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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, julho 12, 2010
Esquerda Unida
A esquerda ganha quando soma, une
Fidel foi sempre quem mais bateu nessa tecla. Contra os dogmatismos, os sectarismos, os isolacionismos, ele sempre reiterou que “a arte da política é a arte de unificar”, que a esquerda triunfou quando soube ganhar setores mais amplos, quando unificou, quando soube desenvolver políticas de alianças.
Foi assim que os bolcheviques se tornaram maioria, ao apelar aos camponeses para que tomassem as terras, realizando seu sonho secular de terra própria, mesmo se isso parecia estar em contradição com os interesses do proletariado urbano, que se propunha a socializar os meios de produção. Foi assim na China, com a aliança com setores do empresariado nacional, para expulsar o invasor japonês e realizar a revolução agrária. Foi assim em Cuba, quando Fidel soube unificar a todas as forças antibatistianas para derrubar a ditadura. Foi assim na Nicarágua, com a frente antisomozista organizada pelo sandinismo.
Como se trata de políticas de alianças,é preciso perguntar-nos sobre os limites dessas alianças e como se conquista hegemonia nessas alianças.
A arte da construção da uma estratégia hegemônica está, em primeiro lugar, em organizar solidamente as forças próprias, aquelas interessadas profundamente no projeto de transformações da sociedade. No nosso caso, de superação do neoliberalismo e de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
O segundo passo é o de construir alianças com forças próximas, no nosso caso, com setores médios da sociedade, que tem diferenças com a grande massa popular, mas que podem somar-se ao novo bloco hegemônico, conforme as plataformas que se consiga elaborar.
Organizadas as forças próprias, somadas as aliadas, se trata de neutralizar as forças que não se somariam ao nosso campo, buscando isolar ao máximo as forças adversárias. Essa a arquitetura que pode permitir a vitória da esquerda, a organização do campo popular e a constituição de um novo bloco de forças no poder.
O sectarismo, o dogmatismo são caminhos de derrota segura. Afincar-se nos princípios, sem enfrentar os obstáculos para construir uma força vitoriosa, é ficar de bem consigo mesmo – “não trair os princípios”, defender a teoria contra a realidade -, centrar a ação na luta ideológica e não nas necessidades de construção política de uma alternativa vitoriosa. O isolamento e a derrota dessas vias no Brasil é a confirmação dessa tese.
Em uma aliança se perde a hegemonia quando se cede o essencial ao aliado, na verdade um inimigo a que se converte quem concede. FHC aliou-se ao então PFL, não para impor o programa do seu partido, mas para realizar o programa da direita – o neoliberal. Nessa aliança se impôs a hegemonia neoliberal. Uma força que se pretendia social democrata realizou um programa originalmente contraposto à sua natureza.
Lula fez uma aliança ampla – não apenas com o PMDB e outros partidos -, mas também com o capital financeiro, mediante a Carta aos brasileiros, o Meirelles no Banco Central e a manutenção do ajuste fiscal e do superávit fiscal, conforme as orientações levadas a cabo por Palocci. Neutralizou forças adversárias, que ameaçavam desestabilizar a economia, mediante ataque especulativo que já havia dobrado o valor do dólar durante a campanha eleitoral.
Ao longo do tempo, com as transformações operadas no governo, a hegemonia do projeto original do Lula foi se impondo. O tema do desenvolvimento passou a ser central, com um modelo intrinsecamente vinculado à distribuição de renda, ao mesmo tempo que a reinserção internacional se consolidou, privilegiando alianças com os governos progressistas da América Latina e com as principais forças do Sul do mundo. O Estado, por sua vez, voltou a ter um papel de indutor do desenvolvimento e de garantia das extensão das políticas sociais.
Os aliados políticos e econômicos continuaram a ter força e a ocupar espaços dentro do governo. A maioria parlamentar do PMDB ficou representada na política do agro negócio, os interesses do setor privado de comunicações, assim como os das FFAA – em três ministérios importantes no governo. Da mesma formal, a centralidade do capital financeiro no neoliberalismo garantiu uma independência de fato do Banco Central.
Esses espaços enfraqueceram a hegemonia do projeto original, mas permitiram sua imposição no essencial. O agronegócio teve contrapontos no Ministério de Desenvolvimento Agrário, a política de comunicações em iniciativas como a TV Brasil e a Conferencia Nacional de Comunicações, as FFAA no Plano Nacional dos Direitos Humanos, o Banco Central em ações indutoras sobre a taxa de juros e no papel determinante que políticas com o PAC, o Minha casa, minha vida.
As fronteiras das alianças e a questão da hegemonia provocaram tensões permanentes, pelos equilíbrios instáveis que provocam essas convivências. Mas, como se sabe, sem maioria no Congresso, o governo quase caiu em 2005. A aliança com o PMDB – com as contrapartidas dos ministérios mencionados – foi o preço a pagar para a estabilidade política do governo.
Um dos problemas originários do governo Lula foi que ele triunfou depois de uma década de ofensiva contra o movimento popular, que passou a uma situação de refluxo, tendo como um dos resultados a minoria parlamentar e de governos estaduais com que o governo Lula teve que conviver, mesmo depois da reeleição de 2006.
Por isso uma das disputas mais importantes este ano é o da correlação de forças no Parlamento, para garantir para um governo Dilma uma maioria de esquerda no Congresso, com dependência menor ali e na composição do governo. Assim se disputam os limites das alianças e a hegemonia.
Diferença fundamental na política de alianças de FHC e de Lula é a questão da hegemonia, da política levada adiante. A prioridade das políticas sociais – que muda a face da sociedade brasileira –, a nova inserção internacional do Brasil, o papel do Estado e das políticas de desenvolvimento – dão o caráter do governo Lula. As alianças devem viabilizar sua centralidade. A correlação de forças das alianças está em jogo nas eleições parlamentares deste ano.
Foi um governo em permanente disputa, com duas etapas claramente delineadas (Veja-se o artigo de Nelson Barbosa no livro “Brasil, entre o passado e o futuro”, organizado pelo Marco Aurélio Garcia e por mim, publicado pela Boitempo e pela Perseu Abramo.), com o ajuste fiscal predominando na primeira, o desenvolvimento econômico e social na segunda. A coordenação do governo realizada pela Dilma representou exatamente essa segunda fase, de que o seu governo deve ser continuação. O que não significava que as tensões apontadas não permaneçam. Mas elas podem ser enfrentadas numa correlação de forças mais favorável à esquerda e em um marco de uma nova grande derrota da direita, que abre espaço para um avanço estratégico do projeto de construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana.
By: Emir Sader
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