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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, março 19, 2012

Cúpula dos Povos, a cara oposta à Cúpula das Américas

 

Grande alvoroço aconteceu na região diante de tão desafiadora e solidária proposta do mandatário equatoriano, Rafael Correa, quando propôs que os países da Alba não participem na VI Cúpula das Américas se Cuba não for convidada, cujo encontro regional acontecerá em Cartagena de Índias, Colômbia, nos dias 14 e 15 de abril.
Juan Pozo Álvarez, em Adital
Como era de esperar, a reação excludente e indefensável do governo de Washington foi imediata, e, com a prepotência que os caracteriza, começaram a exercer pressões em inconformidade à participação de Cuba no conclave continental.
A iniciativa lançada "não é santo de sua devoção”, já que dito raciocínio contradiz o que decretou o "norte brutal e agitado” para o caso específico de Cuba. Fica claro que para os países de nossa América o tema Cuba não é indiferente e, portanto, estão fazendo com que sua voz seja escutada, como lhes corresponde, sublinhando a importância de uma reunião onde todos possam estar.
Nessas mais de cinco décadas de incessante enfrentamento, nos acostumamos a seus "rancores mortais”, "insultos venenosos”, "invejas assassinas” e "mesquinharias sangrentas” contra nossa pátria. É sempre o mesmo; sintomas decadentes de um ódio confesso que nos inspira a apelar a nosso Herói Nacional, José Martí, quando, ao referir-se a esses irresponsáveis, expressou: "Nem esperamos seu reconhecimento, nem o necessitamos para vencer”. Pensamento martiano que tem tremenda vigência e é um chamado à necessidade de união ante um inimigo tão poderoso e de natureza sumamente agressiva.
As sangrentas garras do monstro que Martí conheceu, em sua passagem pelo país nortenho, poderão continuar fustigando com sua "insana avareza” e "vergonhosos manejos”; porém, o certo é que a essa "águia ladrona”, cada vez lhe custa mais trabalho dividir-nos e convencer-nos, pelo que sua retórica e apologia de má vontade oculta, não destrói nem confunde a ninguém.
Sua própria natureza e ambição desmedida os tem levado a perder espaços e efetividade em sua política hegemônica, pelo que continuamos desempacotando alternativas para avançar rumo a uma integração realmente inclusiva. É um contexto onde se escreve uma página inédita, que cumpre com um velho desejo tantas vezes desaproveitado; porém, agora bem concebido, com a nascente Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), que enche a região de muitas e diversas expectativas e oportunidades.
Desde 1994, essas Cúpulas das Américas são convocadas a cada 4 anos, em sedes alternadas, e têm servido para despertar sentimentos de identidade e impregnar um maior sentido de pertença. A voz dos povos tem sido fulminante e imediatamente, surgem as Cúpulas dos Povos como alternativa que, a partir da reunião de Santiago de Chile, em 1998, começaram a levar sua própria agenda de discussão, com iniciativas frente a Alca, aos Tratados de Livre Comércio, ao pagamento da dívida externa, à militarização, às correntes neoliberais e à pobreza na região, entre outros temas recorrentes e conjunturais, assumindo uma posição pujante e firme.
Após a I Cúpula dos Povos, de Santiago de Chile, em 1998, realizaram-se a de Quebec, Canadá (2001), a de Mar del Plata, Argentina (2005), e a de Puerto España, Trinidad e Tobago (2009). Em correspondência, sua uma opção de luta, convocadas pela Aliança Social Continental (ASC), uma coalizão de organizações sindicais, religiosas, camponesas, de direitos humanos, de mulheres e outros movimentos sociais, com presença em todos os países do hemisfério, incluindo os Estados Unidos, Canadá e Cuba. Seu formato é similar ao do Fórum Social Mundial e ao da Assembleia dos Povos do caribe (APC), com um grupo de atividades centrais organizadas pela ASC e atividades autogestionadas: encontros, oficinas, mobilizações, atividades culturais, conferências etc.
Os organizadores da Cúpula dos Povos insistem em que esse é um projeto totalmente independente de governo. Não é uma contra-cúpula; é a cara oposta à Cúpula das Américas, espaço onde se geram processos de resistências ao projeto de dominação que os poderes hegemônicos querem impor. É a Cúpula onde as propostas de integração e o reclamo dos povos são atendidos.
As organizações que se reúnem para participar nas Cúpulas dos Povos se preocupam com o futuro de suas nações, denunciam o agravamento das desigualdades entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre os países do Norte e os do Sul e como se destroem os vínculos ecológicos entre o ser humano e o meio ambiente. Da mesma forma, denunciam o perigo que ronda a segurança alimentar, a privatização dos serviços de saúde e de educação, mediante programas de ajuste estrutural nos países do Sul e recortes orçamentários nos países do Norte, bem como a marginalização dos povos indígenas e a apropriação de seus conhecimentos com fins comerciais.
Em cada cúpula foi feito um chamado a nossos povos para intensificar a mobilização e desenvolver outros modos de integração, baseados na democracia, na justiça social e na defesa do meio ambiente. Também tem sido enviadas mensagens a todos os mandatários da região e, em particular, ao presidente de turno dos Estados Unidos. Enfim, essas cúpulas têm permitido que se reivindique a paz, a soberania e a justiça social.
Na II Cúpula dos Povos, em Quebec, em abril de 2001, foi aprovado um documento final que denunciava o não cumprimento do acordo celebrado na I Cúpula de Miami, de 1994 para fortalecer a democracia, os direitos humanos; apoiar a educação e reduzir a pobreza. Até a data, nada foi feito. O único ponto dessa agenda que prosperou foi a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), felizmente sepultado com posterioridade.
Com mais maturidade e coesão, na reunião de Mar del Plata aconteceu uma grande demonstração de rechaço às políticas neoliberais dos Estados Unidos na presença do presidente norte-americano George W. Bush. Em um ambiente pacífico, porém com grande indignação, realizou-se uma contundente macha de repúdio ao próprio Bush justamente no dia de sua chegada para a Cúpula das Américas.
Em abril de 2009, celebra-se a IV Cúpula dos Povos, em Puerto España, Trinidad e Tobago. Por primeira vez, em um país do Caribe insular. Cuba, único país da região que é excluído das Cúpulas das Américas, recebeu um apoio descomunal desde a primeira reunião, com manifestações pacíficas que exigiam o direito de Cuba a ser incluído na Cúpula das Américas e demandavam o levantamento do bloqueio. Foi a Cúpula onde o recém eleito Barack Obama gerou um elevado nível de expectativas por tudo o que prometeu. Mas, continuam latentes seus verdadeiros interesses geoestratégicos e hegemônicos.
Paulatinamente, se tem conseguido colocar freio à liderança dos Estados Unidos na região, já que essas Cúpulas nos tem permitido reencontrar-nos e tomar distância em certos temas nas complexas relações com essa nação. Há uma maior compreensão para recuperar e comprometer-se com as particularidades culturais, sociais e políticas de cada país, com a soberania e a constitucionalidade, o nível e o tamanho de nossas economias para garantir um tratamento justo e equitativo. Nossa dignidade deve ser resgatada e colocar-se em marcha.
Para essa V Cúpula dos Povos, o governo dos Estados Unidos enfrentará uma América Latina com uma postura distinta, com maior capacidade de representação e insatisfeita ao não ver cumpridas as promessas de Obama. Ficará reiterado o desejo de colocar fim ao isolamento imposto a Cuba, com os países da Alba como autores e atores absolutos dessa justa reclamação. A tudo isso se pode agregar um presidente democrata e afro-norte-americano que, estimulado pela necessidade expansionista, através da "intervenção discreta” e da "ocupação pacífica”, está levando a hostilidade a todos os lugares do mundo, com o pretexto de lutar contra o terrorismo e assumindo a já conhecida posição imperial contra as nações terceiromundistas.
Essa análise não estaria completa se não percebermos que estamos diante de um fenômeno inevitável, multicausal e histórico, onde temos sido agredidos impunemente e tentam nos isolar, dividir e desprezar. Será um novo desafio para essa V Cúpula dos Povos em Cartagena de Índias, pois, obedecendo a um novo plano, deve-se buscar soluções a nossas preocupações comuns, com um enfoque crítico e introspectivo, onde prime um espírito de igualdade, equidade e responsabilidade mútua.
O mais importante é que a Cúpula dos povos, a outra cara da moeda da Cúpula das Américas, faça reflexões profundas de seu compromisso e papel a desempenhar, que refute qualquer proposta excludente, trabalhando e atuando com firmeza em qualquer dos cenários a enfrentar, por mais emaranhados que se tornem. Nos encontramos em circunstâncias nas quais se partilham critérios e há compreensão majoritária sobre a demanda que Cuba deve ser convidada para a Cúpula. Essa é uma mostra palpável de quanto se avançou na América Latina e no Caribe, distanciando-se pouco a pouco dos desígnios dos Estados Unidos, para tomar decisões próprias. Então, por muito cômoda e difícil que seja a situação, não demos as costas a esses desafios e muito menos aos que, daqui por diante, possam apresentar-se.
Ante o anunciado pelo governo dos Estados Unidos, não nos faz falta seu consentimento. Nossa posição é clara, precisa e invariável. Não reclamamos assistir à Cúpula das Américas; porém, apoiamos tão valente proposta do mandatário do Equador, Rafael Correa, e apoiada pelos países da Alba.
*GilsonSampaio

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