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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 06, 2012

NOVA CONFIRMAÇÃO: GOLPE DE 1964 COMEÇOU A SER PREPARADO EM 1961

O jornalista Jamil Chade, correspondente de O Estado de São Paulo na Europa, está publicando no seu blogue uma série de artigos sobre o que garimpou nos arquivos do governo suíço: documentos sigilosos relativos à quartelada de 1964 e os primeiros anos da ditadura militar no Brasil.

Além da contribuição para aclarar acontecimentos históricos, fica novamente comprovado que os conspiradores estavam organizando o golpe desde três anos e meio antes "e apenas esperavam o momento de maior fragilidade do governo de João Goulart para tomar o poder, com a menor resistência possível".

Chade infoma ter consultado "dezenas de correspondências entre diplomatas e ministros suíços", cuja importância como fonte histórica assim justifica:  
"O governo de Berna, por seu suposto caráter de neutralidade, era interlocutor de vários grupos políticos pelo mundo. No Brasil, tinha circulação fácil entre os militares e chegou a representar o regime perante o governo de Fidel Castro, em Cuba. Os arquivos suíços, portanto, são considerados por historiadores como um verdadeiro tesouro, diante da capacidade da diplomacia helvética de manter contato com diversos grupos políticos pelo mundo e de sua organização na manutenção dos documentos".
O jornalista revela, p. ex., que num telegrama de 24/05/1966, o embaixador suíço no Brasil Giovani Bucher (futuro sequestrado) informa ao chanceler Willy Spuhler (futuro presidente do seu país) ter ouvido de um personagem importante a seguinte confissão:
"O venerável marechal Denys (de origem valasiana) que foi um dos inspiradores da revolução de 1964 me confirmou que tudo estaria já pronto em 1961 e que foi de forma voluntária que os militares teriam esperado até o último momento para desencadear a revolução afim que o fracasso do regime Goulart fosse claro para todo o mundo".
Denys, que chegou a ser ministro da Guerra do Governo Jânio Quadros, tinha grande influência nos meios militares e colocou-a toda a servido do golpe, como um de seus principais artífices.

Daí a importância desta admissão, até porque ela veio ao encontro de muitas outras evidências de que já existia um esquema golpista pronto para atuar quando da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25/08/1961.

Mas, obrigado a agir precipitadamente, sem uma preparação adequada do cenário, fracassou face à firme resistência do governador gaúcho Leonel Brizola e dos movimentos de subalternos das Forças Armadas.

Colheu, entretanto, lições valiosas para a tentativa seguinte, como a de orientar as forças conservadoras e fascistóides a colocarem a classe média protestando nas ruas. Em 1961 não havia dado tempo para articularem nenhuma marcha de reaças, carolas e dondocas.

Segundo Chade, os diplomatas suíços, inicialmente simpáticos à quartelada, depois admitiram que "o novo governo militar havia criado um caos no Brasil maior que aquele que supostamente tentou evitar".

Os dois primeiros artigos da série podem ser acessados aqui e aqui.
*Naufragodautopia

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