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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 15, 2012

Luiz Fernando Veríssimo: Não é mais pecado


Luiz Fernando Veríssimo
Na sua Divina Comédia Dante coloca os sodomitas, os blasfemadores e os usurários no mesmo círculo do Inferno. As práticas das três categorias eram igualmente antinaturais. A Igreja condenava a usura e só absolvia os usurários arrependidos se eles devolvessem todo o lucro obtido com juros, que não era fruto do trabalho e portanto contra as leis de Deus. Aos usurários renitentes era negado enterro cristão. Já os blasfemadores e sodomitas não podiam esperar nenhuma remissão: iam direto para o Inferno. Pelo menos para o Inferno do Dante.
Nos 7 séculos desde a Divina Comédia, aos poucos e cada uma por sua vez, as três classes se livraram da danação que as estigmatizava. Relações homossexuais hoje são aceitas sem muito escândalo. Blasfemadores não precisam mais temer as fogueiras da Inquisição, ou qualquer coisa parecida, por negarem a religião. E os usurários mandam no mundo.
Pode-se, com alguma imaginação, comparar a regulação dos bancos que existia até pouco tempo com o controle que a Igreja tentava manter sobre a atividade financeira no fim da Idade Média, e a desregulação dos bancos que deu na crise que vivemos agora com a conclusão da Igreja que estava perdendo grandes negócios, combatendo a usura, e sua decisão de aderir. Os banqueiros passaram de excomungados a abençoados, e pelo século 18 a própria Igreja já era um dos maiores manipuladores financeiros do planeta. No caso dos bancos modernos, liberados para fazerem qualquer negócio pelo lucro imediato, inclusive destruir economias inteiras, a mensagem da desregulação foi a mesma que a Igreja deu aos usurários séculos atrás: não é mais pecado, gente!
Seria possível especular sobre quem Dante colocaria hoje no mesmo nicho, no sétimo circulo do Inferno? Nada parece muito antinatural, ultimamente. Bom, talvez a pizza com abacaxi. Mas nem isto merece ser jogado no fogo eterno.
Além-túmulo. Leitores perguntam se enlouqueci. Há uma semana escrevi que o fato da revolução comunista acontecer na Rússia, onde ninguém esperava, assustara até o Marx. Como Marx morreu em 1883 e a revolução foi em 1917 (ou 1905, a se contar a primeira tentativa fracassada) o susto era improvável. Pensei que tivesse ficado subentendido que Marx se surpreendera no além-túmulo, mas nem todos subentenderam. Resta imaginar onde fica o além-túmulo do Marx. No céu ou no inferno? Há controvérsias.
*Gilsonsampaio

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