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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 13, 2012

Acertos EUA-Israel impedem qualquer avanço...  

do redecastorphoto

 

…nas conversações nucleares com o Irã
Gareth Porter, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Gareth Porter é historiador, analista político e jornalista investigativo sobre a política externa e militar americana.
WASHINGTON – O governo Barack Obama encampou a exigência, nas conversações nucleares com o Irã que começam sábado em Istambul, de que a usina Fordow de enriquecimento de urânio seja fechada e eventualmente desmontada; essa exigência é parte de uma negociação paralela entre EUA e Israel e é meio caminho andado para levar ao fracasso qualquer conversação com o Irã.
Ainda não se sabe, contudo, se o governo Obama introduzirá essa exigência seja qual for a posição inicial do Irã, ou se a exigência será “guardada” para ser apresentada adiante, nas conversações. Supõe-se que Washington tenha interesse em obter, no mínimo, algum acordo que mantenha as conversações abertas e em andamento durante a campanha eleitoral e, se possível, depois dela.
O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, por sua vez, anda extremamente ansioso quanto à possibilidade de algum acordo que admita a continuação do programa iraniano de enriquecimento de urânio. Os israelenses contam, portanto, com a “pílula de veneno”: a exigência de que Fordow seja fechada e desmontada, que tem potencial para interromper qualquer conversação com o Irã.
Em entrevista à agência Inter Press Service (IPS), Reza Marashi, que trabalhou no setor do Departamento de Estado para Assuntos Iranianos entre 2006 e 2010, disse que “Se a exigência de que os iranianos fechem Fordow for apresentada como inegociável, o mais provável é que fracasse qualquer conversação com o Irã”.
O Irã já disse que não aceita essa exigência. Em resposta à exigência já noticiada de que suspenda o enriquecimento de urânio a 20% e feche a usina Fordow, Fereydoun Abbasi-Davani, presidente da Organização Iraniana de Energia Atômica [orig. Iran’s Atomic Energy Organization] disse: “Os iranianos não vemos qualquer justificativa para essa exigência do Grupo P5+1”. P5+1, conhecido também como os “Irã-6”, é o grupo em que se reúnem os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, mais a Alemanha – que está envolvido nas negociações sobre o programa nuclear iraniano.
Ahmadinejad na Usina de Fordow
Pelo que já se pode ver, o governo Obama fez o que Israel exigiu e incluiu o fechamento da usina Fordow na lista de exigências do grupo EUA-europeus, em troca de Israel aceitar que, no primeiro estágio das conversações, só se discuta a questão do enriquecimento do urânio iraniano até 20%.
Há crença generalizada de que é possível que os iranianos aceitem pôr fim ao enriquecimento de urânio até 20% e entreguem seus estoques de urânio enriquecido, que seriam trocados por bastonetes de combustível nuclear fabricados em outros países, mantendo em funcionamento, assim, o Reator de Pesquisas de Teerã. Isso, se houver alguma troca, e se os iranianos entenderem que obterão algum benefício significativo em troca do que venham a conceder.
Dia 4/4/2012, o ministro da Defesa de Israel Ehud Barak revelou que mantivera conversações com autoridades dos EUA e de países europeus no final de março, nas quais trabalhara para convencer todos a aceitar as exigências israelenses, de que Fordow seja fechada; de que todos os processos de enriquecimento de urânio a 20% sejam cancelados; e que todo o enriquecimento de urânio, mesmo abaixo de 20%, seja deslocado para outros países.
Barak não disse a que resultados levaram esses seus contatos, mas três dias depois o New York Times noticiou que funcionários dos EUA e de países europeus exigiriam, nas negociações com o Irã, “o imediato fechamento e desmonte definitivo” da usina Fordow como “urgente prioridade”, além da transferência para fora do Irã do estoque de urânio enriquecido a 20% que há no país. [1]
A agência Reuters noticiou, dia 8/4, que “altos funcionários dos EUA” disseram que a suspensão do enriquecimento de urânio a 20% e o fechamento da usina Fordow são “prioridades de curto prazo” para os EUA e aliados. [2]
A Reuters também noticiou, no mesmo dia, que Israel concordara, em março, com uma “abordagem por etapas” nas conversações nucleares; e que, na primeira etapa, as conversações seriam focadas só no fim do enriquecimento do urânio a 20%.
Localização das plantas de enriquecimento de urânio do Irã
(Clique na imagem para visualizar melhor)
Nem Israel nem os estados ocidentais disseram qualquer coisa, até agora, sobre a transferência para fora do Irã, do urânio iraniano enriquecido, o que sugere que a questão ainda não esteja acertada entre eles.
Os encontros de alto nível e a conexão evidente entre as posições que EUA, europeus e israelenses vazaram simultaneamente para a imprensa não deixam qualquer dúvida sobre o fato de que, sim, já há uma posição conjunta; e que os EUA levarão a posição de Israel às conversações com o Irã.
Respondendo à agência IPS, Erin Pelton, secretária-assistente de imprensa do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, disse que não tinha qualquer informação sobre acertos explícitos entre EUA e Israel sobre a posição dos EUA nas conversações nucleares. E explicou: “Houve consultas entre EUA e Israel sobre a política para o Irã. Não é preciso que haja qualquer tipo de acordo explícito”.
Israel continua a usar, para pressionar as políticas de EUA e europeus, a ameaça sempre repetida de atacar o Irã. Um dia antes de Barak falar sobre suas conversas com funcionários norte-americanos e europeus sobre a estratégia da negociação com o Irã, o jornal Jerusalem Post noticiou que “altos funcionários da Defesa” disseram que o possível ataque ao Irã “pode ser adiado até 2013”, porque o “establishment da Defesa” esperará o resultado das conversações nucleares. [3]
Já há muito tempo Barak fala da capacidade que o Irã tem para transferir suas centrífugas para Fordow – construída num túnel de grande profundidade na encosta de uma montanha, o que neutralizaria a capacidade de destruição dos aviões israelenses. Esse, aliás, é o único argumento que Israel tem repetido nos últimos meses, como única justificativa para a ameaça de ataque militar contra o Irã.
Em postado no blog The National Interest, Paul Pillar, ex-agente de inteligência e especialista em Oriente Próximo e Sul da Ásia, escreveu que “a mensagem ocidental a Teerã” parece ser que “nós [o “ocidente”, quer dizer, EUA e Israel] podemos até aceitar que o Irã mantenha algum tipo de programa nuclear, mas só no caso de o programa ser instalado em local acessível a bombas, para o caso de EUA ou Israel, a qualquer momento, decidirem bombardear tudo”. [4]
Greg Thielmann, alto membro da Associação para o Controle de Armas [orig. Arms Control Association], disse em entrevista a IPS: “Alguns americanos acreditam que é importante manter sob ameaça todas as instalações nucleares do Irã, para o caso de Teerã decidir construir armas atômicas”.
Mas para Thielmann, ex-diretor do setor de Assuntos Militares, Estratégicos e de Proliferação do Gabinete de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado dos EUA, disse também que o fechamento e desmonte das instalações de Fordow “interessa mais aos israelenses que aos EUA”.
Reza Marashi, ex-especialista em Irã do Departamento de Estado, atualmente diretor de pesquisas do Conselho Nacional Irã-EUA, disse que funcionários dos EUA têm algumas preocupações com Fordow, mas foram os israelenses que converteram em questão central a evidência de que Israel não tem capacidade para destruir Fordow”.
Thielmann disse que espera que o governo Obama esteja “fazendo isso para acalmar os israelenses; e que não insistirá nessa exigência, depois de os iranianos a terem rejeitado”.
Embora a exigência de fechar e destruir Fordow pareça ser resposta dos EUA para acalmar Israel, mesmo assim faz pleno sentido no conjunto de esforços do governo Obama para intimidar o Irã, fazendo crer que só restaria uma “janela” de tempo aos iranianos, para encontrar solução diplomática. O governo Obama deixou bem claro, nas últimas semanas, que Israel atacaria as instalações nucleares iranianas, caso não haja qualquer avanço na direção de um acordo que assegure que o Irã não terá armas atômicas.
Esse tom de ameaças sempre repetidas corresponde ao que dizem os ‘linha-dura’ desde o início do governo Obama. Dennis Ross, ex-conselheiro de Obama, que se acredita que ainda tenha acesso pessoal direto ao presidente, foi citado no New York Times dia 29/3. Ross disse que “para que a diplomacia funcione, é preciso haver alguma capacidade de coação. Se os iranianos pensarem que estejamos blefando, nada conseguiremos deles”. [5]
Em artigo recente publicado em Times of Israel, Ross deixou claro que o que chama de “diplomacia coercitiva” de modo algum envolveria a promessa de suspender as sanções, porque os EUA continuam a exigir “mudança de atitude do Irã em relação ao terrorismo, aos seus vizinhos e aos seus próprios cidadãos”. [6]
Essa “diplomacia coercitiva”, se esse for, mesmo, o conceito que subjaz à estratégia de negociação do governo Obama, explicaria o absoluto silêncio de qualquer vazamento para a imprensa sobre o que os EUA planejam oferecer aos iranianos, em troca das concessões que exigirão. Reza Marashi observou que o governo “esconde bem as próprias cartas, bem fechadas sobre a mesa”, sobre o que será oferecido ao Irã, nas negociações nucleares.
A ausência de qualquer incentivo significativo leva Marashi a concluir que o governo Obama está confiando mais em ameaças do que em incentivos para levar o Irã a render-se às suas demandas.
O governo Obama parece estar apostando tudo no único incentivo que está disposto a oferecer nas conversações: o reconhecimento do direito do Irã a enriquecer urânio em instalações em solo iraniano (mas EUA e europeus, certamente, continuarão a impor limites estritos ao número de centrífugas e ao nível máximo de enriquecimento admitido).
Se os EUA e Israel esperam que o Irã aceite essas limitações, terão de considerar a introdução de mudanças significativas nas políticas norte-americanas para o Irã: fim das sanções e reconhecimento de que o Irã tem papel político-diplomático plenamente legítimo a desempenhar na região.
Notas dos tradutores
[1 ] 9/4/2012, New York Times em: “Iran's Nuclear Program (Nuclear Talks, 2012)
[2] 8/4/2012, Reuters em: “West to target Iran's nuclear fuel work
[3] 4/4/2012, Jerusalem Post em: “Confrontation with Iran may be delayed to 2013
[4 12/4/2012, The National Interest – Paul Pilar em: “Self-Fulfilling Prophecy on Iran
[5] 29/3/2012, New York Times em: “Hard Line on Iran Places White House in a Bind
[6] 6/4/2012, The Times of Israel em: “What could diplomacy with Iran produce?
*Gilsonsampaio

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