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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, julho 06, 2010

A China






Por que devemos nos armar, ou a receita chinesa

Brahma Chellaney, do Valor Online

O sucesso gera confiança e o sucesso rápido gera arrogância. Em poucas palavras, esse é o problema que tanto Ásia como Ocidente enfrentam com a China, algo que voltou a ser demonstrado no encontro de cúpula do G-20 no Canadá. A ascensão de seu poder político e militar vem encorajando o governo da China a buscar uma política externa mais forte. Tendo pregado anteriormente o lema da “ascensão pacífica”, a China agora começa a tirar as luvas, convencida de que ganhou os músculos necessários.

A abordagem tornou-se mais pronunciada com a crise financeira mundial iniciada no outono setentrional de 2008. A China interpretou a crise como símbolo do declínio da “marca” anglo-americana de capitalismo e do enfraquecimento da força econômica dos Estados Unidos. Isso, por sua vez, fortaleceu sua crença dual – de que seu tipo de capitalismo, guiado pelo Estado, oferece uma alternativa crível e que sua ascendência mundial é inevitável.

nalistas chineses assinalam com regozijo que EUA e Grã-Bretanha – após terem entoado por tanto tempo a canção “liberalize, privatize e deixe os mercados decidirem” – ao primeiro sinal de perigo acabaram encabeçando o movimento de resgate governamental de seus grandes grupos financeiros. Em contraste, o capitalismo guiado pelo Estado proporcionou estabilidade econômica e forte crescimento à China, permitindo-lhe superar a crise mundial.

De fato, apesar das preocupações de sempre sobre o sobreaquecimento da economia, as exportações e vendas no varejo da China estão em expansão e suas reservas internacionais aproximam-se agora de US$ 2,5 trilhões, mesmo com o nível alarmante dos déficits comercial e fiscal dos EUA. Isso ajudou a reforçar a fé da elite chinesa na fusão do capitalismo estatal e da política de autocracia da China.

O maior perdedor na crise financeira internacional, na visão da China, é o Tio Sam. O fato de os EUA continuarem na dependência de a China comprar bilhões de dólares em bônus do Tesouro todas as semanas para financiar o déficit escancarado no orçamento é um sinal da mudança no poder financeiro mundial – que a China se certifica de usar para ter ganhos políticos nos próximos anos.

Os holofotes atualmente podem estar voltados para as mazelas financeiras da Europa, mas na leitura chinesa o quadro mais amplo é o de que o endividamento e déficits crônicos dos EUA simbolizam seu relativo declínio. Agreguem a esse quadro as duas guerras que os EUA travam no exterior – uma das quais vem ficando candente e parece ser cada vez mais impossível de vencer – e o que vem à mente entre os líderes da China é a advertência do historiador Paul Kennedy sobre a “superextensão imperial”.

Com esse pano de fundo, a crescente assertividade da China não é surpresa para muitos. O conselho de Deng Xiaoping – “Esconda suas capacidades e aguarde seu momento” – não parece ser mais relevante. Hoje, a China não se sente tímida em mostrar sua capacidade militar e declarar-se em múltiplos fronts.

Como resultado, novas tensões surgem na relação entre China e Ocidente, o que ficou em clara evidência no encontro de cúpula de Copenhague sobre as mudanças climáticas, onde a China – maior poluidor do mundo, com a maior taxa de crescimento de emissões de gás carbônico – astutamente desviou-se das pressões ao esconder-se atrás dos países em desenvolvimento. Desde então, a China intensificou as tensões ao continuar manipulando o yuan chinês, mantendo um superávit comercial excepcionalmente alto e restringindo a entrada de bens industrializados de empresas estrangeiras em seu mercado doméstico.

Em questões de política e segurança, a China não despertou menos receios. Por exemplo, a expansão do papel naval da China e suas reivindicações marítimas ameaçam colidir com os interesses dos EUA, incluindo a ênfase tradicional dos americanos na liberdade dos mares.

A simples verdade é que as mazelas econômicas e militares dos EUA estão limitando suas opções de política externa perante a China. Os EUA parecem mais relutantes do que nunca em exercitar a alavancagem que ainda possuem para pressionar a China a corrigir políticas que ameaçam distorcer o comércio exterior e alimentar imensos desequilíbrios comerciais, além de desencadear maior concorrência por matérias-primas escassas.

Ao manter sua moeda subvalorizada e inundar os mercados mundiais com bens artificialmente baratos, a China segue uma política predatória de comércio externo. Isso mina mais a industrialização do mundo em desenvolvimento que a do Ocidente.

Ainda assim, os EUA evitam qualquer tipo de pressão sobre a China. A política atual dos EUA contrasta com a do país nos anos 70 e 80, quando o Japão emergiu como potência econômica mundial. O governo do Japão manteve o iene subvalorizado e ergueu barreiras encobertas aos bens externos, o que desencadeou fortes pressões – e coerções periódicas – pelos EUA em busca de concessões japonesas. Hoje, os EUA não têm como adotar a mesma abordagem com a China, em grande parte porque a China também é uma potência militar e política e porque os EUA dependem do apoio chinês em uma série de questões internacionais – da Coreia do Norte e Mianmar ao Irã e Paquistão. Em contraste, o Japão continuou uma potência econômica totalmente pacifista.

É de importância fundamental o fato de a China ter se tornado uma potência militar mundial antes de ser uma potência econômica. O poderio militar foi conquistado por Mao Tsé-tung, o que permitiu a Deng concentrar o esforços em expandir com rapidez a força econômica do país.

Sem a segurança militar criada por Mao, poderia não ter sido possível que a China desenvolvesse força econômica na escala que desenvolveu. Na verdade, o crescimento de 13 vezes da economia nos últimos 30 anos produziu recursos ainda maiores para a China afiar suas garras militares.

A ascensão da China, portanto, é tanto obra de Mao como de Deng. Porque se não fosse o poder militar chinês, os EUA tratariam a China como outro Japão.

doestadoanarquista

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