Dia Mundial da Água: estudos decifram o diálogo entre a selva amazônica e sua água
Em
1993, a ONU definiu o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água. A
data ficou destinada à discussão sobre os diversos temas relacionados a
este importante bem natural.
Cerca de 0,008 %, do total da água do nosso planeta é potável (própria
para o consumo). E, como sabemos, grande parte de suas fontes (rios,
lagos e represas) está sendo contaminada, poluída e degradada pela
ação predatória do homem. O Dia Mundial da Água tem como objetivo
principal criar um momento de reflexão, análise, conscientização e
elaboração de medidas práticas para resolver tal problema. O Sul21 transcreve
abaixo um artigo de Alice Marcondes sobre as trocas que a selva
amazônica realiza com a água da região e as alterações que têm sido
verificadas na região.
Por Alice Marcondes, Tierramérica via SUL21
Havendo alteração na relação entre a
selva amazônica e os bilhões de metros cúbicos de água que circulam
pelo ar, desde o Oceano Atlântico equatorial até os Andes, estará em
risco a resiliência deste bioma crucial para o clima do planeta,
alerta um experimento de duas décadas. A Amazônia é um ser vivo de 6,5
milhões de quilômetros quadrados, que ocupa metade do território do
Brasil e parte de outros oito países (Bolívia, Colômbia, Equador,
Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), e abriga a maior
reserva de água doce do planeta.
Para
entender plenamente esse complexo sistema, cientistas do Brasil e do
mundo criaram o Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amazônia (LBA, sigla em inglês). Após 20 anos de pesquisas, os dados
coletados constituem um alerta. Segundo o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), que participa do experimento, se nos
próximos anos não houver políticas efetivas para reduzir a emissão de
gases causadores do efeito estufa, a Amazônia chegará ao final do Século
21 com 40% menos chuva, com temperaturas médias de até oito graus
acima do normal.
Isso
converteria a Amazônia em uma fonte emissora de dióxido de carbono, em
lugar de um depósito desse gás-estufa. A Agência Internacional de
Energia estima que, em 2010, a população mundial lançou na atmosfera o
recorde de 30,6 gigatoneladas de dióxido de carbono, principalmente
procedente da queima de combustíveis fósseis. “As pesquisas nos mostram
que a floresta tem um grande poder de resiliência, mas também que
este poder tem limites”, disse ao Terramérica o físico Paulo Artaxo,
presidente do Comitê Científico Internacional do LBA.
“Se continuarmos queimando tanto
carbono, o cenário climático para a região amazônica será bastante
desfavorável a qualquer resiliência que a selva possa desenvolver.
Dificilmente sobreviverá a um estresse climático tão grande”,
acrescentou Paulo. Para a coleta de dados o LBA contou, entre outros
instrumentos, com 13 torres de 40 a 55 metros de altura, instaladas em
diferentes pontos da selva, para medir o fluxo de gases, o
funcionamento das propriedades básicas do ecossistema, a radiação e
muitos outros parâmetros ambientais. A informação coletada é analisada
por cientistas de várias áreas, com a finalidade de entender a selva
como um sistema interrelacionado.
“A
percepção da comunidade científica, de que os estudos individuais ou
disciplinares não eram competentes para explicar a Amazônia, levou ao
LBA. Percebia que era necessário um esforço integrado para explicar a
floresta tropical, a partir das ciências físicas, químicas, biológicas e
humanas, e também da relação entre elas”, disse ao Terramérica o
engenheiro agrônomo Antônio Nobre, destacado cientista que também
integra o LBA. “Quando comecei os estudos no LBA, minha parte principal
no projeto era o carbono. Mas o carbono sem água fica seco e a
floresta pega fogo. Se não há transpiração, não há sequestro de
carbono, porque não ocorre a fotossíntese. Percebi que o ciclo da água
e o do carbono são inseparáveis”, afirmou Antônio.
Essa análise integrada
demonstrou que a Amazônia está absorvendo uma pequena quantidade de
dióxido de carbono da atmosfera, estimada em meia tonelada por hectare
ao ano. Contudo, esta fixação varia muito por região, segundo o grau
das alterações ambientais. Em áreas próximas a lugares onde a ação
humana causou uma degradação significativa, a absorção diminui, e a
Amazônia, em lugar de incorporar carbono, o emite.
Além
disso, a absorção de dióxido de carbono enfrenta “as emissões
causadas pelo desmatamento e pelas queimadas” provocadas para expandir a
agricultura, destacou Paulo. Como nos últimos anos as queimadas
diminuíram drasticamente, de 27 mil quilômetros quadrados em 2005 para
cerca de sete mil quilômetros quadrados em 2010, “hoje a selva tem como
característica predominante a absorção”, explicou. Porém, com as
mudanças causadas pelo efeito estufa e o aquecimento da selva, a estação
seca tende a aumentar, criando um cenário propício para mais
incêndios e mais emissões de dióxido de carbono.
Segundo
Paulo, “o lançamento na atmosfera de partículas sólidas pelas
queimadas altera a microfísica das nuvens e o regime de precipitações.
Em um dos estudos do experimento se constatou que o aumento das
queimadas em Rondônia estende de duas a três semanas a estação seca,
retroalimentando a incidência das queimadas e piorando ainda mais seu
efeito sobre o funcionamento do ecossistema”. Na “muito severa” seca de
2005, “a Amazônia perdeu muito carbono”, contou Paulo. Em uma situação
de “grandes secas” mais frequentes, é possível que a selva se
converta em “emissora de dióxido de carbono e deixe de cumprir um
importante serviço ambiental”, alertou.
A
extensão da temporada seca causa outro fenômeno, a emissão de carbono
dos rios, que também foi estudado no LBA. “Os cursos de água de
pequeno e médio portes emitem quantidades significativas de gás.
Ocorre o que chamo evasão de dióxido de carbono dos corpos aquáticos, e
isto acontece porque a maior parte desses rios está saturada de
carbono dissolvido na água”, afirmou Paulo. Com o passar do tempo, este
carbono “é lançado na atmosfera em quantidades bastante
significativas. Todos os fenômenos que alteram o ecossistema amazônico
têm um forte impacto na evasão de gases dos rios. Com o aumento da
temperatura, aumenta a emissão de gás”, acrescentou.
Para ilustrar as consequências
que um desequilíbrio da Amazônia poderia acarretar ao clima mundial,
Antônio citou a pesquisa que se popularizou com o nome de “rios
voadores”, iniciada na década de 1970 e convertida em um projeto
consolidado desde 2007. “Descobrimos que a ação do Sol sobre a região
equatorial do Oceano Atlântico evapora grande quantidade de água. Esta
umidade é transportada pelos ventos para o norte do Brasil. São cerca
de dez bilhões de metros cúbicos de água por ano, que chegam à
Amazônia em forma de vapor. Parte cai como chuva, e parte segue até
encontrar a muralha da Cordilheira dos Andes”, descreveu Antônio.
Na
região andina, o vapor cai como neve e, ao derreter, “alimenta os
rios da bacia amazônica. A maior parte da chuva que cai sobre a
floresta volta a evaporar”, esclareceu Antônio. Esta umidade flutua
sobre Bolívia, Paraguai e os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, no oeste; Minas Gerais, no leste; São Paulo no sudeste e inclusive
até Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no sul. “E leva a
maior parte das chuvas para todas essas regiões”, explicou. A seca da
Amazônia prejudicaria esse rio aéreo e “o ciclo de chuvas nessas
regiões, que são muito ricas em agricultura”, alertou Antônio.
O
LBA é hoje um programa do Ministério de Ciência e Tecnologia,
coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com apoio
de outras entidades. Seus pesquisadores estão ampliando esse trabalho
para outras áreas, como os sistemas agropastoris e o comportamento do
dióxido de carbono nas plantações de soja. “Temos um trabalho enorme
pela frente para compreender os processos naturais e o que os humanos
fazem quanto à alteração dos ecossistemas”, concluiu Paulo.
*Turquinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário