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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 01, 2011

Uma reflexão e uma proposta (espero) polêmica

Passou o Dia Mundial Sem Carro. Claro que a maioria das pessoas, desacostumadas a ficar sem seu carro, foram cumprir seus afazeres de carro, ainda que estivessem dando o maior apoio moral pro movimento.

O Dia Sem Carro foi coberto por vários veículos de comunicação e amplamente comemorado. É o tipo de ação que quase ninguém se opõe. Mas ontem um amigo me chamou a atenção: em seguida das notícia sobre o dia sem carro, quase todas as propagandas eram de carro.

Lembrando de um post recente no excelente blog do Sakamoto, é muita cara de pau vender um carro falando que ele vai a 300 km/h e tem um bilhão de cavalos de potência quando não há um pedaço de estrada no Brasil cuja velocidade máxima seja superior a 120 km/h.

Penso nisso quando vejo pessoas usando SUVs para se locomover até o mercado, a dez minutos, ou para ir na academia (!!!!) usando um carro enorme, super poluente e super caro. Penso nisso quando as pessoas parecem cada vez mais preocupadas em “consumir de maneira mais consciente”, o que se traduz em consumir mais, na verdade.

Seria bem melhor para o “verde” se as pessoas, em vez de consumir mais carros, mais poderosos, mais poluentes, mais espaçosos, de empresas que gastam uma triliardária verba publicitária para mostrarem como estão tão preocupados com o meio ambiente, levantassem a bundinha do banco do carro e andassem até a academia ou a padaria. Ou fossem de bicicleta, metrô, ônibus, bonde, teleférico...

Tenho perfeita noção do tamanho do fetiche que é o carro no mundo de hoje. O valor de um carro, é muito claro isso, não se resume ao seu valor de uso, ou seja, não basta um carro levar de um lugar pro outro. Para o consumidor médio, o carro é muito mais que isso. Por isso mesmo quero deixar aqui uma proposta que vai de encontro a isso e que pode, de fato, impactar esse mercado e os hábitos das pessoas:

- E se só fosse permitida a venda de carros com, no máximo, 1000 cilindradas?

- E que viessem com todos os itens de segurança, como air bag e freios ABS, de fábrica (isso já foi aprovado e entra em vigor em 2014 – hoje, esses itens são opcionais).

- E se todos os carros viessem com um sistema que restringe a velocidade máxima que ele atinge a 120 km/h?

- Estariam excluídos disso os carros de polícia, bombeiro e ambulâncias, claro. Além dos carros de corrida, etc.

Não seria mais efetivo que as elitistas e sempre presentes propostas de tirar os carros "mais poluentes" (leia-se velhos, de pobre), além de mais democrático?

Claro que as pessoas, com o dinheiro que têm, devem comprar o que bem entenderem. Mas quando falamos de um carro, falamos de algo que não diz respeito só à pessoa, mas também a todo mundo à sua volta que respira o ar, que tem que conviver com carros em alta velocidade ameaçando se descontrolarem e sendo projetados para pontos de ônibus, matando, mutilando, com o trânsito absurdo de milhares de carros, cada um com uma pessoa dentro, entre outros problemas... Nada contra quem gasta milhões com jóias, relógios, seja lá o que for.

Rodrigo Mendes de Almeida é jornalista e colunista do NR
*notasderodapé

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