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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, março 11, 2012



Homofobia avança com disfarces


O fenômeno representado pela homofobia aumenta pelo planeta
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e mostra as ambiguidades ético-morais presentes em estados laicos cujas constituições democráticas proclamam a igualdade e repudiam a discriminação derivada de orientação sexual. Chamo a atenção para dois recentes episódios discriminatórios, ambos disfarçados com tinta de matiz farisaica.
Dalla e Alemanno


Dalla e Alemanno
Um silêncio vergonhoso. A Igreja quase conseguiu sepultar o conhecimento de que Lucio Dalla, 69 anos, era homossexual e mantinha um relacionamento amoroso de mais de dez anos com o talentoso autor, ator, diretor teatral e fotógrafo pugliese Marco Alemanno, de 32 anos. Dalla nasceu e vivia em Bolonha 

(Wálter Fanganiello Maierovitch)
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Bolonha,Espanha
Uma das incivilidades ocorreu em Bolonha, por ocasião dos funerais na gótica Basílica de São Petrônio, do aclamado Lucio Dalla, cantor, compositor, poeta e arranjador musical. Numa Bolonha de arquitetura deslumbrante, com cem torres e 35 quilômetros de pórticos. 
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Onde foi fundada, em 1088, a primeira universidade do Ocidente e que rejeita, nas urnas, os candidatos de perfil filo-fascista. Dalla nasceu nessa cidade, como o cineasta Passolini e, no século XIV, o papa matemático Gregório XIII (1572-1585), autor do nosso calendário bissexto.
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Papa Gregório XIII
A outra ocorrência foi protagonizada pelo conselho representativo do centenário Club Athlético Paulistano (CAP) e vitimou um casal de médicos homossexuais, Ricardo Tapajós e Mário Warde Filho. 
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Ricardo Tapajós e Mário Warde Filho
Ao dar prevalência ao estatuto social, o CAP derrogou a Constituição republicana de 1988 e fez tábula rasa à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que, legitimamente, é o guardião da nossa Lei Maior.

Essa decisão surpreende. O clube conta no seu quadro associativo com destacados defensores do Estado de Direito e já teve, num passado recente, vultos que lutaram heroicamente pela prevalência constitucional. 
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Refiro-me à Revolução Constitucionalista de 1932, o maior movimento cívico da história desse estado bandeirante. 
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Esses antigos associados, acusados à época de separatistas pelos chamados “aliancistas” e membros do então partido Democrático de São Paulo, devem estar a afundar de vergonha nas suas covas em face da recente decisão de afronta à nossa Lei Magna.
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Com efeito. Lucio Dalla faleceu em 1º de março de 2011, durante uma turnê em Montreux (Suíça). Não deixou testamento, mas preparava a documentação para dar vida a uma fundação que seria um “laboratório para, pela música e pela arte, descobrir, preparar e lançar novos talentos”. Dalla, todos sabiam, mantinha uma relação afetiva de mais de dez anos com o talentoso artista Marco Alemanno, de 32 anos. 
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Lucio Dalla
Ele tinha fé cristã, vivia, como gostava de dizer, “in mezzo alla gente”. Era visto nos bares, restaurantes e até em igrejas a orar. Era devoto do popular Padre Pio, 
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Padre Pio, o  herdeiro espiritual de São Francisco de Assis
Nota do Blog
  Em 23 de setembro, a Igreja celebra a Memória de São Pio de Pietrelcina, frade capuchinho e sacerdote, que faleceu no ano de 1968.
É conhecido como o único sacerdote a portar os estigmas visíveis (que antes foram invisíveis), já que o Servo de Deus Pe. João Baptista Reus, jesuíta, também recebeu os invisíveis.
Esses dois santos têm muito em comum, tanto nos estigmas quanto na Missa. E viveram praticamente no mesmo período, sendo que o alemão feito brasileiro ( Pe. Reus), morreu na década de 40, 21 anos antes do Padre Pio.


considerado como falso taumaturgo pelo papa João XXIII, mas já conduzido à glória dos altares como santo da Igreja.
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Padre Pio
Por evidente, interessava à Igreja velar o corpo de Dalla: 30 mil pessoas passaram pela basílica para o último adeus. 
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Enterro de Lucio Dalla
E interessava a ponto de abrir exceção diante das rígidas proibições do tempo da Quaresma, onde santos são cobertos e celebrações suspensas. Diante da exceção aberta, exigências eclesiásticas restaram impostas, em especial o silêncio sobre a união estável Dalla-Alemanno. 
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Também não se pode tocar as músicas de Dalla: num dos seus sucessos, Caro Amico Ti Scrivo, consta que “cada um fará amor com quem quiser”. 
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Alemanno, declama a poesia em homenagem a Dalla
Outra exigência foi Alemanno passar como amigo de família. Assim, teve permissão para ler a poesia Le Rondine (As Andorinhas), do falecido convivente Dalla.
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Lucia Annunziata
A hipocrisia acabou desmontada pela jornalista Lucia Annunziata, que já presidiu a RAI, televisão estatal. Disse ela que os funerais estavam a representar um dos exemplos fortes do que significa ser gay, numa referência à Itália sob influência vinda do outro lado do Tevere, ou seja, da Santa Sé: “Enterra-se com rito católico desde que não se propale o fato de o falecido ter sido gay”. 
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Ratzinger
O papa Ratzinger já deixou patente a intolerância da Igreja, embora tivesse tentado consertar a colocação de considerar o homossexualismo uma doença. Esse caminho obscurantista ainda é trilhado no Brasil pelos evangélicos, que acabaram de receber o Ministério da Pesca para refrear o fanatismo, embora continuem a querer do governo postos psiquiátricos para reversão da orientação sexual considerada pecaminosa.
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Ministro Marcelo Crivella, da pesca
No caso do médico Tapajós, que não obteve sucesso na tentativa junto ao CAP de colocar como seus dependentes o companheiro e a filha deste, o juiz Zarvos Varellis, ao decidir a lide processual instaurada, lembrou que o STF reconhece como entidade familiar, à luz dos direitos fundamentais da Constituição, a união estável entre pessoas do mesmo sexo. 
Para o CAP, onde se quer que o estatuto prevaleça à Constituição, união estável só entre homem e mulher. Certamente, terão os conselheiros as bênçãos de Ratzinger e da bancada evangélica do nosso Parlamento. 
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A propósito, convém recordar o observado pelo desembargador Francisco de Paula Sena Rebouças, na sua recém-lançada obra Uma República Provincial (Ed. Manole), “somos herdeiros de uma cultura autocrática que, a partir do absolutismo monárquico, passou pelo mandonismo do senhor das terras e dos escravos, pela prepotência das botas e seus maquiavélicos tacões”.


Wálter Fanganiello Maierovitch
*MilitânciaViva

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