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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 20, 2010

O ultimo suspiro do Império agora ou breve















Arriando a bandeira do século americano


Precisa ser arriada.

Em 1962, a historiadora Barbara Tuchman publicou um livro acerca do início da Primeira Guerra Mundial e o intitulou As armas de agosto ( The Guns of August ) . Chegou a ganhar um Pulitzer. Ela estava, é claro, recordando eventos que haviam ocorrido quase 50 anos antes e tinha à sua disposição documentos e informação não disponíveis aos que participaram da guerra. Eles atuaram, como disse o secretário de Defesa da era vietnamita Robert McNamara, no calor da guerra.
Então, como estamos nós neste agosto de 2010, com as armas pipocando numa guerra no Afeganistão enquanto tentamos nos safar de outra no Iraque? Onde estamos, enquanto impomos sanções sobre o Irã e a Coréia do Norte (e ameaçamos pior do que isso), enquanto mandamos nossas mais recentes maravilhas em armamentos, mecanismos automáticos equipados com bombas e mísseis, sobre as fronteiras tribais do Paquistão, Iêmen e quem sabe onde mais, encarregados de infindáveis "matanças dirigidas" que, em épocas mais duras, chamávamos de assassinatos? Onde exatamente estamos, enquanto continuamos a fortificar a maior parte do globo mesmo quando nosso país está incapacitado de pagar por serviços básicos?
Gostaria de ter uma bola de cristal em que pudesse espreitar para ver o que os historiadores dirão de nossas próprias armas em agosto de 2060. O calor da guerra, afinal de contas, é apenas uma metáfora para o que poderia ser chamado de "as brumas do futuro", a inabilidade dos humanos para descortinar o que o mundo virá a ser. Permitam-me não obstante tentar oferecer alguns vislumbres do que essa paisagem enevoada alguns anos no futuro poderá revelar, e mesmo arriscar algumas predições sobre as possibilidades que aguardam a América ainda imperial.
Começarei perguntando: Que danos sucederão aos Estados Unidos se realmente decidirmos, contra todas as probabilidades, fechar os milhares e milhares de bases, grandes e pequenas, que guarnecemos ao longo do mundo? O que ocorreria se realmente desmantelássemos nosso império e voltássemos para casa? Hordas como as de Genghis Khan desceriam sobre nós? Pouco provável. Não é nem mesmo concebível uma invasão por terra ou por mar aos EUA.
Ataques como o do 11 de setembro iriam se acelerar? Parece-me muito mais provável que, à medida em que nossa presença no estrangeiro encolhesse, a possibilidade de ataques assim encolheriam também.
Os vários países que invadimos, algumas vezes ocupamos, e tentamos colocar no caminho da justiça e da democracia degenerariam em "estados falidos"? Possivelmente alguns, e evitar ou controlar isso deveria ser a função das Nações Unidas ou dos estados vizinhos. (É bom lembrar que o regime cambojano assassino de Pol Pot acabou chegando ao fim não por nossa causa, mas por causa do vizinho Vietnam.)
Império cambaleante
Em outras palavras, os piores medos que se poderia ouvir em Washington – se alguém se preocupasse minimamente em imaginar o que aconteceria se começássemos a desmontar nosso império – se mostrariam apenas quimeras. Seriam, na verdade, notavelmente parecidas com as funestas previsões nos anos 70 sobre os estados em toda a Ásia, então na África, e assim por diante caindo, como dominós, sob a dominação comunista se não ganhássemos a guerra no Vietnam.
Como seria o mundo então se os EUA perdessem globalmente o controle – os maiores medos e as mais profundas reflexões de Washington acerca de nossa pretensiosa auto-apreciação – como está efetivamente acontecendo agora apesar de nossos melhores esforços? Como seria o mundo se os EUA apenas desistissem? O que nos aconteceria se não fôssemos mais a "única superpotência" ou a autonomeada polícia do mundo?
Na verdade, ainda seríamos um grande e poderoso estado-nação com uma miríade de problemas internos e externos. Uma crise de drogas e imigração em nossa fronteira sul, custos de saúde subindo, um sistema de educação se enfraquecendo, uma população envelhecendo, uma infraestrutura envelhecendo, uma recessão sem fim – nenhum dos quais terá solução no futuro próximo, e nenhum dos quais tem possibilidade de ser atacado de modo sério e bem sucedido enquanto continuarmos a gastar nossa riqueza em exércitos, armamentos, guerras, ocupação global e subornos a ditadores insignificantes.
Mesmo sem nossa interferência, o Oriente Médio continuaria a exportar petróleo, e se a China estivesse comprando uma parcela cada vez maior do que permanece inexplorado naqueles países, talvez isso nos estimulasse a uma conservação maior e nos levasse mais rapidamente à era das energias alternativas.
Potência emergente
Enquanto isso, se desmantelarmos ou não nosso império, a China se tornará (se já não é) a próxima superpotência mundial. Ela, também, enfrenta uma série de problemas internos, incluindo muitos dos mesmos que temos. Entretanto, tem uma economia em crescimento, uma balança de pagamentos favorável frente ao resto do mundo (particularmente os EUA, que está atualmente enfrentando um déficit comercial anual com a China de US$ 227 mil milhões) e um governo e uma população determinados a transformar o país num estado poderoso e economicamente dominante.
Cinqüenta anos atrás, quando comecei minha carreira acadêmica como especialista em China e Japão, fiquei fascinado pela história moderna desses países. Meu primeiro livro tratou do modo como a invasão japonesa da China nos anos 30 impulsionou Mao Tse Tung e o Partido Comunista Chinês rumo ao poder, graças à resistência nacionalista aos invasores estrangeiros. Incidentalmente, não é difícil encontrar exemplos deste processo, no qual um grupo político local chega ao poder porque lidera a resistência a tropas estrangeiras. No período imediato à Segunda Guerra Mundial, isso ocorreu no Vietnam, na Indonésia e na Malásia; com o colapso da União Soviética em 1991, ao longo de toda a Europa Oriental; e hoje certamente esta acontecendo no Afeganistão e provavelmente no Iraque também.
Quando começou a Revolução Cultural na China em 1966, perdi temporariamente o interesse no estudo do país. Eu pensava que sabia para onde a desastrosa reviravolta interna estava levando a China, e assim me voltei para o Japão, que estava então sendo bem conduzido em sua surpreendente recuperação da Segunda Guerra Mundial, graças ao crescimento econômico dirigido pelo estado, mas não de sua propriedade.
Esse padrão de desenvolvimento econômico, algumas vezes chamado de "estado desenvolvimentista", difere fundamentalmente tanto do controle da economia nos moldes soviéticos quanto da abordagem laissez-faire dos EUA. A despeito do sucesso do Japão, lá pelos anos 90 sua burocracia crescentemente esclerosada havia levado o país a um prolongado período de deflação e estagnação. Ao mesmo tempo, a Rússia pós-soviética, por um curto período atrelada ao aconselhamento econômico norte-americano, viu-se cativa dos rapaces oligarcas que desmantelaram o comando da economia somente para enriquecerem a si próprios.
Na China, o líder do Partido Comunista Deng Xiaoping e seus sucessores puderam observar os acontecimentos no Japão e na Rússia, aprendendo com ambos. Eles claramente adotaram os aspectos efetivos dos dois sistemas para sua economia e sua sociedade.Com um pouco de sorte, na economia e em outros setores, e como continuação de sua atual liderança bem informada e racional, a China continuou a prosperar sem ameaçar nem seus vizinhos nem os EUA.
Imaginar que a China quereria iniciar uma guerra com os EUA – ainda que sobre uma questão tão profundamente emocional quanto o status político de Taiwan – seria projetar para o país uma direção muito diferente daquela na qual está rumando atualmente.
Arriando a bandeira no século americano
Daqui a 35 anos, terá terminado oficialmente o século em que a América terá sido o chefão (1945-2045); sua época pode, de fato, estar acabando neste momento. Estamos começando a parecer cada vez mais uma versão gigante da Inglaterra no final de seu período imperial, na medida em que começamos a enfrentar, ainda que necessariamente não os resolvendo, o envelhecimento de nossa infraestrutura, nossa influência internacional declinante e nossa economia decadente. Poderia, até onde sabemos, ser ainda o século de Hollywood daqui a décadas, de modo que ainda pudéssemos agitar a superfície da cena cultural, do mesmo modo que a Inglaterra fez nos anos 60 com os Beatles e Twiggy. Turistas iriam sem dúvida visitar algumas de nossas maravilhas naturais e talvez algumas de nossas cidades menos imundas, em parte porque as taxas de câmbio do dólar possivelmente estariam favoráveis a eles.
Se, todavia, decidíssemos desmantelar nosso império de bases militares e redirecionar nossa economia para indústrias produtivas, e não mais destrutivas; se mantivéssemos nossas forças armadas voluntárias principalmente para defender nossas próprias costas (e talvez para serem usadas sob o comando das Nações Unidas); se começássemos a investir em nossa infraestrutura, educação, saúde pública e poupança, então poderíamos ter a possibilidade de nos reinventar como uma nação normal e produtiva. Infelizmente, não vejo isso acontecendo. Escrutinando este nebuloso futuro, simplesmente não consigo imaginar os EUA desmantelando voluntariamente seu império, o que não significa que, como todas as fortificações imperiais, nossas bases não acabem algum dia.
Ao invés disso, prevejo os EUA à deriva, da mesma forma que a administração Obama parece estar à deriva na guerra do Afeganistão. A opinião corrente entre os economistas hoje é que o alto desemprego deve permanecer por mais uma década. Acrescente-se a isso o baixo investimento e a contenção de gastos (exceto talvez os gastos do governo) e eu temo que T.S. Elliot tivesse razão quando escreveu: "É assim que o mundo termina, não com um estrondo, mas com um gemido".
Tenho sido sempre um analista político e não um ativista. Esta é uma das razões porque por um breve tempo tornei-me consultor do principal ramo analítico da CIA, e porque eu agora prefiro sair da Agência. Não somente a CIA perdeu sua razão de ser ao permitir que sua coleta de inteligência se contaminasse politicamente, mas suas operações clandestinas criaram um clima de impunidade no qual os EUA podem assassinar, torturar e aprisionar pessoas à vontade em todo o mundo.
Da mesma forma que perdi o interesse na China quando a liderança daquela país se dirigiu de maneira tão cega para o caminho errado durante a Revolução Cultural, temo estar perdendo o interesse em continuar a analisar e dissecar as perspectivas para os EUA nos próximos anos. Aplaudo os esforços de jovens jornalistas de dizerem as coisas como elas são, e os dos acadêmicos em juntarem informações que um dia capacitarão historiadores a descrever onde e quando nos perdemos. Admiro especialmente as percepções do lado de dentro, como aquelas dos ex-militares como Andrew Bacevich e Chuck Spinney. E reverencio os homens e mulheres dispostos a arriscar suas carreiras, salários, liberdade e mesmo vida para protestar – como os padres e freiras do SOA Watch, que fazem piquetes regulares na School of the Americas e chamam atenção para a presença de bases militares e o mau comportamento americano na América do Sul.
Estou também impressionado com Pfc. Bradley Manning, se ele é na realidade a pessoa responsável pela potencial liberação ao público de 92 mil documentos secretos sobre a guerra no Afeganistão. Daniel Ellsberg estava há tempo esperando que alguém fizesse o que ele próprio fez quando liberou os Documentos do Pentágono durante a guerra do Vietnam. Ele deve ter se surpreendido com a resposta a este chamado – e de maneira tão improvável.
Meu próprio papel nesses últimos 20 anos foi o de Cassandra, a quem os deuses concederam a dádiva de prever o futuro, mas também amaldiçoaram com o fato de que ninguém acreditaria nela. Eu gostaria de ser mais otimista sobre o que está reservado para os EUA. Mas não há um só dia em que nossas próprias armas de agosto não continuem a me assombrar.

[*]Autor de Blowback (2000), The Sorrows of Empire (2004), Nemesis: The Last Days of the American Republic (2006), Dismantling the Empire: America's Last Best Hope (2010) e outros livros .
O original, em inglês, encontra-se em: Lowering the Flag on the American Century
Tradução de RMP.

Esta tradução foi extraída de: Resistir.info.

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