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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, março 02, 2012

General, a verdade só machuca quem mente

Os nossos chefes militares, de quem só se pode louvar o comportamento que têm tido de respeito às instituições democráticas, sabem, pela experiência que têm com a disciplina e a hierarquia que, quando se deixa passar a pequena transgressão, vêm outra e outra e outra, sempre maiores.
Resolveu-se, há dias, sem apelo aos regulamentos militares, pelo diálogo, uma nota mal-posta dos dirigentes dos clubes militares. Muito bem, melhor sempre a conversa que a ordem.
Mas, na instituição militar mais fortemente que nas civis, é preciso ordem.
A manifestação do general da reverva Luiz Eduardo Rocha Paiva no jornal O Globo, hoje, vai além de uma simples expressão de opinião. É um desrespeito não apenas a uma decisão legislativa mas, também, à própria figura da presidenta da República, sua comandante-em-chefe.
Mais: constitui-se num incitamento a que militares da ativa se insurjam contra ambas, à medida em que diz que os que não manifestarem insatisfação “não são dignos de serem chefes”.
O general chama de “parcial e maniqueísta” uma comissão que sequer se instalou e nem ainda funciona. Como poderia ser parcial ou maniqueísta?
E chega, vejam, a dizer sobre Wladimir Herzog: “quem disse que ele foi morto pelos agentes do Estado?”
Com todo o respeito: teriam sido marcianos, general?
A Comissão da Verdade é, exatamente, contra este tipo de encobrimento, que ainda hoje nega às familias o direito de enterrar seus mortos, como se lê na entrevista de Eliane Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, outro a quem o general vilipendia com uma postura eivada de cinismo.
O General Paiva prestou um imenso desserviço às Forças Armadas. Não é contra elas, nem contra seus integrantes, a Comissão da Verdade.
O general leva, com este comportamento, seus chefes à dura e desagradável decisão de puni-lo, nos moldes do regulamento que ele conhece e que a reserva não deixa de obrigar a respeitar.
Talvez, até, seja esse seu objetivo: o de “chamar a punição” para fazer-se de vítima da “intransigência” da esquerda.
O general não é vítima. Vitima é quem é tratado com deboche por ele: os mortos da ditadura, a lei civil legítima e as autoridades a quem ele deve obendiência.
Fernando Brito
*Tijolaço

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