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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 17, 2014

Justiça acata denúncia contra militares acusados de atentato durante a ditadura Em decisão histórica

Justiça acata denúncia contra militares acusados de atentato durante a ditadura Em decisão histórica, Justiça Federal acata denúncia contra cinco oficiais da reserva e ex-policial civil acusados de participar do ato de terror fracassado durante a ditadura
Maria Clara Prates



Então chefe do SNI, Newton Cruz está entre os denunciados e pode pegar pena de 36 anos de prisão  (Ohomi/CB/D.A Press - 24/4/84)
Então chefe do SNI, Newton Cruz está entre os denunciados e pode pegar pena de 36 anos de prisão

Pouco mais de um mês depois do aniversário dos 50 anos do golpe militar no Brasil, a Justiça Federal aceitou, em decisão histórica, pôr no banco dos réus peças importantes para manutenção do regime de exceção no país, que vão responder por um dos mais marcantes atos de terror do período: o fracassado atentado do Riocentro, em Jacarepaguá, ocorrido em 30 de abril de 1981. Trinta e três anos depois, o coronel da reserva Wilson Luiz Chaves Machado, o ex-delegado Cláudio Antônio Guerra e os generais reformados Nilton de Albuquerque Cerqueira, Edson Sá Rocha e Newton Araújo de Oliveira e Cruz e o major da reserva Divany Carvalho Barros responderão pelos crimes de tentativa de homicídio doloso (duplamente qualificado por motivo torpe e uso de explosivo), associação criminosa armada e transporte de explosivo, entre outros.
Isso será possível porque a juíza da 6ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, Ana Paula Vieira de Carvalho, acatou a denúncia contra os cinco militares e o policial civil apresentada pelo Ministério Público Federal. É a primeira vez que o grupo envolvido no caso do Riocentro será levado à Justiça comum. A juíza considerou que os delitos denunciados pelo MPF se configuram como crimes contra a humanidade e, por isso, são imprescritíveis em todos os Estados, segundo o direito internacional. Outras tentativas de julgamento foram rechaçadas pela Justiça Militar e pelo Supremo Tribunal Federal. Essas instâncias entenderam que os crimes do Riocentro estariam “perdoados” pela Lei da Anistia, assinada em 1979 no Brasil.

"Os fatos narrados na denúncia encontram-se, em tese, dentro deste contexto, na medida em que, segundo a tese ministerial, a ser submetida ao contraditório, o atentado a bomba descrito fazia parte de uma série de outros 40 semelhantes, ocorridos no período de um ano e meio, direcionados à população civil, com o objetivo de retardar a reabertura política que naquele momento já se desenhava”, disse a juíza. E acrescentou: “Não por acaso teriam sido escolhidas as festividades do dia 1º de maio, no Riocentro, tidas como símbolo dos movimentos contrários à ditadura. Também a referendar essa ideia está a suposta tentativa de atribuir o atentado a movimentos de esquerda, narrada na inicial acusatória.”

De acordo com a denúncia – apresentada pelos procuradores procuradores Antônio Cabral, Andrey Mendonça e Marlon Weichert –, o general Newton Cruz, então chefe do temido Serviço Nacional de Informação (SNI), além dos outros crimes, vai responder também pelo delito de favorecimento pessoal. Também o general reformado Edson Sá Rocha vai responder ainda por associação criminosa armada, e o major reformado Divany Carvalho Barros, por fraude processual. Até oferecer a denúncia, os procuradores investigaram os fatos durante quase dois anos, o que significou a análise de 38 volumes de documentos. Além disso, foram ouvidas 42 testemunhas e investigado um total de 36 horas de gravação. O MPF contou com a cooperação internacional da França, Bélgica e Argélia.

Punição
Ao tomar conhecimento da decisão da Justiça Federal, os procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição afirmaram que “a decisão, além de reafirmar o compromisso do Estado brasileiro com as normas do direito internacional, reforça a compreensão disseminada na sociedade brasileira de que os crimes cometidos na época da ditadura militar devem ser punidos”. Para a juíza Ana Paula, “passados 50 anos do golpe militar de 1964, já não se ignora mais que a prática de tortura e homicídios contra dissidentes políticos naquele período fazia parte de uma política de Estado, conhecida, desejada e coordenada pela mais alta cúpula governamental.”

Penas Segundo o MPF, os denunciados planejaram minuciosamente o ataque um ano antes do dia do show, com a participação decisiva de outros nove militares também denunciados, mas que já morreram. Os procuradores definem a ação dos militares como uma atuação de “organização criminosa que tinha um núcleo de planejamento e um núcleo operacional (também denominado “Grupo Secreto”).” Em razão disso, os procuradores querem a pena mínima de 36 anos de prisão para Wilson Machado, Cláudio Guerra e Nilton Cerqueira, de 36 anos e 6 meses de reclusão para Newton Cruz, de dois anos e seis meses para Sá Rocha, e de um ano de detenção para Divany Barros.

Memória

Erro e morte


O atentado do Riocentro foi tramado por militares insatisfeitos com o processo de abertura política no governo do general João Figueiredo. O plano era detonar bombas e causar tumulto durante um show de celebração do Dia do Trabalho no Riocentro, em Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio), e culpar movimentos de esquerda pelo ato. A ação fracassou porque um dos artefatos explodiu dentro do Puma (foto) usado pelos dois militares que executavam o atentado – o então capitão Wilson Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, ambos agentes do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército. Rosário morreu no ataque. Minutos depois, outra bomba abriu um buraco no chão em frente à central de energia, sem danos. O espetáculo continuou. 

*em.com.br

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