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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, janeiro 29, 2015


Paulo Nogueira, via DCM



Certas coisas despertam nossa atenção para absurdos dos quais nem sempre nos demos conta na hora em que ocorreram.

Por exemplo: os 13,4 quilos que levaram ao fuzilamento do brasileiro Marco Archer, na Indonésia, são uma insignificância em relação à meia tonelada de pasta de cocaína descoberta no helicóptero dos Perrella.

Você, pela tragédia de Archer, tem uma ideia da omissão da mídia e da polícia brasileira no caso do helicóptero.

O interesse público, mais uma vez, foi para o fim da fila.

Se meia tonelada de cocaína não é notícia, não é manchete, não é motivo para investigações frenéticas da mídia e para pressões de repórteres sobre a polícia, então o que é?

Você pode dizer, com cinismo e descaro, e estará certo: depende de quem seja o portador. Meio quilo no carro de um amigo de Lula receberia uma cobertura estrepitosa. Ninguém, na grande mídia, fez nada decente sobre o helicóptero dos Perrella.

Na internet, graças à generosidade e ao ativismo dos leitores que financiaram nosso trabalho, mergulhamos no caso.

Não é fácil fazer jornalismo independente no Brasil. Nosso documentário sobre o Helicoca (assista abaixo), por obra de alguma força oculta, foi abruptamente retirado do YouTube, para onde só voltou há pouco graças a nossa teimosia e perseverança.

O repórter Joaquim Carvalho teve acesso a um documento da Polícia Federal no qual estava a informação de que o helicóptero pousara num hotel antes de seguir viagem e ser interceptado pela polícia. A informação foi confirmada pelo piloto, numa entrevista gravada por Joaquim.

Mesmo assim, diante de tais fatos, o hotel entrou na Justiça e fomos obrigados a retirar do ar os textos em que seu nome aparecia.

Como meia tonelada virou nada para a mídia?

A hipótese mais provável é a seguinte. Os Perrella são ligados a Aécio, e Aécio é amigo dos donos das empresas jornalísticas. Mexer no assunto, segundo essa lógica, poderia atrapalhar a campanha do amigo Aécio.

Sem o helicóptero a fama de playboy de Aécio já era um problema suficientemente grande em sua tentativa de subir a rampa do Planalto.

Apenas a título de especulação. Imagine que Archer, na Indonésia, tivesse dito que a cocaína transportada em sua asa delta não era dele. Alguém pôs isso lá, acreditem.

No Brasil, a mídia aceitou, sem questionamentos, a versão de que a cocaína nada tinha a ver com os donos do helicóptero. Teria sido apenas uma coincidência que, entre tantos helicópteros que voam no Brasil, alguém tivesse escolhido exatamente o dos Perrella para depositar a cocaína.

Pode ser verdade, aliás. Mas a sociedade teria de ser cientificada disso com informações convincentes e confiáveis.

Não foi o que ocorreu até aqui. E, se não o episódio não foi esclarecido até agora, esqueça: o helicóptero entrará no museu dos enigmas que ninguém quer resolver.

Moral da história: A mídia que deu tamanho espaço a um caso que envolvia 13,4 quilos de cocaína simplesmente desprezou outro com uma carga mais de 30 vezes maior.

Pobres leitores, pobres telespectadores, pobres ouvintes.


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