Luiz Fernando Veríssimo: Não é mais pecado
Luiz Fernando Veríssimo
Na
sua Divina Comédia Dante coloca os sodomitas, os blasfemadores e os
usurários no mesmo círculo do Inferno. As práticas das três categorias
eram igualmente antinaturais. A Igreja condenava a usura e só absolvia
os usurários arrependidos se eles devolvessem todo o lucro obtido com
juros, que não era fruto do trabalho e portanto contra as leis de Deus.
Aos usurários renitentes era negado enterro cristão. Já os blasfemadores
e sodomitas não podiam esperar nenhuma remissão: iam direto para o
Inferno. Pelo menos para o Inferno do Dante.
Nos
7 séculos desde a Divina Comédia, aos poucos e cada uma por sua vez, as
três classes se livraram da danação que as estigmatizava. Relações
homossexuais hoje são aceitas sem muito escândalo. Blasfemadores não
precisam mais temer as fogueiras da Inquisição, ou qualquer coisa
parecida, por negarem a religião. E os usurários mandam no mundo.
Pode-se,
com alguma imaginação, comparar a regulação dos bancos que existia até
pouco tempo com o controle que a Igreja tentava manter sobre a atividade
financeira no fim da Idade Média, e a desregulação dos bancos que deu
na crise que vivemos agora com a conclusão da Igreja que estava perdendo
grandes negócios, combatendo a usura, e sua decisão de aderir. Os
banqueiros passaram de excomungados a abençoados, e pelo século 18 a
própria Igreja já era um dos maiores manipuladores financeiros do
planeta. No caso dos bancos modernos, liberados para fazerem qualquer
negócio pelo lucro imediato, inclusive destruir economias inteiras, a
mensagem da desregulação foi a mesma que a Igreja deu aos usurários
séculos atrás: não é mais pecado, gente!
Seria
possível especular sobre quem Dante colocaria hoje no mesmo nicho, no
sétimo circulo do Inferno? Nada parece muito antinatural, ultimamente.
Bom, talvez a pizza com abacaxi. Mas nem isto merece ser jogado no fogo
eterno.
Além-túmulo. Leitores perguntam se
enlouqueci. Há uma semana escrevi que o fato da revolução comunista
acontecer na Rússia, onde ninguém esperava, assustara até o Marx. Como
Marx morreu em 1883 e a revolução foi em 1917 (ou 1905, a se contar a
primeira tentativa fracassada) o susto era improvável. Pensei que
tivesse ficado subentendido que Marx se surpreendera no além-túmulo, mas
nem todos subentenderam. Resta imaginar onde fica o além-túmulo do
Marx. No céu ou no inferno? Há controvérsias.
*Gilsonsampaio
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