O analfabeto midíatico
Por Celso Vicenzi, no sítio Vermelho:
Ele
ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não
participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas
usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o
mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os
fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e
na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem
defende bandeiras políticas.
Ele
não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. E
que elas – na era da informação instantânea de massa – são muito
influenciadas pela manipulação midiática dos fatos. Não vê a pressão de
jornalistas e colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê
– que também estão presentes na internet – a anunciar catástrofes
diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis.
Avanços
significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se
fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que
políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa
privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos
políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social
no País.
Questões
iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula
prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário sobre o
escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã Siemens. Não
houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum editorial
contundente. A principal emissora de TV do País calou-se por duas
semanas após matéria de capa da revista IstoÉ, denunciando o esquema de
superfaturar trens e metrôs em 30%.
O
analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para
dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja, por
exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem
as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai
se pronunciar.
Não
desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai
quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o
que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado,
Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos.
Para
isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que
“uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão simples (Millôr,
ironicamente, contra-argumentou: “Então diga isto com uma imagem”).
Fotos e imagens também são construções, a partir de um determinado
olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao gosto do
freguês”.
Há
uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens para provar que o Iraque
possuía depósitos de armas químicas que nunca foram encontrados. A
irresponsabilidade e a falta de independência da mídia norte-americana
ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra com milhares
de inocentes mortos foi deflagrada.
O
analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma escolha
construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se outras
fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de outro
ponto de vista.
O
analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o
mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia,
na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para
não estender demais os campos do conhecimento – para compreender
minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta
informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de
comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e
econômicos.
Lê
pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem
certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à
realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a
prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o
político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas
nacionais e multinacionais.
O
analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e não
entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para
aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio
financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o
dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os
bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público.
Assim,
por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca
identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que
aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar
políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as
populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia. Para o
analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a
fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na
aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
*Miro
Páginas
Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
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