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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, janeiro 15, 2015

 aconteceu em Pequim uma reunião pouco comentada, mas altamente significativa, que aconteceu enquanto quando Washington estava absorvida em suas tentativas para ‘’incapacitar’’ e, afinal, desestabilizar a Rússia de Putin. Os chineses realizaram o que chamaram de Conferência Central sobre Trabalho Relacionado a Assuntos Exteriores. Ali Xi Jinping, presidente daChina e presidente da Comissão Militar Central pronunciou o que foi chamado de “Importante Discurso”.
China
Xi e Putin assinaram o acordo para construir um gasoduto da Sibéria à China, chamado Rota Oeste
Leitura cuidadosa do documento oficial do Ministério de Relações Exteriores da China sobre aquela Conferência confirma que, sim, foi discurso “importante”.
A liderança política chinesa já completou e agora divulgou oficialmente uma mudança estratégica global nas prioridades geopolíticas da política exterior da China.
A China já não vê como a mais alta prioridade o seu relacionamento com os EUA nem, sequer, com a União Europeia. Em vez disso, definiram agora um novo grupo de países prioritários, no novo mapa geopolítico que os chineses discutiram demoradamente e agora acabaram de definir.
Esse novo mapa inclui a Rússia e todos os países BRICS com suas economias em rápido desenvolvimento; inclui os vizinhos asiáticos da China, países africanos e outros países em desenvolvimento.
Prova de que é discurso importante, muitos já começaram a falar sobre “maiores riscos de confronto com o mundo desenvolvido” (por exemplo, Timothy Heath, em The Diplomat). [Aqui há um parágrafo truncado, ininteligível (NTs)].
No discurso que fez aos participantes daquela Conferência, o presidente Xi destacou um subgrupo de países em desenvolvimento: “grandes países em desenvolvimento” (kuoda fazhanzhong de guojia). Com esses, a China vai “fortalecer a unidade e a cooperação e integrar firmemente [o desenvolvimento chinês] com o desenvolvimento comum de todos os grandes países em desenvolvimento”, disse Xi.
Segundo intelectuais chineses, esses países aparecem agora como parceiros especialmente importantes “para apoiar a reforma da ordem internacional”. Nesse grupo estão Rússia, Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia e México, quer dizer, os parceiros BRICS da China, mais Indonésia e México. A China também deixou de se autodefinir como “país em desenvolvimento”, sinalizando que há uma nova autoimagem [vide Sobe a periferia e rebaixam-se as ‘grandes potências’ (ing.) (NTs)].
O Vice-Ministro de Relações Exteriores, Liu Zhenmin, indicou outro aspecto significativo da nova política quando, na Conferência em Pequim, declarou que “o desequilíbrio entre a segurança política da Ásia e o desenvolvimento econômico tornou-se questão cada dia mais importante”. A proposta da China, de criar uma “comunidade de destino partilhado”, visa a resolver esse desequilíbrio. Implica que a China terá laços diplomáticos e econômicos mais próximos com Coreia do Sul, Japão, Índia, Indonésia, até o Vietnã e as Filipinas.
Em outras palavras, embora o relacionamento com os EUA vá continuar como mais alta prioridade, por causa do poderio militar e financeiro dos EUA, deve-se esperar ver uma China cada dia mais ativa contra o que vê como interferência dos EUA. É novidade que já se viu claramente em outubro, quando o jornal People Daily do Partido Comunista Chinês publicou editorial, durante a ‘revolução dos guarda-chuvas’ em Hong Kong, que interrogava “Por que Washington tanto se interessa por revoluções coloridas?” O artigo citava nominalmente, como envolvida naquela “operação”, a ONG National Endowment for Democracy, dedicada a “mudanças de regime” pelo mundo e mantida pelo vice-presidente dos EUA. Esse tipo de denúncia direta era impensável há seis anos, quanto Washington tentou criar problemas para Pequim insuflando protestos violentos do movimento do Dalai Lama no Tibete, pouco tempo antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008.
A China está agora rejeitando abertamente a crítica usual do ocidente sobre “direitos humanos” e recentemente declarou um esfriamento nas relações diplomáticas entre China e Reino Unido, depois que o governo de Cameron ter recebido o Dalai Lama; e entre China e Noruega, depois que o país reconheceu o dissidente Liu Xiaobo. Ao longo do ano passado, passo a passo, Pequim cuidou de esvaziar as críticas de Washington contra os direitos históricos que a China declara ter no Mar do Sul da China.
Mas talvez mais significativo de tudo, em meses recentes a China promoveu firmemente uma agenda para construir instituições alternativas aos FMI e Banco Mundial controlados pelos EUA – o que, se o movimento for bem-sucedido, pode ser golpe devastador contra o poder econômico dos EUA. Para resistir em oposição à tentativa, pelos EUA, de isolar economicamente a China na Ásia, com a criação de uma Parceria EUA Trans-Pacífico [US Trans-Pacific Partnership (TPP)], Pequim anunciou sua própria visão chinesa de uma Área de Livre Comércio do Pacífico Asiático [Free Trade Area of the Asia-Pacific (FTAAP)], acordo comercial “plenamente inclusivo, padrão ganha-ganha”, que realmente promove a cooperação no Pacífico Asiático.
Elevar as relações russas
Nesse momento, o que emerge claramente é a decisão da China de pôr sua relação com a Rússia de Putin no centro da nova prioridade estratégica chinesa. Apesar das décadas de desconfiança depois da ruptura sino-soviética de 1960, os dois países iniciaram cooperação em profundidade que é completamente sem precedentes. As duas maiores potências territoriais da Eurásia estão costurando laços econômicos que criam o único “desafiante” potencial imaginável, capaz de ameaçar a supremacia global norte-americana, como a descrevia o estrategista da política externa dos EUA, Zbigniew Brzezinski, em 1997, em seu O Grande Tabuleiro de Xadrez.
No momento em que Putin combate uma guerra sem tréguas de sanções econômicas impostas pela OTAN para derrubar seu governo, a China assinou não um, mas vários negócios-gigantes com empresas estatais russas, Gazprom e Rozneft, que permitem à Rússia enfrentar em melhores condições a crescente ameaça às suas exportações de energia para a Europa ocidental, que é questão de vida ou morte para a economia russa.
Durante a reunião da Associação dos Países Exportadores de Petróleo em Pequim, Obama foi oficialmente rebaixado no panteão diplomático, ao ser mandado postar-se ao lado da esposa de um presidente asiático, enquanto Putin permanecia ao lado de Xi. Os símbolos têm grande peso político, especialmente na China – e são parte essencial da comunicação.
Na mesma reunião, Xi e Putin assinaram o acordo para construir um gasoduto da Sibéria à China, chamado Rota Oeste, que se conectará ao histórico gasoduto Rota Leste já acordado com a Rússia, em maio. Quando os dois estiverem completados, a Rússia estará fornecendo 40% do gás natural de que a China necessita.
Na mesma ocasião, em Pequim, o Ministro do Exército da Rússia, anunciou importantes novas áreas de cooperação entre as Forças Armadas da Rússia e o Exército da Libertação do Povo, da China.
Agora, em plena guerra total que Washington faz contra o rublo russo, a China anunciou que está pronta para, se solicitada, ajudar seu parceiro russo. Dia 20/12/2014, em meio a uma queda histórica na cotação do rublo em relação ao dólar, o Ministro de Relações Exteriores, Wang Yi, disse que a China proverá ajuda à Rússia, se necessária, e tem confiança de que a Rússia conseguirá superar suas atuais dificuldades. Ao mesmo tempo, o Ministro do Comércio, Gao Hucheng, disse que expandir uma operação de swap de moedas entre as duas nações e fazer uso mais amplo do yuan no comércio bilateral são operações que, com certeza, darão grande alívio à Rússia.
Há outras sinergias entre Rússia e China, nas quais os dois países se autocoordenam em relação mais próxima, inclusive a decisão de Putin de encontrar-se na primavera com o presidente da Coreia do Norte, e com a Índia, aliado de longa data dos russos, e com quem a China tem relações sensíveis desde os anos 1950s. Assim também a Rússia tem posição forte com o Vietnã desde a Guerra Fria e a ajuda que os russos deram para a pesquisa e extração de petróleo em águas do Vietnã.
Em resumo, tão logo haja estratégia geopolítica harmônica entre Rússia e China, o pior pesadelo geopolítico de Brzezinski ganhará vida própria, graças, em grande parte, às próprias políticas estúpidas dos neoconservadores maníacos por guerras que governam Washington, do próprio presidente Obama e das famílias milionárias sem amor nem pudor, que pagam todas as contas desse pessoal.
Todos esses movimentos, embora todos carregados de inúmeros perigos, sinalizam que a China compreendeu em profundidade o jogo geopolítico de Washington e as estratégias dos neoconservadores norte-americanos obcecados por guerras; e que, como a Rússia de Putin, a China também não tem nenhuma intenção de ajoelhar-se ante o que interpretam como uma Washington-tirana-global. O ano de 2015 surge como um dos mais decisivos e interessantes da história moderna.
Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questões energéticas e geopolítica da revista online New Eastern Outlook.

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