Lalo Leal: O desmanche da TV Cultura
Via RedeBrasilAtual
Não
se trata de um fato isolado. Faz parte de uma ação adotada em todo o
Brasil pelos governos do PSDB, calcada na política do “Estado mínimo”,
em que rádio e televisão pública não têm vez.
Lalo Leal
A
televisão no Brasil é tratada como empreendimento comercial desde as
suas origens, quando herdou do rádio artistas e patrocinadores. Durante
muito tempo os anúncios estavam no próprio nome dos programas: Repórter
Esso, Gincana Kibon, Circo Bombril. Até hoje muita gente acredita que as
emissoras de TV são propriedades particulares das famílias Marinho e
Saad ou de empresários como Silvio Santos ou Edir Macedo. Poucos sabem
que eles são apenas concessionários de canais públicos, cujo controle
deveria estar nas mãos da sociedade.
Para
piorar as coisas, não tivemos aqui o contraponto da TV pública, como
ocorre na Europa. As emissoras não comerciais só começaram a surgir no
Brasil ao final dos anos 1960, quando o predomínio das comerciais já era
total, impedindo a construção de uma alternativa capaz de se
confrontar, em igualdade de condições, com o modelo dominante.
O
presidente Getúlio Vargas até que tentou em seu segundo governo criar a
TV Nacional, outorgando um canal para a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro. O suicídio interrompeu o plano, retomado mais tarde por
Juscelino Kubitschek – impossibilitado, no entanto, de levá-lo à frente
diante das ameaças de derrubá-lo feitas por Assis Chateaubriand, dono
dos Diários e Emissoras Associados. O canal 4 do Rio, que era para ser
da Nacional, acabou ficando com a Globo. Terminou também aí o sonho de
uma televisão pública nacional, capaz de cobrir todo o país, como já
fazia com competência a Rádio Nacional.
Profissionais
capazes de diferenciar sua missão, voltada para a cidadania, são
desprezados pelos gestores. E a sociedade é privada de uma qualidade
rara construída com seus recursos
Em seu
lugar surgiram as TVs educativas, voltadas para suprir deficiências do
ensino formal, a maioria dotada de poucos recursos e instrumentadas
pelos governos. Programações mal definidas, tecnicamente pobres e na
maioria das vezes enfadonhas caracterizavam quase todas as TVs públicas,
contrastando com a luminosidade cada vez mais grandiosa das comerciais.
Quando, por alguma circunstância especial, uma
TV pública conseguia romper essas amarras os resultados eram
surpreendentes. Foi o caso da TV Cultura de São Paulo, no início dos
anos 1990. Sua grade de programação infantil era de tão alta qualidade
que incomodou as concorrentes. Mas durou pouco. A instabilidade
administrativa, determinada por ingerências políticas, interrompeu
aquele bom momento.
Mais uma vez o telespectador
ficou sem alternativa. Não foi a primeira nem a última crise. Vivemos
agora a mais recente, com a privatização de parte de sua programação
ocupada inicialmente pelo jornal Folha de S.Paulo e as demissões em
massa. Se os espaços para um modelo de TV não comercial já eram
estreitos desde seu surgimento, agora diminuíram. A TV Cultura, ao invés
de ampliar os olhares jornalísticos com programas próprios,
apresentando ao telespectador perspectivas independentes do mercado,
reduz o número de visões oferecidas ao público.
Não
se trata de um fato isolado. Faz parte de uma ação adotada em todo o
Brasil pelos governos do PSDB, calcada na política do “Estado mínimo”,
em que rádio e televisão pública não têm vez. Um processo que, além de
privar o telespectador de programas novos e criativos, é acompanhado da
demissão de centenas de trabalhadores competentes, formados na emissora e
voltados para a radiodifusão pública, algo pouco ensinado nas escolas.
São
profissionais capazes de perceber a diferença entre seu trabalho,
baseado na cidadania, e aquele restrito ao mercado. Na medida que estão
livres de imposições comerciais, tendem a ser mais ousados e criativos.
Para formá-los são necessários anos, talvez décadas. Nada disso é levado
em consideração pelos atuais gestores da TV Cultura e cada demissão,
além da tragédia pessoal de quem a sofre, transforma-se numa tragédia
social, uma vez que os recursos usados na formação de cada um são
jogados fora e o público fica privado do trabalho inovador que poderiam
oferecer.
*Gilsonsampaio
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