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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 25, 2015

Fotos e Fatos - a ambiguidade de Jânio


Por Cléber Sérgio de Seixas

Dizem que agosto é o mês do cachorro louco. A má fama do oitavo mês do ano é tributária de acontecimentos funestos como o início da Primeira Guerra Mundial; a detonação de duas bombas nucleares sobre o Japão, marcando o fim da 2ª Guerra Mundial; o início da construção do Muro de Berlim, entre outros. No Brasil, dois eventos corroboram essa má reputação: o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e a renúncia de Jânio. 

Há exatos 54 anos renunciava Jânio Quadros. “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. (...) Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam...” - desabafava o presidente em sua carta renúncia.  Ainda hoje são misteriosas as causas da renúncia do 22º presidente do Brasil, que chegou ao poder sob os afagos da UDN de Carlos Lacerda. Tampouco são conhecidas as “forças terríveis” a que Quadros se referia. Alguns analistas especulam que Jânio, pressionado pelos espectros direito e esquerdo da política nacional, optou pela renúncia como saída estratégica visando a uma hipotética volta ao poder nos braços do povo. 

O governo de Jânio – que durou apenas 08 meses – foi marcado por muitas ambiguidades. Se, de um lado, Jânio foi capaz de condecorar Ernesto Che Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, além de restabelecer relações comerciais e diplomáticas com a URSS e a China, em plena Guerra Fria, de outro, reprimiu movimentos de esquerda e congelou salários, sem falar de anedóticas medidas como as proibições do uso de biquínis em transmissões televisivas de concursos de miss, das rinhas de galo e do uso de lança-perfume em bailes de carnaval. 

Em 21 de abril de 1961 o fotógrafo gaúcho Erno Schneider cobria o encontro de Jânio com o presidente argentino, Arturo Frondizi, que se daria sobre uma ponte que ligava as cidades de Uruguaiana (RS) e Libres, Argentina. No meio do evento, um tumulto assustou o presidente brasileiro, que se voltou, mas com as pernas enviesadas. Um clique congelou a imagem que sintetiza bem um governo que não sabia se ia para a direita, para a esquerda ou se permanecia no centro. 

A fotografia rendeu a Schneider o Prêmio Esso de Jornalismo de 1962 e o sagrou como um dos maiores fotógrafos brasileiros. 
*observadoressociais

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