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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 17, 2012

Discurso eleitoral e prática de governo #

É preciso denunciar sempre a hipocrisia tucana e cobrar coerência entre seus discursos e suas práticas. A movimentação das últimas semanas serviu para derrubar a máscara de Serra

Nem foi dada a largada ainda para a disputa eleitoral deste ano e já podemos identificar as primeiras contradições entre o discurso de campanha e as práticas de governo. Refiro-me ao lugar comum que viraram as recentes manifestações do ex-governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à Prefeitura da capital, José Serra, que sempre se refere às composições dos governos do PT como “loteamento de cargos políticos”.
A movimentação das últimas semanas no campo tucano, contudo, serviu para derrubar a máscara de Serra. Levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, a partir do portal oficial De Olho nas Contas, detalha “quem é quem” nos conselhos de administração das oito empresas da Prefeitura de São Paulo. São elas: CET, Cohab, Prodam, SPObras, SPP, SPTrans, SPTuris e SPUrbanismo.
Ficamos sabendo que essas empresas se tornaram o destino de inúmeros políticos e aliados do prefeito Gilberto Kassab (PSD), afilhado político de Serra, que recebem jetons de R$ 6.000 por participar de uma reunião mensal. Segundo o jornal, “pelo menos 60% dos 57 conselheiros são filiados ou têm ligação com algum partido”. Ao todo, os jetons custam R$ 2,3 milhões anuais aos cofres do município de São Paulo.
Há ainda um elemento marcante: a maioria das siglas contempladas com indicações para os conselhos dessas empresas está da base de apoio de Kassab —ou, então, são legendas que têm sido procuradas pelo prefeito para integrar a aliança em torno da candidatura Serra.
Entre os conselheiros paulistanos, constam ex-secretários de Serra na Prefeitura e ex-assessores dele no Ministério da Saúde. Mas o que parece mais grave é a escolha de nomes de outros Estados nos quais o prefeito de São Paulo e fundador do PSD costura suas alianças —talvez o maior exemplo seja o deputado federal Roberto Freire (PPS-SP), que foi indicado para ser conselheiro da SPTuris e da SPTrans quando ainda residia em Pernambuco, seu Estado natal. O mesmo acontece com Raul Jungmann, candidato derrotado ao Senado por Pernambuco na eleição de 2010.
Ou seja, o discurso de loteamento político que Serra gosta de usar contra o PT é apenas peça de campanha eleitoral, pois a realidade dos governos nos quais tem participação é oposta ao sentido de suas críticas.
Essa contradição é alimentada ainda pela disputa entre Kassab e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que promovem um verdadeiro “um concurso de vices”. Kassab chegou a sinalizar a exoneração de cinco secretários municipais para colocar os cargos à disposição de Serra.
É preciso denunciar sempre a hipocrisia tucana e cobrar coerência entre seus discursos e suas práticas. Há muito chão pela frente até a eleição do novo prefeito de São Paulo. Mas a campanha será o momento ideal para desmascarar essas —e outras!— contradições tucanas.
José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT
*Ajusticeiradeesquerda

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