No discurso ordinário, a utilização de uma divisão binária, epistemológica e ontológica, das categorias de gênero nos possibilita destinar aos dois campos características e papéis que poderiamos dizer serem oriundas daquele próprio organismo. Logo, o convite é oferecido: estamos diante de uma investigação da (in)existência de um problema que recai, neste caso específico, ao grupo das mulheres. E que problema seria esse? Como forma de esclarecer o pensamento aqui comprometido, penso ser indispensável suspeitarmos da (im)possibilidade de conseguirmos definir uma identidade das ‘mulheres’, ou seja, de não conseguirmos constituir o sujeito estável e permanente de uma teoria feminista sem que isso acabe por minar os interesses reais de uma busca por justiça e inclusão. Talvez, por mais esquisito que isso possa parecer, seja necessário pensarmos que os sujeitos, caracterizados de maneira a priori, de quaisquer que sejam nossas teorias, são produções de sistemas de poder e, por essa razão, não existem de fato; ou seja, são projetos de uma ficção comprometida com a manutenção do poder vigente.
Logo, é preciso ter em mente a possibilidade de estarmos comprando uma ficção fundacionista do sujeito que nos faz acreditar que um termo como ‘mulheres’ possa definir elementos criteriosos que vão denotar uma identidade comum a todos os sujeitos que participam desse ‘grupo’. Neste caso, podemos suspeitar que a fala “talvez não existam mulheres”, da filósofa Julia Kristeva, possa fazer algum sentido. De qualquer forma, o que essa nova perspectiva de encarar as teorias feministas chama atenção é para o fato de que é preciso romper com os parâmetros que fundaram as relações políticas e culturais das nossas sociedades e que, advindo disso, dominaram e dominam a nossa forma de se relacionar não com as categorias de ‘homens’ ou ‘mulheres’, mas com a humanidade.
Desta maneira, não é preciso ignorar o processo histórico que nos fez ser quem somos, mas incluir nesse processo a compreensão de que nossa percepção do mundo de fora e também de nós mesmos é fruto de algo maior. Ser mulher, ser feminina, ser moça, ser santa ou ser puta são conceitos que nasceram como fruto de uma dominação patriarcal, masculina, para não dizer heterossexual. Sendo assim, oferecida a suspeita de tal diagnóstico, passamos a enaltecer as ‘mulheres’, na sua utilização ordinária, que fizeram parte desse processo histórico de luta pela emancipação das mesmas à categoria de ‘indivíduos’ desprovidos de qualquer poder político que quisesse lhe conceder aquilo que deveriam ser. Dentro dessa perspectiva feminista comprometida com todas as variações possíveis que podem formar a identidade dos sujeitos, problemas de mulher passam a ser, na verdade, problemas da humanidade.
Ps: Este texto é
dedicado a todas as pessoas que fizeram e fazem de suas vidas a luta por
um mundo melhor, mais igualitário e inclusivo. (Dedicado especialmente a
Maria Clara Dias, Marcia Tiburi, Laerte Coutinho e Judith Butler)
Fabio Oliveira
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