Ditadores e torturadores não podem ser nomes de ruas
Gilberto Maringoni, Carta Maior
Uma Comissão da Verdade de verdade poderia começar seus trabalhos
propondo ao Congresso Nacional uma lei simples: proibir em todo o
território nacional que logradouros públicos sejam batizados com nomes
de pessoas que enxovalharam a democracia e os bons costumes. E alterar
as denominações existentes.
Em São Paulo, a situação é vergonhosa. A principal rodovia do estado
chama-se Castello Branco. De tão naturalizada está a questão, que poucos
param para pensar no seguinte: aquele foi o chefe da conspiração que
acabou com a democracia no Brasil, em 1964. A homenagem foi feita por
Roberto de Abreu Sodré, governador biônico, que inaugurou a via em 1967.
Estávamos em plena ditadura e seria natural que um serviçal do regime
quisesse adular seus superiores.
A via não representa uma exceção. A cidade comporta ainda o elevado (?)
Costa e Silva, em homenagem ao segundo governante da ditadura. O
idealizador foi outro funcionário do regime, Paulo Salim Maluf, nos idos
de 1969. O mesmo Maluf mimoseou, em 1982, quando governador, o
famigerado Caveirinha, alcunha que imortalizou o general Milton Tavares
de Souza, falecido no ano anterior. Caveirinha foi chefe do Centro de
Informação do Exército (CIE) e suas grandes obras foram a implantação
dos DOI-CODI e da Operação Bandeirantes (Oban), órgãos responsáveis pelo
assassinato de inúmeros oponentes do regime. Foi também um dos
planejadores da repressão à guerrilha do Araguaia (1972-76).
Ernesto Geisel, ditador entre 1974 e 1979, é o nome de um conjunto
habitacional em Bauru. Emilio Garrastazu Médici, o comandante da fase
mais repressiva da ditadura, nomeia dezenas de ruas, escolas e praças
pelo Brasil. Presidente Figueiredo é uma cidade no Amazonas. Diadema
abriga uma Escola Estadual Filinto Muller, temido chefe da Polícia
Política do Rio de Janeiro entre 1933 e 1942. Imortalizou-se por ter
comandado a operação que resultou na deportação de Olga Benario à
Alemanha, em 1936.
Mas nada supera a inacreditável rua Dr. Sergio Fleury, na Vila Leopoldina, na capital.
...
Manter tais denominações significa conservar viva a memória de gente que
deve ser colocada em seu justo lugar na História: o daqueles que
perpetraram crimes contra a democracia e a cidadania, prejudicaram o
país e contribuíram para o atraso em vários campos de atividade.
Na Itália não existe rua, monumento ou edifício público com o nome de
Benito Mussolini ou de outro funcionário graduado do regime fascista. A
decisão faz parte de uma luta ideológica que visa extirpar as marcas da
intolerância, da brutalidade e da xenofobia que marcaram a vida do país
entre 1924 e 1944.
Tampouco há na Alemanha uma avenida Adolf Hitler, um aeroporto Herman
Göering (que foi ás da aviação na I Guerra Mundial), um viaduto Joseph
Goebbels ou coisas que o valham. Aliás, evitou-se durante décadas
batizar crianças com o nome Adolf, por motivos mais ou menos óbvios.
Argentina, Chile e Uruguai também não fazem rapapés à memória de
responsáveis pelos anos de terror institucionalizado. A cidade de Puerto
Stroessner, no Paraguai, teve seu nome mudado para Ciudad Del Este,
assim que o ditador foi deposto, em 1989.
No Brasil, como os zumbis da ditadura não apenas assombram, mas
aparentemente intimidam o poder democrático, as mudanças não acontecem.
Estão aí, fagueiros e lampeiros na vida nacional, figuras como José
Sarney, Marco Maciel, Paulo Maluf e outras, crias da ditadura e cheios
de autoridade na vida pública. E os pijamas do Clube Militar volta e
meia fazem ordem unida para enaltecer os anos de chumbo.
Banir os nomes de gente dessa laia dos logradouros públicos é um bom passo para se consolidar a democracia.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em
História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela
que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez”
(Editora Fundação Perseu Abramo).
*esquerdopata
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