Racismo no Distrito Federal
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Dilma manda investigar morte de seu secretário Por determinação da presidente da República, o Ministério da Saúde constatará se houve omissão no atendimento de Duvanier Paiva, que morreu de infarto depois de percorrer três hospitais
A presidente Dilma Rousseff determinou ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que investigue a acusação de negligência no atendimento ao secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, 56 anos. Ele morreu na madrugada de quinta-feira, depois de sofrer um infarto no miocárdio e de ter o atendimento negado por dois hospitais particulares de Brasília — o Santa Lúcia e o Santa Luzia, que não eram credenciados ao plano de saúde dele, da Fundação de Seguridade Social (Geap). Como ele e a mulher, Cássia Gomes, que o acompanha, estavam sem dinheiro e sem talão de cheque, acabaram indo a um terceiro hospital, o Planalto, no qual Duvanier morreu na recepção, enquanto a ficha de internação era preenchida.
Segundo o Ministério da Saúde, devido à gravidade do caso, o atendimento a Duvanier ou a qualquer outro cidadão não poderia ter sido negado. Mas, para checar exatamente o que aconteceu, o órgão pediu à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que faça diligências nos três hospitais pelos quais o secretário de Recursos Humanos do governo Dilma passou — processo que começou ontem. A meta é apurar as condições de atendimento impostas pelos estabelecimentos e o porquê de eles terem sido descredenciados pela Geap sem que a reguladora fosse informada. “Se isso ocorreu, fere uma determinação da agência”, informou a ANS, por meio da assessoria de imprensa. A agência destacou que as operadoras têm autonomia para credenciar ou desligar médicos e clínicas livremente, mas o desligamento de hospitais deve ser comunicado previamente.
Outro ponto averiguado pela ANS será a exigência de cheque-caução pelos hospitais para fazer o atendimento, o que é proibido pela reguladora. Essa suspeita também será investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal, que abriu inquérito para apurar a omissão de socorro. “Nenhum serviço ou profissional de saúde pode negar socorro, inclusive com sentenças jurídicas já estabelecidas a este respeito”, afirmou o Ministério da Saúde, em nota. Com base nas denúncias, a pasta fez contato com o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), que já abriu procedimento de apuração de responsabilidade dos hospitais e de seus funcionários.
Dever
Na avaliação de Trajano Souza de Melo, promotor de defesa do consumidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), nos casos de emergência médica, quando a vida do paciente está em perigo iminente, é dever de qualquer hospital, seja ele conveniado ou não ao plano de saúde, prestar o atendimento necessário até que a pessoa esteja fora de risco. Isso não exime a família ou o Estado de pagar pelo serviço, mas todas as questões relativas ao acerto financeiro devem ficar em segundo plano, até que o atendimento seja prestado.
“As circunstâncias em que o paciente chega ao hospital são muito importantes nesses casos. Os estabelecimentos da rede privada têm o direito de cobrar daqueles cujo plano não seja credenciado. Mas, em situações de emergência, o atendimento tem que vir em primeiro lugar”, ponderou o promotor. Ele destacou ainda ser fundamental que os beneficiários tenham sempre em mãos dados atualizados sobre a rede credenciada das operadoras contratas, para evitar surpresas em uma situação de urgência.
Marisa Makiyama, diretora técnico-assistencial do Santa Luzia, disse que, após um levantamento interno, não constatou a entrada de Duvanier na emergência do hospital na madrugada de quinta-feira. “Para tanto, foram checadas as imagens do circuito interno de TV, bem como os registros telefônicos e feitos contatos com funcionários que estavam de plantão”, afirmou. A câmeras serão periciadas pela Polícia Civil. O superintendente jurídico do Hospital Santa Lúcia, Gustavo Marinho, negou que tenha havido recusa de atendimento e reforçou que o hospital não exige caução de pacientes em situação de emergência.
Dilma manda investigar morte de seu secretário Por determinação da presidente da República, o Ministério da Saúde constatará se houve omissão no atendimento de Duvanier Paiva, que morreu de infarto depois de percorrer três hospitais
» GUSTAVO HENRIQUE BRAGA
» GABRIEL CAPRIOLI
» CRISTIANE BONFANTI
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A presidente Dilma Rousseff determinou ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que investigue a acusação de negligência no atendimento ao secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, 56 anos. Ele morreu na madrugada de quinta-feira, depois de sofrer um infarto no miocárdio e de ter o atendimento negado por dois hospitais particulares de Brasília — o Santa Lúcia e o Santa Luzia, que não eram credenciados ao plano de saúde dele, da Fundação de Seguridade Social (Geap). Como ele e a mulher, Cássia Gomes, que o acompanha, estavam sem dinheiro e sem talão de cheque, acabaram indo a um terceiro hospital, o Planalto, no qual Duvanier morreu na recepção, enquanto a ficha de internação era preenchida.
Segundo o Ministério da Saúde, devido à gravidade do caso, o atendimento a Duvanier ou a qualquer outro cidadão não poderia ter sido negado. Mas, para checar exatamente o que aconteceu, o órgão pediu à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que faça diligências nos três hospitais pelos quais o secretário de Recursos Humanos do governo Dilma passou — processo que começou ontem. A meta é apurar as condições de atendimento impostas pelos estabelecimentos e o porquê de eles terem sido descredenciados pela Geap sem que a reguladora fosse informada. “Se isso ocorreu, fere uma determinação da agência”, informou a ANS, por meio da assessoria de imprensa. A agência destacou que as operadoras têm autonomia para credenciar ou desligar médicos e clínicas livremente, mas o desligamento de hospitais deve ser comunicado previamente.
Secretário de Recursos Humanos do Planejamento, Duvanier Paiva tinha 56 anos |
Outro ponto averiguado pela ANS será a exigência de cheque-caução pelos hospitais para fazer o atendimento, o que é proibido pela reguladora. Essa suspeita também será investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal, que abriu inquérito para apurar a omissão de socorro. “Nenhum serviço ou profissional de saúde pode negar socorro, inclusive com sentenças jurídicas já estabelecidas a este respeito”, afirmou o Ministério da Saúde, em nota. Com base nas denúncias, a pasta fez contato com o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), que já abriu procedimento de apuração de responsabilidade dos hospitais e de seus funcionários.
Dever
Na avaliação de Trajano Souza de Melo, promotor de defesa do consumidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), nos casos de emergência médica, quando a vida do paciente está em perigo iminente, é dever de qualquer hospital, seja ele conveniado ou não ao plano de saúde, prestar o atendimento necessário até que a pessoa esteja fora de risco. Isso não exime a família ou o Estado de pagar pelo serviço, mas todas as questões relativas ao acerto financeiro devem ficar em segundo plano, até que o atendimento seja prestado.
“As circunstâncias em que o paciente chega ao hospital são muito importantes nesses casos. Os estabelecimentos da rede privada têm o direito de cobrar daqueles cujo plano não seja credenciado. Mas, em situações de emergência, o atendimento tem que vir em primeiro lugar”, ponderou o promotor. Ele destacou ainda ser fundamental que os beneficiários tenham sempre em mãos dados atualizados sobre a rede credenciada das operadoras contratas, para evitar surpresas em uma situação de urgência.
Marisa Makiyama, diretora técnico-assistencial do Santa Luzia, disse que, após um levantamento interno, não constatou a entrada de Duvanier na emergência do hospital na madrugada de quinta-feira. “Para tanto, foram checadas as imagens do circuito interno de TV, bem como os registros telefônicos e feitos contatos com funcionários que estavam de plantão”, afirmou. A câmeras serão periciadas pela Polícia Civil. O superintendente jurídico do Hospital Santa Lúcia, Gustavo Marinho, negou que tenha havido recusa de atendimento e reforçou que o hospital não exige caução de pacientes em situação de emergência.
Ministra Luiza Bairros: "É válido que se levante essa possibilidade. Isso (o racismo) é uma realidade"
NEGLIGêNCIA »
Suspeita de discriminação Ministra da Igualdade Racial diz que o fato de a vítima ser negra pode ter influenciado para que não fosse socorrida. Ela quer que a Polícia Civil investigue o caso, que considerou "mais do que lamentável"
A ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), pedirá que a Polícia Civil do Distrito Federal inclua nas investigações sobre a morte do secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, a possibilidade de discriminação racial. Em entrevista ao Correio, ela afirmou que, em um caso como o do secretário, que era negro, a suspeita de racismo, mencionada por representantes do governo, é sempre procedente.
“É válido que se levante essa possibilidade. Até porque, há muito tempo, vem se colocando e se denunciando o tipo de tratamento discriminatório que as pessoas negras recebem no Brasil. Isso é uma realidade”, disse. Duvanier morreu na madrugada de quinta-feira, aos 56 anos, após sofrer um infarto agudo do miocardio e ter atendimento médico negado em dois hospitais particulares de Brasília, pelo fato de o seu convênio (a Geap) não ser aceito e por não possuir um talão de cheques em mãos.
A ministra considerou a morte do secretário “mais do que lamentável”. “Em se comprovando uma dimensão racial nesse caso, haveria uma indicação muito forte de que, na verdade, o racismo não está associado à condição econômica”, afirmou Luiza. A seu ver, diante da negação de direitos à população negra, o próprio Estado tem se preocupado em criar mecanismos que coloquem um ponto final nas discriminações.
Uma das medidas recentes foi a assinatura de um acordo de cooperação entre a Secretaria e o Ministério da Saúde, em outubro do ano passado. A parceria, a ser desenvolvida ao longo deste ano, prevê, além da divulgação de peças publicitárias no ambiente do Sistema Único de Saúde (SUS), a definição de uma estratégia para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. “A política leva em conta, inclusive, o fato de que essas ocorrências cardíacas também são prevalecentes entre os negros e que isso deve ser observado nos serviços de saúde”, ressaltou a ministra. Ela admitiu, no entanto, que o governo precisa avançar no combate ao racismo. “Isso, na verdade, é um processo. Estamos num caminho que, absolutamente, não tem volta.”
Luiza ressaltou que, ao presenciar uma atitude de discriminação no ambiente hospitalar, o primeiro passo que a família precisa dar é fazer uma denúncia em uma delegacia. Mas há outros meios de combater o crime, como também registrar reclamações na própria ouvidoria da Secretaria da Igualdade Racial.
TransplantesProfessor do Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília e coordenador do sistema de cotas da instituição, Ivair dos Santos lembrou que, além dos problemas cardíacos, o negro sofre quando precisa de outras intervenções avançadas da medicina. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, a cada 10 transplantes de órgãos no Brasil, negros, pardos e indígenas são beneficiados com apenas duas operações médicas. “No SUS, a questão da saúde da população negra é uma das mais delicadas. Há um reconhecimento claro de que os negros têm tratamento diferenciado. E quem mais sofre é a mulher negra. Temos relatos de muitas que vão fazer tratamento ginecológico e nem sequer são tocadas”, exemplificou.
Na avaliação de Santos, a despeito das iniciativas do governo, a discriminação no sistema de saúde só tende a aumentar. “A classe média negra está crescendo. Mas os profissionais não estão acostumados a ver um negro pedindo atendimento. Os serviços não estão habituados a recebê-lo”, disse. Em nota, o Ministério da Saúde reforçou que “condena qualquer prática de racismo institucional”.
Violação dos direitosNo Distrito Federal, a morte do secretário Duvanier Paiva Ferreira também mobilizou a secretária da Promoção da Igualdade Racial do governo local, Josefina Serra. Ontem, na reunião interna que ela realiza às sextas-feiras, as denúncias de possibilidade de racismo no atendimento prestado a Duvanier foram o tema principal. Em nota, ela classificou o episódio como uma violação aos direitos humanos e informou que pediu que o caso seja apurado por meio do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF.
Suspeita de discriminação Ministra da Igualdade Racial diz que o fato de a vítima ser negra pode ter influenciado para que não fosse socorrida. Ela quer que a Polícia Civil investigue o caso, que considerou "mais do que lamentável"
Cristiane Bonfanti
Ministra Luiza Bairros: "É válido que se levante essa possibilidade. Isso (o racismo) é uma realidade" |
A ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), pedirá que a Polícia Civil do Distrito Federal inclua nas investigações sobre a morte do secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, a possibilidade de discriminação racial. Em entrevista ao Correio, ela afirmou que, em um caso como o do secretário, que era negro, a suspeita de racismo, mencionada por representantes do governo, é sempre procedente.
“É válido que se levante essa possibilidade. Até porque, há muito tempo, vem se colocando e se denunciando o tipo de tratamento discriminatório que as pessoas negras recebem no Brasil. Isso é uma realidade”, disse. Duvanier morreu na madrugada de quinta-feira, aos 56 anos, após sofrer um infarto agudo do miocardio e ter atendimento médico negado em dois hospitais particulares de Brasília, pelo fato de o seu convênio (a Geap) não ser aceito e por não possuir um talão de cheques em mãos.
A ministra considerou a morte do secretário “mais do que lamentável”. “Em se comprovando uma dimensão racial nesse caso, haveria uma indicação muito forte de que, na verdade, o racismo não está associado à condição econômica”, afirmou Luiza. A seu ver, diante da negação de direitos à população negra, o próprio Estado tem se preocupado em criar mecanismos que coloquem um ponto final nas discriminações.
Uma das medidas recentes foi a assinatura de um acordo de cooperação entre a Secretaria e o Ministério da Saúde, em outubro do ano passado. A parceria, a ser desenvolvida ao longo deste ano, prevê, além da divulgação de peças publicitárias no ambiente do Sistema Único de Saúde (SUS), a definição de uma estratégia para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. “A política leva em conta, inclusive, o fato de que essas ocorrências cardíacas também são prevalecentes entre os negros e que isso deve ser observado nos serviços de saúde”, ressaltou a ministra. Ela admitiu, no entanto, que o governo precisa avançar no combate ao racismo. “Isso, na verdade, é um processo. Estamos num caminho que, absolutamente, não tem volta.”
Luiza ressaltou que, ao presenciar uma atitude de discriminação no ambiente hospitalar, o primeiro passo que a família precisa dar é fazer uma denúncia em uma delegacia. Mas há outros meios de combater o crime, como também registrar reclamações na própria ouvidoria da Secretaria da Igualdade Racial.
TransplantesProfessor do Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília e coordenador do sistema de cotas da instituição, Ivair dos Santos lembrou que, além dos problemas cardíacos, o negro sofre quando precisa de outras intervenções avançadas da medicina. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, a cada 10 transplantes de órgãos no Brasil, negros, pardos e indígenas são beneficiados com apenas duas operações médicas. “No SUS, a questão da saúde da população negra é uma das mais delicadas. Há um reconhecimento claro de que os negros têm tratamento diferenciado. E quem mais sofre é a mulher negra. Temos relatos de muitas que vão fazer tratamento ginecológico e nem sequer são tocadas”, exemplificou.
Na avaliação de Santos, a despeito das iniciativas do governo, a discriminação no sistema de saúde só tende a aumentar. “A classe média negra está crescendo. Mas os profissionais não estão acostumados a ver um negro pedindo atendimento. Os serviços não estão habituados a recebê-lo”, disse. Em nota, o Ministério da Saúde reforçou que “condena qualquer prática de racismo institucional”.
Violação dos direitosNo Distrito Federal, a morte do secretário Duvanier Paiva Ferreira também mobilizou a secretária da Promoção da Igualdade Racial do governo local, Josefina Serra. Ontem, na reunião interna que ela realiza às sextas-feiras, as denúncias de possibilidade de racismo no atendimento prestado a Duvanier foram o tema principal. Em nota, ela classificou o episódio como uma violação aos direitos humanos e informou que pediu que o caso seja apurado por meio do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF.
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