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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 17, 2015

Nos próximos anos e décadas, a Alemanha corre o risco de descobrir que muitos europeus preferirão a segunda opção.

Rendição da Grécia, miséria do euro e do capitalismo

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Humilhação imposta a Atenas é aviltante até nos detalhes. Mas esclarece algo: limitar-se à lógica da aristocracia financeira é o túmulo dos projetos transformadores

Por John Cassidy | Tradução: Antonio Martins

Os governantes da Europa que retornaram de Bruxelas a suas capitais, após a maratona de negociações que manteve a Grécia na zona do euro, com enorme custo para a soberania política do país, definiram um novo cenário político para o continente. Ele é ameaçador. Ao forçar o governo de Alexis Tripras a uma rendição abjeta – ignorando os pedidos de alguns de seus vizinhos, em particular a França – a Alemanha exerceu com estrondo, talvez pela primeira vez após a reunificação, seu poder no palco europeu.

Desde que o Syriza, partido grego de esquerda, foi eleito, em janeiro, sobre uma plataforma de acabar com as políticas de “austeridade” impostas pela União Europeia (UE), tornou-se óbvio que Angela Merkel, a chanceler alemã e governante de facto da Europa, reteve a chave que permitiria resolver a crise. Por duas vezes nos últimos meses – primeiro em março e depois na semana passada – expressei a esperança de que a chanceler ultrapassasse a ideologia econômica conservadora alemã, uma espécie de “ordoliberalismo”, e os preconceitos germânicos contra os europeus do Sul. Ele poderia conceber uma solução que, embora obtendo concessões significativas do governo grego, preservasse os ideais de comunalidade e solidariedade que supostamente sustentam a UE. Tragicamente, a chanceler foi incapaz de corresponder ao desafio

Ao invés de adotar o manto de uma estadista europeia, ela colocou-se ao lado de seu ministro de Finanças linha-dura, Wolfgang Schäuble, forçando Atenas a rastejar diante de seus credores, sob pena de deixar a zona do euro – uma opção à qual a sociedade grega se opunha. Agora que Tsipras voltou a Atenas, ele enfrenta a tarefa indesejável de persuadir o parlamento grego a aprovar o que talvez seja o acordo mais impositivo e invasivo entre uma nação avançada e seus credores desde a Segunda Guerra Mundial. Se o Parlamento grego recusar a ceder ao acerto, o país não receberá mais dinheiro, seu governo será forçado a dar calote em mais empréstimos, seus bancos entrarão em colapso e ele será forçado a lançar sua própria moeda.

Uma declaração de seis páginas emitida na tarde de segunda-feira pelos governantes da zona do euro estabeleceu os termos da rendição grega. O documento foi redigido em termos que parecem escolhidos para infligir humilhação máxima sobre Tsipras e seus companheiros do Syriza. Tome-se, por exemplo, o papel de um dos credores da Grécia, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitos gregos culpam pelas políticas de “austeridade” impostas como condições, nos empréstimos de 2010 e 2012. Nas últimas duas semanas, à medida em ia sendo forçado a recuar em todos os pontos, Tsipras insistiu que, sob um novo acordo, a Grécia poderia ao menos ver o FMI pelas costas. Ao contrário. A declaração frisa que quando estados-membros da zona do euro requerem assistência do Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, em inglês – um fundo de resgate, baseado em Luxemburgo e estabelecido em 2012), eles estão obrigados a pedir ajuda ao FMI. “Esta é uma pré-condição para que o eurogrupo aceite um novo programa do ESM”, diz o texto, e prossegue: “Portanto, a Grécia requererá apoio contínuo do FMI (monitoramento e financiamento) a partir de maço de 2016”.

E sobre a reestruturação da vasta dívida grega, que Tsipras também queria tornar parte do acordo? A declaração diz que o eurogrupo (essencialmente, os ministros de Finanças da eurozona) aceitam considerar a sustentabilidade da dívidas, mas apenas após a implementação, pela Grécia, dos termos do novo empréstimo, para satisfação das “instituições” que irão supervisioná-lo – ou seja, a temida “troika”, que reúne o Banco Central Europeu (BCE), a Comissão Europeia e o FMI.

“O eurogrupo permanece pronto a considerar, se necessário, possíveis medidas adicionais, visando assegurar que as necessidades de financiamento [da Grécia] permanecerão em nível sustentável”, diz a declaração. “Estas medidas estarão condicionadas à completa implementação das medidas a serem acordadas num possível novo programa, e serão consideradas após a primeira conclusão positiva de uma revisão”. Mesmo neste caso, as ações a ser consideradas serão modestas. “O encontro do euro frisa que reduções nominais da dívida não podem ser adotadas”, prossegue o texto.

Os credores aceitaram algum recuo num único aspecto. Modificaram ligeiramente uma proposta que obrigará a Grécia a transferir ativos nacionais avaliados em 50 bilhões de euros para um novo fundo de privatização, com sede fora da Grécia, administrado por estrangeiros e encarregado de leiloar bens pela melhor oferta. Quando o tema emergiu, no sábado, num documento interno do ministro das Finanças alemão que vazou, houve quem enxergasse a imposição como um objeto de barganha, suscitado para forçar concessões do Syriza em outras áreas.

De maneira alguma. Nas negociações da madrugada, entre Merkel, Tsipras, o presidente francês François Hollande e o presidente do Conselho Europeu, Donal Tusk, a chanceler alemã teria dito que o fundo era uma das “linhas vermelhas” da qual não recuaria. Sob pressão dos franceses e gregos, os alemães aceitaram ao final que localizar o fundo de privatização fora da Grécia seria uma humilhação muito extrema. Insistiram, no entanto, no essencial. A declaração emitida na segunda esclarece que o fundo terá sede em Atenas e será “gerenciado pelas autoridades gregas, sob supervisão das Instituições Europeias relevantes”.

Exceto por esta mínima concessão, os gregos foram submetidos a uma lição cruciante sobre o funcionamento de uma zona monetária que, para muitos países europeus, converteu-se em camisa de forças. Os alemães têm as chaves dos cadeados que trancam as correias. No combativo estilo que o tornou famoso, Yanis Varoufakis, o ex-ministro das Finanças grego descreveu o acordo como um “novo tratado de Versalhes” e ligou-o a um “golpe de Estado”.

Tal linguagem deveria se usada com cuidado, ao descrever um continente que assistiu a tanto conflito, extremismo e ditadura. Não houve uma guerra, e a Grécia ainda é uma democracia. Mesmo agora, o parlamento grego tem poderes para rejeitar o acordo e coordenar uma retirada grega do euro. De fato, uma das críticas que podem ser feitas a Tsipras e Varoufakis é que eles não desenvolveram mais seriamente a opção de uma saída, durante os cinco meses que gastaram em disputas com os credores da Grécia. Apesar de todos os riscos e dificuldades que acompanhariam tal escolha, ela ofereceria o perspectiva de permitir à Grécia, ao fim, libertar-se e seguir seu próprio caminho.

Mas se o que aconteceu durante o fim de semana não equivale exatamente a um golpe, foi uma exibição rude de poder, por parte da Alemanha e uma lembrança apavorante da lógica impiedosa de uma união monetária dominada por credores e economia pré-keynesiana. Nas palavras de Paul De Grawe, um conhecido economista belga que ensina na London School of Economics, um “alicerce do futuro modo de governo” da zona do euro foi cimentado no fim de semana: “Submeta-se ao domínio alemão ou saia”. Nos próximos anos e décadas, a Alemanha corre o risco de descobrir que muitos europeus preferirão a segunda opção.




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