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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 13, 2012

Milhares de camponeses hindus estão se suicidando depois de utilizar sementes geneticamente modificadas

 

Via Rebelión
O genocídio transgênico
Andrew Malone - Daily Mail
Tradução: Renzo Bassanetti
Quando o príncipe Charles afirmou que milhares de camponeses hindus se suicidam depois de utilizar cultivos transgênicos, foi tachado de alarmista. De fato, como revela esta arrepiante reportagem, a situação é ainda pior da que o príncipe temia.
As crianças estavam desoladas. Emudecidos pelo choque e lutando para conter suas lágrimas, se amontoavam junto a sua mãe, enquanto amigos e vizinhos preparavam o cadáver para incinerá-lo em uma ardente fogueira erigida sobre os rachados e desérticos campos próximos à sua casa.
Enquanto as chamas consumiam o cadáver, Ganjanan, de 12 anos, e Kalpana, de 14, enfrentam um futuro sombrio. Ainda que Shankara Mandaukar tivesse acariciado a esperança de que seus filhos teriam uma vida melhor na esteira do boom econômico da Índia, ambos enfrentam agora a possibilidade de ter que trabalhar como mão de obra escrava em troca de alguns centavos ao dia. Camponeses sem terra e sem casa, serão o mais baixo da parte de baixo.
Shankara, respeitado camponês, marido e pai carinhoso, tinha se suicidado. Menos de 24 horas antes, diante da perspectiva de perder suas terras, bebeu uma taça de inseticida químico.
Incapaz de pagar uma soma equivalente à suas receitas de dois anos, caiu presa do desespero. Não via nenhuma saída.
Ainda ficaram no pó as marcas onde Shankara se retorceu em sua agonia. Outros aldeãos o observavam – sabiam, por experiência, que era inútil intervir – enquanto ele jazia dobrado sobre o chão, vomitando e gritando de dor.
Arrastou-se, gemendo, até um banco situado à frente da sua humilde casa, a 100 quilômetros de Nagpur, na Índia central. Uma hora depois, deixou de emitir sons. Logo, deixou de respirar. Às 17 horas do domingo, a vida de Shankara Mandaukar chegou ao seu fim.
Enquanto os vizinhos se reuniam para rezar fora da sua casa, Nirmala Mandaukar, de 50 anos, contou como regressou correndo dos campos para encontrar seu marido morto. "Era um homem carinhoso e atento”, disse, chorando em silêncio. “Mas não pôde agüentar mais. A angústia mental era demais. Perdemos tudo”.
As colheitas de Shankara falharam duas vezes seguidas. Certamente, a fome e as doenças fazem parte da antiga história da Índia. Contudo, a morte desse respeitado camponês foi atribuída a algo muito mais moderno e sinistro: os cultivos geneticamente modificados.
A Shankara, da mesma forma que a milhões de agricultores da Índia, tinham prometido uma exuberância de colheitas e lucros jamais imaginados se deixassem de cultivar as sementes tradicionais e começassem a semear sementes transgênicas.
Enfeitiçado pela promessa de riquezas futuras, Shankara pediu dinheiro emprestado para comprar as sementes transgênicas. Contudo, quando as colheitas fracassaram, ele ficou com dívidas vertiginosas e sem nenhuma receita.
Finalmente, Shankara se transformou em um dos aproximadamente 125 mil agricultores que se suicidaram em função da impiedosa campanha orientada a transformar a Índia em um campo de provas para os cultivos transgênicos.
A crise, que os ativistas tem batizado de “genocídio transgênico”, foi colocada em destaque recentemente, quando o príncipe Charles manifestou que a questão dos cultivos transgênicos tinha se transformado em uma “questão moral global”, e havia chegado o momento de pôr fim ao seu implacável avanço.
Numa conferência de vídeo retransmitida à capital da Índia, Delhi, o príncipe enfureceu os líderes da biotecnologia e alguns políticos, quando condenou “o índice verdadeiramente atroz e trágico de suicídios de pequenos agricultores na Índia, provocados... pelo fracasso de muitas variedades de cultivos transgênicos”.
Contra o príncipe, coligaram-se poderosos grupos de pressão de cultivos transgênicos e proeminentes políticos que afirmam que os cultivos geneticamente modificados transformaram a agricultura da Índia, proporcionando um rendimento nunca antes conhecido.
O resto do mundo, insistem, deveria abraçar o “futuro” e seguir seu exemplo.
Assim, pois, quem diz a verdade? Para averiguar, viajei ao “cinturão suicida”, situado no estado hindu de Maharashta.
O que encontrei foi muito inquietante, e tem profundas implicações para os países – entre eles a Grã-Bretanha -, nos quais está se debatendo a possibilidade de autorizar a semeadura de sementes manipuladas pelos cientistas para escapar das leis da natureza.
O certo é que as cifras oficiais do Ministério da Agricultura hindu confiram que, em meio à uma descomunal crise humanitária, mais de 1000 agricultores se suicidam aqui a cada mês.
Gente simples do meio rural  está morrendo de forma lenta e agonizante. A maioria deles ingere inseticidas, um dispendioso produto que se afirmou  não ser necessário quando foram forçados a semear as caras sementes geneticamente modificadas.
Parece que muitos desses camponeses contraíram dívidas descomunais em financeiras locais, de quem tomaram emprestadas somas excessivas para adquirir sementes transgênicas.
Os especialistas partidários dos cultivos transgênicos afirmam que a verdadeira causa desse tributo em vidas humanas são o alcoolismo, a seca e a “miséria rural”.
Contudo, como descobri durante uma viagem de quatro dias através do epicentro do desastre, essa não é toda a história.
Em uma pequena aldeia que visitei, 18 camponeses tinham se suicidado depois de terem ficado emaranhados em dívidas com produtos transgênicos. Em alguns casos, as mulheres tomaram as rédeas das granjas de seus defuntos maridos somente para elas mesmas se suicidarem um pouco mais tarde.
Latta Ames, de 38 anos, bebeu inseticida depois do fracasso de suas colheitas apenas dois anos depois que seu marido se tirasse a vida quando as dívidas pelos transgênicos se tornaram excessivas.
Latta deixou seu filho de dez anos, Rashan, aos cuidados de familiares. “Ele chora quando pensa em sua mãe”, disse a tia da defunta, sentada apáticamente à sombra, junto aos campos.
Aldeia trás aldeia as famílias narraram-me como tinham se afundado em dívidas depois de terem sido persuadidas a adquirir sementes transgênicas em vez das sementes tradicionais de algodão.
A diferença de preço é assombrosa: 100 gramas de sementes transgênicas custam 12 euros, mas com esse valor pode-se comprar uma quantidade mil vezes maior de sementes tradicionais.
Contudo, vendedores de sementes transgênicas e funcionários do governo tinham assegurado aos agricultores que tratavam-se de “sementes mágicas”, que produziram cultivos melhores, livres de parasitas e insetos.
De fato, em uma tentativa de promover o uso das sementes transgênicas, em muitos bancos de sementes do governo se proibiu a venda das variedades tradicionais.
As autoridades tinham interesses espúrios na promoção dessa nova tecnologia. O governo hindu, desesperado em escapar da miséria absoluta dos anos posteriores à independência, decidiu autorizar os novos gigantes da biotecnologia, como a Monsanto, a companhia norte-americana líder do mercado, a comercialização de suas novas sementes.
Em troca de permitir o acesso das companhias ocidentais ao segundo país mais povoado do mundo, com mais de um bilhão de pessoas, a Índia recebeu nos anos 80 e 90 empréstimos do Fundo Monetário Internacional que a ajudaram a iniciar uma revolução econômica.
Contudo, enquanto cidades como Mumbai e Delhi cresceram exponencialmente, a vida dos agricultores voltou à Idade Média.
Ainda que na Índia a superfície de terras dedicadas a cultivos transgênicos tenha duplicado no espaço de dois anos – até chegar aos 17 milhões de acres – muitos camponeses descobriram que o preço que é preciso pagar é terrível. Longe de serem “sementes mágicas”, as variedades transgênicas de sementes de algodão à prova de pragas têm sido devastadas pelas lagartas, parasitas vorazes.
Tampouco foi dito a esses agricultores que essas sementes precisam o dobro de água. Isso tem sido um fator de vida ou morte. Depois de dois anos de escassa pluviosidade, muitos cultivos transgênicos simplesmente murcharam e morreram, deixando os camponeses com dívidas sufocantese sem recursos para pagá-las.
Depois de ter tomado dinheiro emprestado a financistas tradicionais com juros exorbitantes, centenas de milhares de pequenos agricultores se viram condenados a perder suas terras por causa do fracasso das custosas sementes. Enquanto isso, os que puderam continuar lutando tiveram que enfrentar uma nova crise.
No passado, quando se perdiam as colheitas, os agricultores ainda tinham a opção de guardar sementes e tornar a plantá-las no ano seguinte. Contudo, com as sementes transgênicas não podem faze-lo por que muitas delas possuem o que se denomina “tecnologia exterminadora”, o que significa que foram modificadas geneticamente para que as colheitas resultantes não produzam sementes viáveis.
Em conseqüência, os agricultores tem que comprar novas sementes a cada ano pelos mesmos preços proibitivos. Para alguns, isso significa a diferença entre a vida e a morte.
Tomemos o caso de Suresh Bhalasa, outro camponês que foi incinerado nesta semana, e que deixou esposa e dois filhos. Ao cair a noite depois da cerimônia, enquanto os vizinhos ficavam de cócoras fora da casa, e as vacas sagradas eram trazidas dos campos, sua família não tinha nenhuma dúvida de que seus problemas surgiram no instante em que se animou a comprar o algodão BT, uma planta geneticamente modificada criada pela Monsanto.
“Agora estamos arruinados”, disse a viúva, de 38 anos. Compramos 100 gramas de algodão BT. Nossa colheita quebrou duas vezes. Meu marido se deprimiu. Saiu para seu campo, deitou sobre o algodão e bebeu inseticida.
Os aldeões o introduziram em um riquixá e o levaram ao hospital por estradas rurais cheias de buracos. “Ele gritava que tinha bebido inseticida e que sentia muito”, disse ela, enquanto sua família e seus vizinhos se reuniam na sua casa para apresentar seus respeitos. “Quando chegou ao hospital, já estava morto”
Perguntados sobre se o defunto era um bêbado ou se padecia de problemas sociais, como alegam os funcionários pró-transgênicos, a tranquila e digna assistência explodiu em cólera: “Não! não!”, exclamou um dos irmãos do morto “Suresh era um bom homem. Mandou seus filhos para a escola e pagou seus impostos”.
“Essas sementes mágicas o estrangularam. Nos vendem as sementes dizendo que elas não necessitarão de pesticidas caros, mas eles são necessários, sim. Todos os anos estamos obrigados a comprar as mesmas sementes da mesma companhia. Estão nos matando. Por favor, conte ao mundo o que está acontecendo aqui”.
A Monsanto admitiu que as dívidas crescentes foram “um fator dessa tragédia”. Contudo, assinalando que a produção de algodão duplicou nos últimos sete anos, um porta-voz acrescentou que existem outras razões que explicam a recente crise, como por exemplo, “as chuvas inoportunas” ou a seca, e assinalou que os suicídios sempre fizeram parte da vida rural na Índia.
As autoridades também apontam as pesquisas de opinião para afirmar que a maioria dos camponeses hindus quer sementes transgênicas – sem dúvida animados pelas agressivas técnicas de marketing.
Durante minhas investigações em Maharasta, encontrei-me com três inspetores “independentes” que recorriam as aldeias para obter informações sobre os suicídios. Insistiram que as sementes transgênicas eram somente um 50% mais caras, mas mais tarde me confessaram que a diferença era de mais de 1000%. (Depois, um porta-voz da Monsanto insistiu que a semente “somente custava ao dobro” do que custa a semente “oficial”, não transgênica, mas admitiu que a diferença poderia ser enorme se as sementes tradicionais mais baratas são vendidas por comerciantes sem escrúpulos, que freqüentemente também vendem “falsas” sementes transgênicas suscetíveis de contrair enfermidades).
Diante dos rumores de eminentes indenizações governamentais para frear a onda de mortes, muitos camponeses disseram que estavam desesperados em conseguir qualquer tipo de ajuda. “Somente queremos escapar de nossos problemas”, disse um. “Somente queremos ajuda para que não morra mais nenhum de nós”.
O príncipe Charles está tão angustiado pela situação dos agricultores suicidas que criou uma organização beneficente, a Fundação Bhumi Vardaan, para auxiliar os afetados e promover os cultivos orgânicos hindus no lugar dos transgênicos.
Os agricultores da Índia também estão começando a lutar. Além de tomar como reféns os distribuidores de sementes transgênicas e organizar protestos massivos, um governo estadual empreendeu ações legais contra a Monsanto pelo preço descabido das sementes transgênicas.
Isso chegou tarde demais para Shankara Mandaukar, que tinha acumulado uma dívida de 80 mil rúpias (cerca de 1200 euros) quando decidiu tirar sua vida. “Disse-lhe que poderíamos sobreviver”, disse sua viúva. Seus filhos continuam encolhidos a seu lado ao cair da noite. “Disse-lhe que encontraríamos uma saída. Ele só disse que era melhor morrer”
Mas a dívida não morre com seu marido. A menos que consiga uma maneira de quitá-la, não vai poder pagar a escolarização de seus filhos. Perderão suas terras e passarão a engrossar as filas das legiões de despossuídos que aos milhares mendigam nas bordas dos caminhos ao longo deste vasto e caótico país.
Cruelmente, os que mais estão padecendo os efeitos do “genocídio transgênico” são os jovens, a mesma geração que se supunha pretender resgatar de uma vida de privações e miséria por meio destas “sementes mágicas”.
Aqui, no cinturão suicida da Índia, o custo do futuro transgênico é criminosamente alto.
*Gilsonsampaio

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