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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, abril 16, 2012

Dilma passa um sabão no Tio Sam

 

 

A participação insípida do presidente dos EUA, Barack Obama, na Cúpula das Américas foi a personificação de um divisor histórico: o império nada tem a dizer ou a propor de relevante aos povos latino-americanos. Em crise, patinando entre a tibiez de uma estratégia econômica que se compraz em mitigar a ortodoxia em casa e uma diplomacia bélica que chafurda na areia movediça de conflitos múltiplos e insolúveis, do Oriente Médio à Coréia, passando pelo embargo à Cuba e querelas com a Venezuela, o poderio ianque naturalmente não está derrotado. Mas é visível a sua exaustão. Obama personifica-a como um Tio Sam cansado da guerra. 
Ainda que seja o melhor que a política norte-americana tem hoje a oferecer, convenhamos, é parcimonioso. Essa percepção de esgotamento extravazou das intervenções do democrata em Cartagena, na Colômbia. A um mosaico de nações que luta contra um legado secular de pobreza, desigualdade e truculênca nas relações com o Big Brother, e ainda assim desponta como um dos horizontes mais dinâmicos da economia mundial, Obama ofereceu a velha e gasta 'cooperação' do mascate viajante. 
Instado a comentar a ascensão da classe média regional e, sobretudo, brasileira, murmurou memorizando as fichas preparadas pelo Departamento de Estado: "Uma classe média próspera e ascendente abre mercado para as nossas empresas. Aparecem novos clientes para comprar ‘Iphones', ‘Ipods, Boeings'..." "Ou Embraer!", atalhou-o a presidenta Dilma Rousseff , num aparte bem-humorado, mas também altivo e ao mesmo tempo revelador da miúda visão política autocentrada do chefe de Estado norte-americano. 
A intervenção brasileira foi ovacionada com risos e palmas pelos demais chefes de Estado presentes. Caberia a Dilma, ainda, contrapor ao caquético catecismo da subordinação comercial o ponto de vista estratégico de uma América Latina cada vez mais encorajada a buscar seu próprio caminho e, mais que isso, definitivamente convencida de que esse caminho de soberania e desenvolvimento não cabe no acostamento estreito destinado historicamente à região pela Casa Branca. Em um improviso mais de uma vez aplaudido, ela despertou o orgulho latino-americano diante de um Obama entre sonolento, ausente e blasé. 
Disse-o com assertiva altivez a Presidenta de todos os brasileiros e, agora também, uma referência aos latino-americanos que já haviam sido cativados por Lula: "As relações assimétricas foram muito negativas para o nosso Continente. Nos últimos 20 anos, tivemos recessão, desemprego e ausência de perspectivas de crescimento. O relacionamento virtuoso é aquele que respeita a soberania dos países e enxerga o crescimento recíproco como essencial. Todos aqui nessa mesa fomos países coloniais, inclusive os Estados Unidos, que pegou em armas para defender sua independência. Todos sabemos que não há diálogo entre desiguais", concluiu Dilma fechando um ciclo da cúpula das Américas.
Ou melhor, anunciando o novo capítulo da luta pelo desenvolvimento continental.
Postado por Saul Leblon 
*esquerdopata

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