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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, dezembro 20, 2014

Comemos veneno: O câncer, a infertilidade e a diabete vem com a comida

Comemos veneno: O câncer, a infertilidade e a diabete vem com a comida

Via Rebelion
Marie-Monique Robin (*)
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
Anncol

vale pela abelha



O preço dos alimentos disparará

“O aumento das doenças crônicas como a obesidade, a diabete e o câncer está diretamente relacionado com os alimentos que comemos. Os hormônios sintéticos presentes nos fertilizantes e pesticidas que entram em contato com nossa comida são muito perigosos pra a saúde, e não costumam ser detectados nas análises toxicológicas, motivo pelo qual se invalida a tese de que “a dose faz o veneno””.
Com essa advertência como carta de apresentação, a premiada documentarista e jornalista Marie-Monique Robin nos introduz no mundo da agroindústria, sua área de pesquisas há mais de uma década, e sobre o assunto tratado em seu último ensaio: As colheitas do futuro. Como a agroecologia pode alimentar o mundo (Península).
É uma obra fruto da análise comparativa de diversos sistemas de produção alimentar que, em sintonia com outras obras anteriores, como Nosso Veneno Quotidiano O  Mundo segundo a Monsanto, questiona o mito de que a queda do preço dos alimentos ou de que o fim da fome no mundo somente será possível mediante a produção industrial de alimentos. A principal novidade que a autora francesa traz com esse último livro  é de que existe uma alternativa comprovável, “mais visível do que se acreditava antes do início das investigações”, que é chamada de agroecologia.  
A transição da agroindústria para a agroecologia ainda é possível, explica Robin, mas ainda que exista a vontade política necessária para trazer as mudanças de legislação que as permitam, “serão necessários muitos anos para descontaminar as terras e as águas subterrâneas até ser possível a produção de alimentos sãos.” É por isso que urge, em primeiro lugar, limitar o uso de pesticidas e transgênicos. “A Espanha é o país mais permissivo da UE com o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM) e com a comercialização de outras substâncias tóxicas, como o bisfenol A, que em outros locais, como na França, está proibido.”
Uma permissividade, como alerta a autora francesa, com consequências mais do que previsíveis: “O casais espanhóis são os que mais problemas têm com a infertilidade em toda a Europa, ao um em cada quatro serem afetados”.  Ao mesmo tempo, os cânceres no cérebro e a leucemia estão crescendo a um ritmo anual de 1 a 3% cento entre as crianças,  segundo os dados da Organização Mundial para a Saúde (OMS), que colocam também em destaque o auge da origem fetal das enfermidades na idade adulta (presumivelmente pelo tipo de alimentação da gestante). “A própria Autoridade Européia de Segurança Alimentar  (EFSA) já se está dando conta dessas consequências e reconhecendo as deficiências do princípio toxicológico  de que “a dose faz o veneno”, devido aos indetectáveis hormônios sintéticos,  como demonstra a maioria da literatura científica sobre essa questão”, afirma Robin.
O zênite do petróleo será também o da comida barata



Tradicionalmente tem se relacionado o baixo custo dos alimentos com as monoculturas, o uso de agrotóxicos e de fertilizantes para reduzir as pragas, assim como de outras técnicas modernas de produção em grande escala. Contudo, Robin afirma que “os preços nos supermercados são completamente falsos, por que não incluem os custos diretos nem os indiretos”.
Os gastos derivados do tratamento das águas contaminadas, do pagamento das taxas pelos efeitos dos gases de efeito estufa, das subvenções (para o diesel, para exportar ou diretamente da Política Agrária Comum da UE), assim como os com os sistemas públicos de saúde, pelo aumento de doenças crônicas, são alguns dos custos associados com a agroindústria que não são incluídos nos preços de origem. “Se somarmos todos esses custos aos produtos de origem, seu preço subiria e seriam mais caros que os produtos ecológicos”. Além de tudo, acrescenta Robin, mais da metade do preço está inchado pelos intermediários e vendedores finais.
É uma realidade da qual estamos muito longe, segundo a autora francesa, para quem cedo ou tarde o preço da comida irá disparar, seja pelo final das subvenções  (como se prevê com a PAC), pela crescente especulação nas Bolsas com as matérias primárias nos mercados futuros,  ou pelo não menos eminente aumento dos preços dos combustíveis fósseis,  como o petróleo e o gás, devido à seu zênite.
Os produtos químicos utilizados na agroindústria são elaborados a partir do petróleo  e do gás, razão pela qual um aumento dos preços desses recursos, juntamente com a escassez da água, colocariam a agroindústria na encruzilhada. “Essa é a grande debilidade da indústria alimentar. Sustentam-se num modelo que depende de combustíveis fósseis, e está claro que o preço destes será cada vez maior, motivo pelo qual o dos alimentos o acompanhará. Não há sentido em a população do planeta depender da produção de petróleo em uma região convulsiva como o Oriente Médio”, lamenta Robin.   
Alimentos saudáveis em um mundo sustentável



As perniciosas consequências para a saúde e para o meio ambienta da agricultura industrial, assim com a crônica de uma morta anunciada que Robin começou a descrever, inclusive antes que se deflagrassem as primeiras crises alimentares na América Latina, (relacionadas com os biocombustíveis), levaram essa francesa a percorrer o mundo em busca de alternativas ecológicas. Depois de estudar diferentes técnicas agroecológicas, pôde comprovar que seu rendimento pode ser maior  que com os métodos utilizados pela agroindústria.
“Muitas vezes, quando falamos de agroecologia, pensamos que  se trata de voltar às técnicas usadas por nossos avós. Não é assim, trata-se de práticas muito mais complexas que dependerão da zona geográfica onde forem desenvolvidas, dos tipos de cultivo e do tipo de terra”, explica a autora. Contudo, Robin pôde comprovar que todos eles conciliam um princípio básico: a complementaridade. “Trata-se de um princípio comum através do qual se busca complementar a biodiversidade do meio, mediante a rotação de cultivos ou interferindo no ciclo biológico dos insetos, para prevenir pragas e aumentar a produção.”
A demanda de produtos ecológicos por parte dos consumidores tem aumentado proporcionalmente à deterioração da cadeia alimentar. “mas a oferta não chega ainda para abastecer a todos”, aponta Robin. Para torná-la extensiva a todos, não é suficiente a conscientização do consumidor, que no final das contas é o que mais poder detém com suas decisões de compra, mas também são necessárias medidas políticas concretas.
Entre as propostas mais urgentes para facilitar a mudança, a jornalista cita a “proibição da especulação com alimentos, o incentivo da soberania alimentar mediante uma férrea proteção dos mercados e dos agricultores locais, e o encurtamento das cadeias de distribuição, buscando conexões diretas entre consumidores e produtores.” Somente mediante a eliminação dos intermediários e varejistas, explica a francesa, o preço dos alimentos orgânicos se reduziria em certa de 90%.
As bases para possibilitar uma mudança de modelo estão colocadas “há muitos anos”, mas se não for iniciada uma transição em seguida, adverte Robin, “não poderemos nos antecipar às crises alimentares que ressurgirão a qualquer momento”.
* Marie-Monique Robin, autora de 'Las cosechas del futuro' (As colheitas do futuro) (Península).

Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
*GilsonSampaio

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