempregados?

Seria bom se assim fosse. Mas não é.

É preciso observar bem o relatório do Banco Mundial e perceber algumas coisas.
Por exemplo:

1. Os números nada dizem sobre o impacto da recessão.
Os dados reais cobrem o período 1981 - 2008, provavelmente os dados que terminam em 2008 nem podem dizer alguma coisa sobre o impacto duma recessão que começou nos Estados Unidos no final desse mesmo ano. O relatório alude a uma "estimativa preliminar" para 2010. Reparem: estimativa preliminar. E com base nisso o banco afirma com convicção que em 2010 atingiu o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, nomeadamente a redução para metade do nível de pobreza. Nível de pobreza que o Banco fixa em 1.25 Dólares por dia.

Mas as estimativas preliminares são apenas isso: estimativas preliminares, não dados reais. São extrapoladas a partir de amostras significativamente menores. Portanto, os dados não podem apoiar a afirmação do Banco porque, mais uma vez, os dados reais terminam em 2008. E se ainda houvesse dúvidas, podem ler as anteriores estimativas do Banco Mundial, sempre com um invejável excesso de optimismo e sempre pouco confiáveis.

2. A China é a chave.
Entre 1981 e 2008, o declínio total das pessoas que vivem em "extrema pobreza", ou seja, aqueles que vivem com menos de 1,25 Dólares por dia, aconteceu inteiramente na China: aí, o total das pessoas muito pobres caiu 662 milhões. Mas no mesmo período, o número de pessoas que vivem com menos de 1,25 Dólares por dia fora da China aumentou 13 milhões e são agora 1.100 milhões . Isso mesmo: 1 bilião de pessoas que vive com menos de 1.25 Dólares por dia.

No mesmo período, um grande número de pessoas caíram na pobreza extrema no Sul da Ásia (interessante este dado, pois no Sul da Ásia temos a Índia, País em rápido crescimento) e na África sub-saariana. Portanto, o título mais correto seria: "Ao longo das últimas três décadas, de 1981 a 2008, a pobreza diminuiu na China, enquanto aumentou no resto do mundo". Mas com um título assim, o Banco Mundial fica mal.

3. 1.25 aqui, mas aí?
Acerca do último ponto: 1.25 Dólares por dia podem ser sobrevivência no Mali, mas em outros Países? Tomar como referência um valor monetário absoluto para determinar a pobreza a nível mundial faz pouco sentido. na África do Sul? Em Haiti? Em Portugal, só para fazer um exemplo muito banal, 1.25 Dólares significam 1 Euro, 30 Euro por mês. E Esta é pobreza, profunda pobreza. Nos mesmos Países em crescimento, como a China e a Índia, a quantidade de dinheiro necessária para manter um padrão digno de vida aumentou.

Tudo isso acaba invariavelmente na questão das políticas que existem "atrás" da pobreza.

1. Neoliberalismo e pobreza
O que escondem os dados que mostram um aumento da pobreza fora da China entre 1981 e 2005?
Este período coincidiu com o auge das políticas neoliberais em favor das corporações multinacionais na maioria dos Países. Não é um mero acaso. Os dados podem ser interpretados como uma confirmação da análise crítica do liberalismo: a onda do fundamentalismo do mercado tem ajudado a aumentar o número de pessoas que vivem na pobreza.

Além disso, estes dados revelam que em uma região, a África sub-saariana, a proporção de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou durante este período. No único País onde houve uma queda, a China, os gestores não têm implementado um cego neoliberalismo, mas combinaram a gestão estatal da economia com o desenvolvimento de determinados sectores.

2. Longe das ajudas

E os dados do período de 2005 a 2008, uma fase em que os dados mostram um declínio da pobreza em todas as regiões do mundo? Ao contrário de 1981-2005, foi um momento em que você foi concedida um pouco de folga na asfixiante politica neoliberista de origem americana e, além disso, o preço de algumas commodities aumentaram, o que permitiu que alguns Países pobres conseguissem reembolsar os empréstimos do Fundo Monetário Internacional e...do Banco Mundial.

Isso mesmo: a situação em alguns Países melhorou só quando foi conseguido um afastamento das armadilhas das instituições geridas pelo grandes bancos de Wall Street.

E mais não é preciso dizer.


Ipse dixit.
*Informaçãoincorrecta

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