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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 13, 2012

Conformismo, rir ou chorar?



Rimo-nos da mimetização de atitudes que parecem reproduzir sem qualquer mediação o comportamento de terceiros. Mas é exatamente esse o fundamento das atitudes coletivas nas sociedades de massa.
O efeito piada desse traço de psicologia social já havia sido bem apreendido no mais popular e duradouro programa de “pegadinhas”, apresentado pelo apresentador Alan Fant.
Num dos episódios, transmitido em 1962, denominado “de cara para parede”, as câmeras registram o breve deslocamento por elevador de quatro integrantes do show, ao lado de um passageiro qualquer.  No interior do equipamento, o grupo adotava o gesto inusitado de voltar os rostos para os fundos do veículo, no que eram invariavelmente acompanhados pelo desconhecido que não resistia a imitar-lhes o movimento.
O impulso de ajustamento a que se viu submetido o cidadão comum frente o grupo dotado de poder dentro do elevador, pode ter consequências bem mais funestas que a do riso quando transposta a ambientes sociais.
Foi o que demonstrou o experimento conduzido dez anos depois pelo psicólogo Philip Zimbardo, com alunos da Universidade de Stanford, que entrou para a história dos mais célebres estudos de investigação comportamental como a “experiência da prisão de Stanford”.
Nas dependências da própria universidade foi simulada uma prisão com todas as características físicas de um centro de detenção: grades de ferro, corredores escuros e celas com uma latrina, uma pia e um acolchoado sobre o cimento.
Para o estudo foram convocados jovens entre 25 e 30 anos de idade por meio de anúncios em jornal ao que se apresentava como sendo um experimento científico realizado por uma instituição de renome, à remuneração de 50 dólares ao dia.
Apresentaram-se para os testes de seleção quase 100 pessoas, dentre as quais foram selecionadas 20, em função de histórico pessoal de não violência e comprovado equilíbrio emocional, além de perfeitas condições de saúde.

Os indivíduos selecionados foram triados aleatoriamente para compor 2 diferentes subgrupos, o dos policiais e o dos prisioneiros. Estes foram uniformizados e dotados de um bastão e óculos escuros a fim de que seus olhos não pudessem ser vistos pelos detentos.

Os prisioneiros, de acordo com o contrato firmado com o departamento de psicologia da universidade, foram detidos por policiais verdadeiros da polícia da cidade de Palo Alto, ainda ao amanhecer de um dia qualquer quando saiam desprevenidos de suas residências. Foram algemados, encaminhados para um cárcere real e depois transferidos para as instalações prisionais da Universidade.

Propositalmente, não foram estabelecidas regras moduladoras da conduta dos guardas, a fim de que se pudesse observar o padrão de comportamento do grupo diante do empoderamento determinado pela força de manter em custódia o grupo de prisioneiros.

O que se viu chocou os estudiosos e levou à suspensão do experimento 15 após o seu início. Os maus tratos e a busca de propósitos de satisfação pessoal por meio da violência cresceram, na mesma medida em que se generalizavam os sintomas de despersonalização e de transtornos emocionais entre os prisioneiros.

Ao fim da primeira semana, uma rebelião foi controlada com espancamentos e a privação do sono dos rebelados. O líder do motim foi posto em solitária enquanto os liderados com melhor comportamento foram premiados com condições privilegiadas de aprisionamento. Em pouco tempo a lealdade interna do grupo foi quebrada e o líder isolado e hostilizado pelos demais.

O conformismo não se restringiu aos encarcerados senão que também a seus parentes que, diante dos cuidados de aparência dirigidos aos presos apenas dois dias antes da visitação, consideraram a transformação por que passavam algo natural quando não desejável. Crises convulsivas de choro e tentativas de suicídio puseram fim ao experimento.

O que se viu em Stanford foi que o grupo dominante agiu de maneira crescentemente insidiosa visando a quebrar da dignidade pessoal dos condenados, ao ponto de passarem a ter desprezo pelo direito dos mesmos à vida. Humilhações e violações daquilo que poderia ser considerado direitos humanos, foram a regra e o risco de morte tomou proporções verdadeiramente assustadoras para os psicólogos. As sequelas sobre os voluntários prisioneiros perseveraram ao longo de 5 anos transcorridos os experimentos.

Um pouco mais distante das celas de uma prisão, se o conformismo de que padecem os homens livres em mercado é para rir ou para chorar, só os desdobramentos futuros dessa nossa condição de consumidores irresolutos o fará demonstrar. Daí talvez o por que de tantos risos histriônicos nos programas cômicos de “stand-up comedy”, que divertem expondo  a própria anomia moral dos espectadores. E o choro incontido em quartos escuros e consultórios, que a maioria tem vergonha de publicamente revelar. 
*Brasilquevai

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