Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 31, 2015

Não mata ninguém: uma minúscula tributação sobre grandes fortunas faria grande diferença

Sonegação de impostos no Brasil supera orçamentos de Educação e Saúde

Anualmente, empresas e milionários deixam de recolher cerca de 10% do PIB nacional em impostos e tributos e aumentam a carga sobre a renda da classe média e dos mais pobres
por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 01/03/2014 18:17, última modificação 03/03/2014 09:45
RBA
grana.jpg
Pessoas jurídicas e magnatas do país burlam o fisco e mais pobres pagam a conta. Reforma tributária é urgente
São Paulo – A sonegação de impostos no Brasil superou R$ 415 bilhões em 2013. O valor corresponde aproximadamente a 10% de toda a riqueza gerada no país durante o período e é maior que os orçamentos federais de 2014 para as pastas de educação, desenvolvimento social e saúde, somados. Neste ano, o total de impostos e tributos não recolhidos já se aproxima dos R$ 68 bilhões. Os dados são do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), que organiza o painel Sonegômetro.
O serviço calcula, a partir de estudos daquela entidade, o total de impostos e tributos que deveriam, mas não são pagos, por obra das chamadas pessoas jurídicas, isto é, empresas em geral, de todos os ramos e tamanhos. Para comparação, o programa social do governo federal Bolsa Família tem R$ 24 bilhões ao ano para atender 14 milhões de famílias. Portanto, o que foi sonegado no ano passado equivale a 17 anos do programa.
Ainda segundo o Sinprofaz, a soma dos tributos devidos pelos brasileiros, constantes na Dívida Ativa da União, ultrapassa R$ 1,3 trilhão, quase um terço do Produto Interno Bruto (PIB) de 2013 que foi de R$ 4,84 trilhões.
O estudo do sindicato se baseia em dados da Receita Federal, outras análises específicas sobre cada tributo, para então elaborar uma média ponderada. Os tributos não pagos são relativos a impostos diretos – aqueles que não estão embutidos em produtos – como Imposto Sobre Serviços (ISS), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), por exemplo. E escancaram a diferença com que o sistema tributário brasileiro atua sobre ricos e pobres.
“Eles são sonegados pelos muitos ricos e por pessoas jurídicas (empresas, indústrias), com mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro e de caixa dois”, afirmou o presidente do Sinprofaz, Heráclio Mendes de Camargo Neto, que é advogado e mestre em Direito.
A sonegação gigantesca, diz Camargo Neto, impõe a necessidade de tributar pesadamente o consumo, onde não é possível sonegar. "É injusto que todo paguem uma carga em tributos indiretos. E o povo paga muito. Mesmo que você seja isento do Imposto de Renda, vai gastar cerca de 49% do salário em tributos, mas quase tudo no supermercado, na farmácia", explica.
Leia na Revista do Brasil:
Outra injustiça está na forma como incide o Imposto de Renda. Quanto mais o contribuinte tem a declarar, maiores são as possibilidades de abater valores. "Os mais ricos podem abater certos gastos no Imposto de Renda. Em saúde, por exemplo, se você tem um plano privado um pouco melhor, você pode declará-lo e vai ter um abatimento (no cálculo final do imposto). Esta é uma característica injusta do nosso sistema. Os mais pobres não conseguem ter esse favor."
No entanto, continua o advogado, quem tem salários a partir de R$ 2.400 é tributado automaticamente pelo Imposto de Renda Retido na Fonte e muitas vezes não tem como reaver parte deste valor.
Em 2005, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário e a Associação Comercial de São Paulo criaram o impostômetro, cuja versão física está instalada no Pátio do Colégio, região central da capital paulista. O objetivo, ao mostrar o tamanho da arrecadação do poder público, é justamente debater a carga tributária do país, com vistas à redução de impostos e à reforma tributária.
Logicamente, os valores registrados pelo impostômetro (R$ 313 bilhões este ano, até o fechamento desta matéria) são superiores aos do sonegômetro (R$ 68 bilhões), caso contrário nem sequer haveria dinheiro para manter o funcionamento da maquina pública.
No entanto, alerta Camargo Neto, se o governo brasileiro efetivasse a cobrança deste valor sonegado, já seria possível equalizar melhor os impostos no país. “Se nós conseguirmos cobrar essas grandes empresas e pessoas físicas muito ricas, o governo poderia desonerar a classe média e os mais pobres. Seria o mais justo. Se todos pagassem o que devem, nós poderíamos corrigir a tabela do Imposto de Renda (que incide sobre os salários) e reduzir alíquotas sobre alimentos e produtos de primeira necessidade, que todo mundo usa”, defende.

Desigual

Detalhando-se a carga tributária brasileira pelas principais fontes, percebe-se que os tributos sobre bens e serviços, que afetam sobretudo os mais pobres, respondem por quase metade do total (49,22%). Em seguida vêm os tributos sobre a folha de salários (25,76%) e sobre a renda (19,02%). Somados, eles respondem por 94% da carga tributária total. Para o procurador, existe uma “escolha política” em não atuar na cobrança dos mais ricos e manter a situação como está.
Uma demanda urgente, segundo o procurador, é uma reforma tributária, que incida sobre o capital e deixe de onerar os trabalhadores. “É preciso um avanço maior da tributação sobre a riqueza. Veja os lucros astronômicos dos bancos, por exemplo. Por que o Banco do Brasil precisa lucrar R$ 12 bilhões e não pode ser tributado sobre metade disso? Essa é uma escolha política da sociedade. Imagine bilhões de cada um dos grandes bancos, o quanto você poderia desonerar os produtos de primeira necessidade?”, questiona.
Camargo Neto aponta ainda que a sonegação é maior por conta da precariedade estrutural em que a própria Procuradoria da Fazenda Nacional, responsável pela fiscalização sobre os tributos, se encontra. Ele conta que existem 300 vagas de procurador abertas há pelo menos seis anos esperando serem preenchidas.
"Nós não temos carreira de apoio, por exemplo. Há menos de um servidor de apoio para cada procurador. Os juízes, por exemplo, têm de 15 a 20 servidores de apoio. Nós temos 6,8 milhões de processos para cobrar e quase nenhum auxílio", denuncia.
Para completar, a sonegação de impostos prescreve em cinco anos, o que aprofunda o favorecimento dos sonegadores e sonegadoras. "É muito fácil se livrar com todas essas condições", lamenta.
*RBA

Nenhum comentário:

Postar um comentário