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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Não, não é piada: Brasil importou 1 bilhão de álcool dos EEUU

Etanol importado dos EUA para o país dispara em 3 anos: 54.900%
Desnacionalização, monopolização e câmbio arrasam a produção nacional de etanol e fazem o de milho invadir o Brasil
    Em 2011, o país importou 1 bilhão e 100 milhões de litros de etanol de milho dos EUA, um aumento de 1.384,8% em relação a 2010.
Nesse ano (2010), o ex-ministro Delfim Netto, com aquela verve que às vezes lhe caracteriza, disse aos empresários da Federação de Comércio de São Paulo:
... parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos EUA...” (ver HP, 23/11/2010).
Delfim provocou frouxos de risos entre os empresários. Era muito absurda a ideia de que um país que cultiva cana-de-açúcar há 500 anos, que até foi o primeiro a introduzir seus derivados no mercado mundial, que tem 2,9% de sua imensa área agricultável ocupada pela cana, e que há 40 anos inventou o uso do álcool como combustível automotivo, pudesse importar etanol de milho dos EUA – até porque o custo de produção deste é bem maior que o nosso: como apontou o diretor da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães, para produzir a mesma quantidade de etanol, a produção a partir do milho dispende, no mínimo, oito vezes mais energia do que a produção a partir da cana.
Infelizmente, o ovo da serpente bêbada já tinha saído da casca: naquele mesmo ano de 2010, o Brasil importou 74,084 milhões de litros de etanol de milho dos EUA, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX). Não era muito significativo, quando comparado ao nosso consumo, mas era um sinal.
Agora, em 2011, aumentamos em 1.384,8% as importações de etanol dos EUA, alcançando 1,1 bilhão de litros. Um verdadeiro grande salto para trás.
Num país como o nosso, levantar que o problema foram as condições climáticas parece piada numa cultura, como a cana-de-açúcar, que existe do Sul ao Nordeste. E, antes que alguém (na verdade, já aconteceu) levante que esse é um grande negócio para o Brasil, pois ao mesmo tempo que importamos etanol dos EUA, também exportamos para lá (?!), observemos que as exportações de etanol do Brasil, de 2008 a 2011, caíram nada menos do que 70% - de 4,7 bilhões de litros para 1,4 bilhão de litros (cf.  UNICA, Marcos Jank, “The rise of ethanol imports: trends in Brazil’s ethanol market”, set./2011, p. 23).
Enquanto isso, as importações de etanol, que eram desprezíveis em 2008 (2 milhões de litros) cresceram para 1,1 bilhão de litros em 2011. Ou seja, de 2008 a 2011, cresceram 54.900% e estão quase empatando com as exportações (cf. UNICA, trab. cit., mesma p.).
A SECEX informa de onde vêm essas importações: 97,6% delas vêm dos EUA.
O que aconteceu com o setor de etanol, que há poucos anos era uma verdadeira grife brasileira, um anunciado e já carimbado passaporte para o futuro?
Primeiro, ele foi brutalmente desnacionalizado. Na apresentação da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) que acabamos de citar, realizada nos EUA, isso aparece com o nome nada sutil de “strong consolidation”: a Shell é agora proprietária da Cosan e da NovaAmérica; a British Petroleum é agora dona da CNAA e da Tropical Bioenergia; a Bunge tomou o Grupo Moema; a Louis Dreyfus tomou o Grupo Santa Elisa; o Noble Group levou o Grupo Cerradinho; a Shree Renuka Sugars pegou o Grupo Equipav; a Tereos tomou parte do Grupo Guarani, a Vertente e a Mandu (cf. “The rise of ethanol imports: trends in Brazil’s ethanol market”, p. 10).
Dos grupos e empresas importantes no setor, só não são estrangeiros a ETH, que pertence aos monopolistas da Odebrecht, a São Martinho, que a Petrobrás adquiriu, e a sociedade da mesma Petrobrás com os franceses da Tereo, no Grupo Guarani.
Notemos que o setor de etanol cresceu 10,4% ao ano de 2003 a 2008. Depois da desnacionalização, o crescimento anual caiu para 3,6% de 2009 a 2011, período em que o aumento da frota de carros flex atingiu 40% (UNICA, op. cit., p. 7 e 8).
Multinacionais são sempre monopólios. Investem o mínimo para lucrar mais. Assim, o que elas fizeram foi se apoderar do que as empresas brasileiras já tinham construído – a construção de novas usinas, que havia crescido de nove (2005) para 19 (2006), 25 (2007) e 30 (2008) caiu para 19 (2009), 10 (2010) e 5 (2011). Portanto, deixaram de investir, apesar da generosidade do BNDES com essas multinacionais.
Mas não foi um mecanismo econômico inconsciente que estrangulou a produção nacional de etanol. Segundo o sr. Paulo Costa, secretário-executivo da IETHA (International Ethanol Trade Association – a entidade das multinacionais do setor), “a concentração e consolidação do segmento em mãos de empresas financeiramente sólidas e melhor conhecedoras dos fundamentos de mercado fizeram com que o consumo fosse administrado através de uma oferta controlada por preços elevados” (ver HP, 24/06/2011).
Em suma, o que houve foi monopólio, cartelização do setor. O sr. Costa, um ex-executivo da Cargill, não se referiu ao estancamento dos investimentos após a desnacionalização do setor. Mas isso faz parte do perfil de sua especialidade. Para que as multinacionais iriam investir? Para baixar o preço do etanol com o aumento da produção?
Por tudo isso, parece algo delirante a estimativa do presidente da UNICA, Marcos Jank, de que os estrangeiros construirão, até 2020, mais 120 usinas (cf. Jank e Perina, “O Movimento Mais Etanol”, OESP, 14/12/2011).
Porém, mesmo que as multinacionais fizessem isso, em oito anos isso significaria apenas 15 novas usinas por ano – um número, portanto, inferior aos de 2006, 2007 e 2008.
Segunda questão: o câmbio. Com as taxas de câmbio vis-à-vis o dólar que os altos juros provocam no Brasil, até importar etanol de milho dos EUA no país da cana-de-açúcar (e do etanol) torna-se vantajoso. Como o ex-ministro Delfim Netto já havia tocado na questão, resta-nos apenas enfatizar: se a Groenlândia tivesse esses juros e essa taxa de câmbio, alguma multinacional iria importar sorvete para vender aos esquimós.
CARLOS LOPES
*Gilsonsampaio

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