Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 08, 2012

O Brasil terminou o ano como sexta economia do mundo. Curiosamente, este fato despertou reações análogas tanto à direita quanto à esquerda. Como se estivéssemos numa olimpíada, bateu-se na tecla de que isso não era motivo para ufanismos. Ora, isso é uma tautologia.
Flávio Aguiar 

Para encerrar esta pequena série, chamo a atenção para que o Brasil deve ficar atento... ao Brasil.
Isso significa, em termos internacionais, prestar atenção ao que vai ao seu derredor imediato, a América do Sul, o Mercosul, a Unasul, o conjunto da América Latina. As iniciativas são boas na área, mas ainda parecem, pelo menos para quem olha de longe, estarem pouco consolidadas. Com isso quero dizer que, por exemplo, um retrocesso no governo brasileiro, com a eleição da direita, quase certamente provocaria retrocessos de monta em todas essas iniciativas. É necessário e urgente aprofundá-las todas, para que se tornem – e aqui vai um termo tão caro, no passado, às direitas as mais violentas do nosso país – “irreversíveis”.
Não duvido que uma parte do empresariado brasileiro esteja convicta de que essas iniciativas devam sobreviver a uma troca de governo. Mas também não duvido que parte – aliás, a maior parte – da nossa direita política vai querer capitalizar o ressentimento anti-Lula e anti-Dilma com promessas de reverter, também no plano internacional, as suas iniciativas. Isso significa voltar ao leito (ao leite, talvez) da subserviência mitigada ao Ocidente, Estados Unidos em particular.
Mas isso não basta. É necessário atentar também para a relativamente nova posição do Brasil no (des)concerto das nações.
O Brasil terminou o ano como sexta economia do mundo. Curiosamente, este fato despertou reações análogas tanto à direita quanto à esquerda. Como se estivéssemos numa olimpíada, bateu-se na tecla de que isso não era motivo para ufanismos. Ora, isso é uma tautologia. É óbvio que o nosso país continua com graves deficiências em muitos setores, da educação à infra-estrutura, e também da proteção industrial (o que envolve mais investimentos em inovação) e promoção cultural, por exemplo. E que a desigualdade, embora diminuída, segue gritante.
Mas de repente, por exemplo, vozes da direita descobriram que o salário mínimo em nosso país é muito baixo! É, é verdade. Mas está aumentando. E tudo se passa, para essas vozes, como se na mídia e fora dela, no passado recente, não houvesse acontecido uma campanha feroz para destruir o que tínhamos e temos de legislação trabalhista, envolvendo, entre outras coisas, escapachar o salário mínimo (sem falar no seu fim), e de sua influência no restante da renda assalariada no país – exatamente o que agora se faz, manu econômica, na Europa do Consenso de Bruxelas. À esquerda, ouvem-se vozes repetir mais ou menos o mesmo, e que, pelo menos, é o que sempre disseram, só que agora talvez com um tom maior de rabugice diante dos sucessos – ainda que modestos – dos governos Lula e Dilma até o momento.
O problema de ser a sexta economia do mundo não é o de ver nisto a panacéia para nossos problemas internos. É não ver o desafio externo que isso representa, com dois vieses. O primeiro é a demonstração inequívoca do anacronismo da ordem mundial, que vai desde a repartição de poderes no FMI ao Conselho de Segurança da ONU. Mas isso, se é uma boa notícia para o Brasil, também é uma complicação, pois significa que vai aumentar a resistência à ampliação da presença brasileira nos espaços internacionais por parte das grandes potências.
Isso se deve ao segundo viés: o Brasil segue sendo o porta-voz preferencial dos emergentes e do terceiro mundo. Ou seja, ele (ainda) não pertence ao clube do fraque e cartola da política internacional. Vai aumentar a pressão para que a política do país se torne “responsável”, ou seja, que passe a aceitar a cooptação pelas grandes potências.
Se isto provocar inflexões na nossa política externa, estará se reforçando a retórica interna das oposições, de realinhamento com o Ocidente. Com os retrocessos acima descritos e temidos. Quod erat demonstrandum.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
*GilsonSampaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário