A terra é dos índios. E o carbono, é de quem?
Por
US$ 120 milhões, empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de
carbono dos índios Munduruku, no Pará; contrato valeria por 30 anos. A
Funai foi deixada de fora
O vídeo promocional
da empresa Celestial Green Ventures – “verde celestial”, em português –
traz imagens de uma reunião em uma localidade não identificada, na
Amazônia. Em meio a fotos, com fundo musical, o irlandês Ciaran Kelly,
CEO, explica: “Nós sentamos com a comunidade local, há uma discussão
muito aberta, dizemos o que temos que fazer, quais são as suas
responsabilidades e as nossas. Se concordamos, prosseguimos”.
O
português João Borges de Andrade, chefe de operações no Brasil, aparece
em fotos rodeado pela população local. “Eu gosto do contato com essas
pessoas, elas são muito gentis e muito amigáveis. É emocionante”.
A
Celestial Green atua em um novo setor que se fortalece nos recônditos
da Amazônia brasileira: a venda créditos de carbono com base em
desmatamento evitado, focado nas florestas. Por estes créditos, a
empresa tem procurado indígenas de diversas etnias e teria assinado
contratos com os Parintintin, do Amazonas, e Karipuna do Amapá, segundo
as suas páginas no twitter e facebook.
No
dia 22 de setembro do ano passado, o mesmo João Borges, da Celestial
Green, foi a uma reunião a respeito de um contrato de crédito de carbono
com os índios Munduruku, na Câmara Municipal de Jacareacanga, no Pará.
Assim que ficou sabendo, a missionária Izeldeti Almeida da Silva, que
trabalha há dois anos com os Munduruku, correu para lá: “Fui pega de
surpresa. Depois falei com um dos líderes e ele disse que fazia tempo
que estavam negociando com um grupo pequeno de lideranças”.
Quando
chegou à sala de reunião, diz a freira, o espaço estava cheio. Estavam
todos lá: caciques, cacicas, mulheres e crianças. Muitos vestidos para
guerra: pintados, com arcos e roupas tradicionais. A reunião foi
fotografada pelos dois lados. “Os guerreiros e as guerreiras estavam
muito brabos com o pessoal que foram falar lá em cima”, lembra o cacique
Osmarino. “As guerreiras quase bateram neles”.
Segundo
Izeldeti, o representante da empresa mal conseguiu falar. “Eles
gritavam em voz forte que estavam cansados de ser enganados. Disseram:
‘nós sabemos cuidar da floresta, não precisa de ajuda’. As mulheres
guerreiras ficaram na fila e cada uma foi falando em Munduruku. Meteram a
flecha perto do coração, passavam no pescoço. O representante da
empresa disse que não entendia a língua, mas que não tava gostando
porque era sinal de ameaça”. O contrato, no entanto, acabou sendo
assinado naquele mesmo dia – tanto a empresa quanto os indígenas
confirmam.
De acordo com Izeldeti e Osmarino, porém, o contrato foi assinado contra a vontade da maioria da população Munduruku.
Os donos do carbono
Totalmente
desconhecida no Brasil, a Celestial Green, sediada em Dublin, se
declara proprietária dos direitos aos créditos de carbono de 20 milhões
de hectares na Amazônia brasileira – o que equivale aos territórios da
Suíça e da Áustria somados. Juntos, os 17 projetos da empresa na região
teriam potencial para gerar mais de 6 bilhões de toneladas de créditos
de carbono, segundo a própria empresa.
Os
créditos por desmatamento evitado, ou REDD (Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação florestal), não são “oficiais”, ou seja, não
podem ser vendidos nos mercados regulamentados pelo protocolo de Kyoto.
Este protocolo só aceita, por exemplo, a venda de créditos por uma
empresa de um país pobre que troque sua tecnologia por uma menos
poluente; os créditos que ela deixará de emitir podem ser vendidos.
No caso das florestas, não há um mecanismo oficial que permita isso.
Por
isso, os créditos de carbono referentes a florestas são negociados em
um mercado voluntário, que não é regulado; empresas como a Landrover, o
HSBC, a Google e a DuPont compram esses créditos para sinalizar que
estão fazendo algo de bom pelo meio ambiente. O mercado é muito menor do
que aquele resultante de projetos previstos por Kyoto: em 2010, o valor
negociado foi de cerca de 400 milhões de dólares contra 140 bilhões de
dólares do mercado “oficial”.
Na
esteira da corrida pelo invisível – créditos de carbono que deixaria de
ser emitido por desmatamento – a irlandesa Celestial Green se adiantou:
realizou diversas negociações rápidas e à margem de qualquer órgão
federal. A empresa promete avaliar o potencial de créditos de carbono
depois; mas já garante sua posse sobre eles, por contrato, e o acesso às
terras para avaliação.
Os Munduruku
A
proposta aos Munduruku foi feita em junho do ano passado. Segundo
relatos dos indígenas, a oferta dividiu o grupo. A Celestial Green
oferecia 4 milhões de dólares por ano, ao longo de 30 anos, pelos
créditos de carbono dos 2,3 milhões de hectares da terra indígena – num
total máximo de US$120 milhões. Em troca, teria todos os direitos sobre
os créditos de carbono e mais “outros certificados e benefícios” a serem
obtidos “com a biodiversidade”.
“Primeiro, ele [representante da Celestial Green]
falou que o projeto é para defender os povos indígenas. Disse que não
podia mais mexer na terra, nem branco nem indígena. Quando ouvi essa
conversa, era bom”, conta Osmarino Manhoari Munduruku, cacique de uma
das 111 aldeias onde vivem mais de 6 mil Munduruku. “Depois, ele mandou o
papel para associação. Nós vimos que, onde esse projeto tá, não pode
fazer roça, nem caçar, nem pescar. Hoje estamos acostumados de plantar
mandioca, batata, cana, batata doce, banana. A gente pesca, caça, tira
madeira quando precisa. Mas eles dizem que não podia mais, eles mesmos
iam dar o dinheiro para comprar os alimentos. E os indígenas não pode
mais fazer nada, nada, nada. Aí a maioria achou que não é certo”.
A Pública teve acesso ao texto do contrato
enviado por lideranças indígenas ao CIMI, Conselho Indigenista
Missionário, depois das primeiras gestões da empresa. O documento revela
claramente as linhas gerais buscadas pela empresa no acordo.
“Este
contrato concede à empresa o direito de realizar todas as análises e
estudos técnicos, incluindo acesso sem restrições a toda a área, aos
seus agentes e representantes”, diz o documento. Se as áreas negociadas
não se adequassem à captação de carbono, o contrato seria invalidado. De
qualquer maneira, a empresa teria assegurado o direito de fazer um
levantamento detalhado de toda a área dos Munduruku.
O
contrato vetava qualquer modificação no ambiente: “O proprietário
compromete-se a não efetuar quaisquer obras na área do contrato, ou
outra atividade que venha a alterar a qualidade de carbono captado ou
que contribua de alguma forma para afetar negativamente a imagem da
empresa ou do projeto”.
Outro
ponto polêmico garantia à empresa “direitos sobre os créditos de
carbono obtidos, com quaisquer metodologias utilizadas”, além de “todos
os direitos de quaisquer certificados ou benefícios que se venha a obter
através da biodiversidade desta área”.
Além
disso, os Munduruku deixariam de receber o pagamento caso não
submetessem suas atividades ao crivo da Celestial Green: “O proprietário
compromete-se a manter a propriedade em conformidade com as
metodologias estabelecidas pela empresa”. O valor, contido num anexo, chama a atenção: 4 milhões de dólares por ano, chegando a um valor total de 120 milhões de dólares.
Segundo
especialistas consultados pela reportagem, dificilmente um contrato
assim teria validade legal. Primeiro, porque parte de princípios
jurídicos errados. O texto analisado se refere aos Mundurukus como
“proprietários”, quando as terras indígenas pertencem à União. Depois,
porque viola princípios de exclusividade de uso dada aos indígenas em
terra homologada. “É totalmente ilegal. A empresa se coloca como dona
dos recursos naturais e se atribui o direito de entrar quando bem
entender para fiscalizar. Em algumas cláusulas, ela quer fazer o papel
do Estado”, afirma João Camerini, advogado da ONG Terra de Direitos.
Para
o antropólogo Miguel Aparicio, coordenador do Programa Operação
Amazônia Nativa, o caso dos Munduruku deve servir de alerta para o
governo. “É uma manifestação aberta da postura dos ‘biopiratas do
carbono’. As cláusulas ignoram o direito indígena de usufruto exclusivo
sobre suas terras, reconhecido pela Constituição Federal. O contrato
proposto merece a intervenção urgente do poder público brasileiro”.
Como
o mercado de crédito de carbono é novo, o governo brasileiro ainda não
criou parâmetros para regular essas negociações. Mas, dada a urgência da
questão, 15 entidades e movimentos ligados às populações indígenas
elaboraram uma carta de Princípios e Critérios Socioambientais de REDD.
Alguns desses princípios são a participação de toda a população afetada
no processo de decisão e a transparência sobre os detalhes do contrato e
do mercado em que estão entrando.
O caso dos Munduruku foi denunciado em setembro no ano passado no blog da ativista ambiental Telma Monteiro.
O procurador Cláudio Henrique Dias, do Ministério Público Federal de
Santarém, abriu um procedimento administrativo para investigar o caso.
Ele pediu a cópia do contrato à Associação Pussuru, que representa os
Munduruku, e acionou a Funai.
A Funai não quis se pronunciar nessa reportagem mas prometeu uma entrevista com o presidente Márcio Meira para a semana que vem.
Corretores de carbono, xeretas, piratas?
Antônio
José do Nascimento Fernandes, mestre em Química pela Universidade
Federal do Amazonas e conselheiro-secretário do Instituto Amazônia
Livre, pensa diferente. O Instituto mantém um projeto com a Celestial
Green de “monitoramento e levantamento dos dados das florestas, das
comunidades, do que pode ser desmatado daqui a 20, 30 anos”.
Para
ele, que trabalha com a empresa há cerca de um ano, o contrato assinado
com os Munduruku não limita o uso da terra pelos índios: “A única coisa
que fala no contrato é que eles [os índios] devem preservar os recursos
e que todo uso deve ser informado”. E como isso será informado? Segundo
Antônio, o plano é elaborar um conselho formado “pelas instituições
financeiras, pelos representantes indígenas e pela Instituição Amazônia
Livre”, para deliberar sobre isso. “Não é de cima para baixo. É um
projeto de igual pra igual. É uma troca mútua, porque eles consomem, mas
sabem que [os recursos] podem acabar”.
A
Celestial Green não é exatamente uma empresa transparente. O site da
empresa, que está em construção há alguns meses, não traz mais do que
uma descrição genérica, embora declare que há três anos a empresa vem
negociando com prefeituras, proprietários de terra e tribos indígenas da
Amazônia.
Os
objetivos declarados dos projetos da Celestial, comandada pelo irlandês
Ciaran Kelly, são: “alcançar lucratividade para todos os investidores”,
“proteger áreas da floresta em risco dos efeitos devastadores da
extração ilegal de madeira, mineração ilegal e queimadas”, “proteger a
biodiversidade presente nessas áreas e conduzir atividades importantes
de coleta de dados”, além de “fornecer empregos, educação e cuidado
médico básico para os habitantes das áreas dos projetos”.
Segundo o site, os projetos estão em negociação com investidores no Panamá, Ásia, Vietnã, Malásia, Coreia do Sul e China.
A parte que promete ao visitante “descubra mais sobre nossos projetos” está em construção. Não há mais detalhes.
Em 27 de junho de 2011, a empresa anunciou vagamente ter “aumentado a sua base de contratos na Amazônia brasileira”.
“A Celestial Green Ventures PLC aumentou o tamanho de sua base de
terras contratadas em 1.203.226 de hectares (um aumento de 6,5%) com a
assinatura de 5 novos contratos garantindo à empresa a produção de
qualquer tipo de carbono nestas terras pelos próximos 30 anos”. Segundo o
release, a empresa se listou na bolsa Deutsche Boerse, em Frankfurt,
com a missão de dobrar a área contratada para 40 milhões de hectares
(duas Suíças, duas Áustrias).
Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a companhia anunciou pelo seu twitter
novos contratos com as prefeituras de São Gabriel da Cachoeira, Boca do
Acre e Apuí, no Amazonas, totalizando 11 milhões de hectares cujo
carbono também ficará à sua disposição.
O projeto “Borba”
A
empresa tem um caso que é apresentado como bem-sucedido: o chamado
“projeto Borba”. O projeto, acordado com o prefeito de Borba, município
de 20 mil habitantes no sul do Amazonas em 2010, não teve até hoje os
créditos validados – uma empresa escocesa, a Ecometrica, está ainda
desenvolvendo uma metodologia para medir e validar os créditos gerados,
ou o tanto de carbono que não será jogado no ar pela proteção das áreas.
“Um comunicado oficial será emitido na hora certa”, limita-se a dizer a
empresa.
Segundo
um release que foi apagado do site, o projeto Borba consistiu na
assinatura de um contrato com a prefeitura do município, intermediado
pela ONG FEAMA – Fundação Ecológica de Amazônia – ONG capitaneada pelo
brasileiro Romeu Cordeiro da Silva. A FEAMA não tem site na internet,
nem telefone de contato.
O acordo dava direitos a créditos de uma área de 1.333.578 hectares, cerca de 1/3 do município.
Procurados
pela Pública, nem o secretário de administração da prefeitura, Ricardo
José Sá de Souza, nem o secretário de Meio Ambiente sabiam do acordo.
Finalmente
a Pública conseguiu conversar com o prefeito Antonio José Muniz
Cavalcante, que não explicou por que seus secretários não foram
informados do caso. “A Celestial Green apareceu, falou com a associação
de municípios. Como temos uma reserva municipal, fizemos um contrato que
dá direito de eles negociarem o carbono nesta área. Vieram no
município, fizeram um projeto e coletaram bastante material. Mas não
tivemos benefícios. Esse contrato já está até quebrado, porque o prazo
deve estar vencido. E como não tivemos retorno, pelo menos no que
propuseram a nos pagar, nada foi desembolsado”.
Apesar
dos créditos de Borba não terem sido validados – e, aparentemente à
revelia da prefeitura – a Industry RE, companhia britânica de
investimentos anunciou em 7 de junho de 2011 a compra de 1 milhão desses créditos para serem revendidos a outras empresas. A empresa afirma, numa brochura, que vai cobrar 10 libras por cada crédito de carbono.
A
Industry RE tem um projeto de eficiência energética para o grupo
Guardian Media Group, que detém o jornal britânico Guardian. Além disso,
mantém o simpático site My Tree Frog, no qual cada pessoa pode comprar créditos de carbono de onde quiser, “anulando” assim as suas próprias pegadas ecológicas.
Segundo o diretor Ian Hamilton afirmou no início de março ao site econômico Point Carbon News,
os créditos de Borba seriam usados para aliviar as emissões de uma
subsidiária da Coca-cola no Oriente Médio e uma unidade da gigante
eletrônica japonesa Canon.
Uma brochura
da IndustryRE que tenta vender esses créditos de Borba afirma que a
Celestial Green tem acesso a uma área de 18.192.193 de hectares por 30
anos, incluindo acordo com diversas prefeituras no estado do Amazonas.
Os maiores terrenos estão no estado do Amazonas: 2.954.902 hectares em
Barcelos, 1.066.862 hectares em Caruari; 1.761.189 hectares em Manicoré,
e 1.440.585 hectares em Canutama – além de Borba, claro.
Segundo
o documento, os projetos da Industry RE não focam apenas os créditos de
carbono, mas pretendem “expandir os parâmetros” para incluir o
desenvolvimento de energia e água limpa, reflorestamento, manejo
sustentável de florestas e conservação.
Além
disso, a Celestial Green possui 10 mil hectares em Rondônia, terra
adquirida do Capital First Merchant Bank Ltda. Mas isso é outra
história.
De vinis e ouro à sonhada preservação do meio ambiente
O
“projeto Rondônia” é o mais antigo da Celestial Green Ventures, aliás
Celestial Green Investments (CGI), uma empresa de investimentos sediada
em Kent, na Inglaterra, que tem como CEO o mesmo irlandês Ciaran Kelly.
O
projeto baseia-se em uma área de 10 mil hectares em Rondônia e foi
detalhadamente descrito em um documento – registrado junto ao Security
and Exchange Comission, comissão financeira dos Estados Unidos – de
compra de ações da CGI pela empresa de investimento Apollo Capital, com sede em Miami – da qual Ciaran Kelly era um dos diretores.
Antes
de investir em negócios sustentáveis, a Apollo Capital chegou a prensar
vinis e copiar CDs e DVDs. No seu site registra investimentos
milionários em bonds do banco central da Venezuela, da Petrobras e também em exploração de quartzo na Bahia.
Essa
área em Rondônia, localizada no município de Machadinho d’Oeste, é
adjacente à terra indígena dos Cinta Larga e foi comprada pela Apollo
Capital da empresa brasileira Capital First Merchant Bank Ltda junto com
a concessão para exploração de ouro e diamantes, fato celebrado em seu site.
Meses
depois, Apollo e Celestial Green mudaram de idéia: decidiram não fazer a
mineração da área e vender os créditos de carbono não emitido por não
ter explorado o local. “A Celestial Green acredita que o
desenvolvimento de operações de mineração teriam um impacto ecológico
catastrófico”, diz o documento de registro. Créditos de carbono do
“projeto Rondônia” estão disponíveis para os usuários do site Tree Frog.
Quem quiser aliviar sua pegada ecológica, é só clicar.
“Our people”
Nem
mesmo a equipe que compõe a empresa consta do site da Celestial Green.
Quando a Pública começou a investigar a CG, a empresa listava 29 pessoas
como sua equipe, incluindo diversos brasileiros. Dois dias depois, a
lista sumiu.
A
Pública tentou entrar em contato com alguns desses supostos
funcionários. Na tarde de quinta-feira, conversou com o professor Eder
Zanetti, doutorando em manejo florestal pela UFPR, um consultor
experiente em projetos de crédito de carbono. Eder foi responsável pela
área de mudanças climáticas globais e serviços ambientais das florestas
no Centro Nacional de Pesquisas Florestais da Embrapa.
Ao
celular, perguntado sobre suas relações com a empresa irlandesa, ele se
mostrou surpreso: “Não tenho conhecimento, não. Nunca vi nem falar esse
nome [Celestial Green]”. Segundo ele, a sua consultoria foi procurada
por “diversas empresas internacionais querendo fazer negócio com terra
indígena aqui no Brasil”. A procura, nos últimos dois anos, tem
aumentado. “Mas não estou fazendo consultoria para nenhum projeto no
momento”.
Mais
tarde, por email, Zanetti confirmou: “De fato não consegui entender a
natureza do meu envolvimento com a referida empresa. Eu não saberia
dizer nem se ela é séria ou não, porque não consegui navegar no site
para ver quem são os proprietários. Definitivamente não sou funcionário
deles”.
Outro
brasileiro listado no site explicou que atua como consultor em um
projeto da CG. Vivaldo Campbell de Araújo foi delegado do IBDF – atual
Ibama – de 1971 a 1978. Ele conta que não sabia que seu nome estava no
site, mas havia pedido reserva. Não queria ser listado como membro da
empresa. “Porque você sabe, tem muita especulação”. Segundo ele, faz
cerca de oito meses que ele é consultor de um projeto de manejo
sustentável que pretende “mostrar as alternativas de manter o carbono,
mas alterar as florestas pelas espécies mais valiosas”.
Contrato questionado
A
Pública procurou repetidamente a Celestial Green. Por telefone, a
funcionária Paula Cofré, brasileira nascida no Chile, explicou que o CEO
Ciaran Kelly não dá entrevistas pelo telefone – apenas por email.
Formada em jornalismo pela PUC do Paraná, Paula trabalha há cerca de 6
meses na empresa. Foi contratada inicialmente como secretária e hoje é
“administradora sênior e assistente pessoal do CEO”. Segundo ela, o
representante português João Borges não costuma dar entrevistas.
Paula
confirmou a assinatura do contrato entre a Celestial Green e os
Mundukuru e disse que a empresa não conta com um escritório no Brasil.
“Temos pessoas trabalhando em Manaus, mas ainda não abriram (um
escritório)”. A Pública enviou a minuta de contrato obtida pelo CIMI,
pedindo que a empresa confirmasse se havia alguma diferença quanto ao
contrato assinado. “Eu sei que eles não costumam dar detalhes sobre os
contratos, tipo valor, essas coisas”, explicou Paula.
Finalmente o CEO respondeu
– sem responder: “Podemos afirmar categoricamente que os contratos da
CGV PLC têm sempre o cabeçalho com os detalhes da empresa, são assinados
em cada página por um representante da empresa, são autenticados e
também contêm um carimbo da companhia”.
Pouco
depois, Antônio José do Nascimento Fernandes, do Instituto Amazônia
Livre, uma ONG que trabalha com a Celestial Green em alguns projetos,
ligou para a Pública e leu o anexo 1 do contrato, confirmando que se trata do mesmo texto – inclusive reafirmando os valores acordados.
Na
sua entrevista em papel timbrado, Ciaran afirmou que “a Celestial Green
Ventures não pode divulgar nenhum acordo financeiro que tenha sido
feito com nossos parceiros”. Mas prometeu: “no final de julho de 2012,
nosso primeiro ano completo de finanças será apresentado”.
A Pública vai esperar pra ver.
~ o ~
FUNAI: “Os contratos com indígenas não têm validade”
Márcio
Meira, presidente da Funai, fala sobre assédio de empresas
internacionais para compra de crédito de carbono em terra indígena. E
explica a ausência da Funai no caso do contrato assinado pelos Munduruku
Em
setembro do ano passado, os líderes da população Munduruku assinaram um
contrato leonino com uma empresa irlandesa, transferindo os direitos
aos créditos de carbono da reserva por 120 milhões de dólares. Pelo
documento, a empresa ganharia acesso restrito às suas terras e os índios
ficariam impedidos de dispor de seu uso sem a autorização prévia da
compradora.
O
contrato entre a Organização do Povo Munduruku e a Celestial Green foi
assinado sem a presença de representante da Funai (Fundação Nacional do
Índio), responsável por defender os direitos dos índios e, portanto, por
acompanhar negociações comerciais que possam colocá-los em risco. A
Pública trouxe a história à tona no dia 9 de março deste ano.
A
Funai, no entanto, tomou conhecimento da transação no início de 2011,
quando encaminhou o contrato à apreciação da Advocacia Geral da União
(AGU). Em seu parecer, a AGU considera o contrato ilegal. Tese que vale
para todos os contratos de crédito de carbono em terra indígena no
Brasil.
O
parecer, ainda não conclusivo, deixa em aberto a possibilidade que
outros órgãos da União encontrem meios de regularizar futuros contratos
com os indígenas. O presidente da Funai, Márcio Meira, é contra as
negociações atuais, como a que envolveu os Munduruku. Mas defende que o
comércio de crédito carbono funcione como meio de remunerar os indígenas
pela preservação das florestas depois que o mercado for regulamentado
no país.
Leia a entrevista:
Como a Funai avaliou o teor do contrato assinado entre os Munduruku e a Celestial Green?
Desde
que tivemos o primeiro contrato desse tipo, há um ano e meio, nossa
avaliação é de preocupação e alerta em relação ao assédio dessas
empresas aos indígenas. Procuramos a assessoria especializada da Funai,
que é ligada à Advocacia Geral da União, para que analisasse e, se
necessário, tomasse medidas judiciais. Tomamos medidas educativas e de
precaução. Fizemos uma cartilha distribuída às comunidades indígenas
alertando para contratos que podem ser danosos a elas.
Por que a Funai não alertou os Munduruku sobre a ilegalidade do contrato?
A
Funai não estava lá, naquele momento. Ficamos sabendo depois da reunião
que os Munduruku tiveram com a empresa. Na maioria dos contratos desse
tipo, a gente só toma conhecimento depois.
A Funai não sabia da negociação desde o início de 2011?
A
Funai sabe que há negociações em curso, alguns indígenas informam. A
gente passa a orientação para terem cuidado em relação a esse assédio,
dizemos para não assinar o contrato. Mesmo assim alguns contratos são
assinados. Mas eles não têm validade jurídica. Nós alertamos as
empresas: esses créditos que estão no mercado voluntário não têm
validade.
A informação que temos dos Munduruku é que não houve contato e orientação da Funai.
Isso
não é verdade, a Funai está em contato permanente com todos os povos
indígenas do Brasil. Temos 36 regionais, quase 300 coordenações técnicas
locais, o próprio chefe da coordenação técnica na área é um indígena
Munduruku. Ele é a própria Funai.
Mas se a Funai está tão próxima, como não sabia que o contrato seria assinado?
A
Funai sabe de reuniões, mas não há como saber em detalhes o que
acontece. Principalmente a sede da Funai. Eu não tomei conhecimento
dessa reunião, a não ser depois que aconteceu.
Ambientalistas
e movimentos ligados às populações indígenas dizem que a Funai está
sendo omissa na orientação dos indígenas assediados por essas empresas.
Como o senhor responde a essa crítica?
Não
concordo, a Funai tem sido ativa, não tem poupado esforços. Essa
cartilha que produzimos para alertar sobre os riscos foi feita com
movimentos indígenas. Mas é um assédio muito forte. Mexe com recursos
altos o que mobiliza os interesses.
Qual é o teor dos outros contratos que a Funai teve conhecimento?
Eles
são parecidos. Temos cerca de 30 contratos, todos muito semelhantes e
preocupantes porque não têm base jurídica. A Celestial Green é a que
mais fez contratos com indígenas, são mais de dez.
O que vai acontecer com os outros contratos que já foram assinados?
Os contratos com indígenas não têm validade jurídica.
Eles também avançam sobre o direito dos indígenas de uso da terra?
Podem
ter alguma cláusula que fere o direito territorial. De qualquer forma,
esses contratos não têm validade jurídica. Terras indígenas são
propriedade da União, indígenas tem usufruto exclusivo. No caso, o
comércio de créditos de carbono não está regulamentado pela legislação
brasileira e não é possível ser feito em terras indígenas no momento.
Por isso a Funai tem defendido que, o mais rápido possível, seja feita
uma legislação regulamentando essa questão.
A Funai já intermediou algum contrato de créditos de carbono?
A
Funai não intermedia contratos dessa natureza porque eles são ilegais.
Tomamos conhecimento de contratos depois de assinados. O único caso foi o
povo Surui que nos
procurou dizendo que tinha interesse em assinar e pediu orientação da
Funai. Demos a orientação que tem que dar para eles terem cuidado.
A Funai acompanhou o contrato?
A
Funai tem acompanhado as manifestações dos Surui para que, se
eventualmente assinarem o contrato, não caiam em armadilhas. Pode ser
que já tenham assinado, mas eu não tenho essa informação.
A
Advocacia Geral da União recomenda que os contratos de crédito carbono
devem ser intermediados pela União. A Funai vai passar a desempenhar
esse papel?
Essa
é uma missão da Funai: proteção dos direitos dos indígenas em qualquer
tema. Em qualquer política pública em relação aos direitos indígenas, a
Funai tem que participar. Mas esse caso depende da regulamentação.
O
senhor anunciou a Bolsa Verde como um incentivo para que os indígenas
não cedam ao assédio financeiro. Mas R$ 100 mensais fazem frente aos
milhões de dólares oferecidos pelas empresas estrangeiras?
O
serviço que os indígenas prestam à humanidade na preservação da
floresta tropical tem que ser reconhecido. A Funai fez isso quando
regulamentou um auxílio aos indígenas no trabalho de monitoramento
territorial. Mas temos é que olhar para frente e buscar um mecanismo de
crédito de carbono. É uma boa ideia, mas não pode ser utilizada para os
interesses econômicos apenas de terceiros. Sendo regulamentado, esse é o
principal fator que pode contribuir para beneficiar os indígenas.
Circula a informação pelos jornais de que a Funai está funcionando em ritmo lento desde que o senhor pediu demissão. É verdade?
Sobre
esse assunto eu não falo, isso é fofoca. Estou trabalhando aqui todo
dia, incansavelmente, desde que cheguei há cinco anos.
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