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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 13, 2012

Para Haddad, PSDB é bola de ferro que prende país pelos pés

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Fernando Haddad, pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo não subestima o trabalho que terá para tentar romper a hegemonia do PSDB na capital paulista. “São Paulo tem um pensamento conservador muito consolidado (…). Se optar pela renovação, no entanto, irradiará rapidamente essa tendência para o país. O Brasil poderia mais, não fosse a âncora conservadora do PSDB de São Paulo. Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país”.
Maria Inês Nassif
Estreante nas lides eleitorais, o pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PT, Fernando Haddad, entra na disputa com as vantagens e desvantagens de ser um nome novo. A vantagem óbvia é não apenas o apoio, mas o comprometimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com sua candidatura – Lula articulou intensamente para que o PT paulistano o assumisse como candidato e será fundamental no processo eleitoral. Isso, o ex-ministro reconhece, é o mais importante. “Lula é (…) uma personalidade que tem a força e a frequência de um cometa, aparece a cada 70 anos”.
Haddad tem também o apoio da presidenta Dilma Rousseff, e muito menos a perder do que o possível candidato do PSDB à prefeitura, José Serra. “A perda dessa eleição, no caso do nosso adversário, seria uma derrota dura”, afirmou Haddad, em entrevista exclusiva à Carta Maior.
As desvantagens de sua candidatura são óbvias: um nome desconhecido, para ser apresentado ao eleitorado da maior metrópole da América Latina, precisa contar com os meios de comunicação de massa – e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) subtraiu essa oportunidade do PT, ao punir o partido com a proibição de veicular o horário de propaganda partidária. O PT foi condenado por usar o programa partidário para propaganda eleitoral no ano passado. Os demais partidos terão horário no primeiro semestre; Haddad ficará de fora até o início oficial do horário de propaganda eleitoral gratuita, que começa apenas em agosto.
A outra dificuldade também é a amarração de apoios à sua candidatura. Haddad garante que o único interesse do ex-presidente Lula no apoio à coligação com o PSD foi a filiação de Henrique Meirelles. “Se o Meirelles tivesse ido para o PMDB, o Lula iria atrás”, afirmou. “A hipótese de uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava”. Na avaliação do candidato, mais importante do que o apoio do PSD é manter o PT unido em torno de sua candidatura e fechar com os tradicionais aliados petistas – o PSB e o PSDB. A pesquisa eleitoral feita pelo Datafolha, divulgada no início do mês, que o colocou como lanterninha das pesquisas, dificultou as coisas. “As pesquisas foram mais importantes no jogo de barganhas do que propriamente no ânimo das pessoas envolvidas com a minha candidatura”, afirmou. “Aumentou o preço?”, pergunta a repórter. “Não é isso”, responde Haddad, rapidamente. Apenas os partidos postergaram as conversas, deixaram o acordo para depois, diz ele. “Mas nem sempre os apoios levam à vitória”, relativiza.
O pré-candidato petista não subestima o trabalho que terá para tentar romper a hegemonia do PSDB na capital paulista. “São Paulo tem um pensamento conservador muito consolidado (…) que sempre dá peso muito forte para qualquer plataforma do establishment”, analisa. Se optar pela renovação, no entanto, irradiará rapidamente essa tendência para o país. O Brasil poderia mais, não fosse a âncora conservadora do PSDB de São Paulo. “Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país”, concluiu.
Abaixo, a íntegra da entrevista do ex-ministro Fernando Haddad à Carta Maior:
CARTA MAIOR: O PT assimilou sua candidatura?
FERNANDO HADDAD: Acredito que sim. O processo foi muito bem conduzido e elogiado internamente. É curioso o argumento de que as prévias no PT não ocorreram por pressão. No PT, sempre teve pressão e sempre teve prévias. O Lula já perdeu prévias dentro do PT apoiando um candidato, já ganhou, ele próprio já enfrentou prévias. Isso é da cultura do partido. Óbvio que todo mundo sabe que isso tem consequências, mas ninguém abdica de disputar prévias quando entende ser o caso. A verdade é que, no final do processo, nós contávamos com o apoio da maioria dos militantes. Colhemos mais de 20 mil assinaturas para inscrição, quando eram necessária apenas 3 mil. Nós tínhamos o apoio de 7 dos 11 vereadores. O processo estava muito avançado.
CARTA MAIOR: O maior desconforto foi o namoro com o prefeito Gilberto Kassab?
HADDAD: Não chegou a ser namoro porque sequer houve uma aproximação formal. O que houve foram duas ou três conversas com dirigentes do PSD sobre uma remota possibilidade de o partido me apoiar – o que ocorreria se, e somente se, o [José] Serra [PSDB] não saísse e o PSDB se recusasse a apoiar o Afif, que era um cenário pouco provável. Eu sempre disse, desde que o assunto ganhou os jornais, que nós éramos a terceira prioridade do prefeito, que antes vinham o Serra e o Afif, e que a nossa prioridade é outra, são os partidos da base aliada do governo Dilma. Sempre ficou claro que ele [Kassab] iria caminhar para um lado e nós iríamos caminhar por outro.
CARTA MAIOR: O PT valorizava essa possibilidade, numa estratégia de romper a hegemonia do PSDB junto à classe média conservadora paulistana?
HADDAD: O interesse no PSD, ao meu ver, tem muito mais a ver com a filiação do [Henrique] Meirelles [ex-presidente do Banco Central], que foi ministro do governo Lula por oito anos. O presidente [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva] considerou que essa seria uma chapa interessante, complementar. Desde a vitória de 2002, quando compôs a chapa com José de Alencar [empresário e então filiado ao PL], isso sempre contou nas reflexões de Lula sobre a composição de chapa. Ele entendia que o Meirelles tinha um perfil muito interessante. Se Meirelles tivesse se filiado ao PMDB, Lula também iria atrás de uma composição. Nas conversas que tive com o presidente, a hipótese de ter uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava.
CARTA MAIOR: O Lula, então, não forçou a barra para uma aliança com o PSD?
HADDAD: Não, de forma alguma. Ele até recomendou cautela, com medo de que isso não fosse compreendido.
CARTA MAIOR: E o apoio dos pré-candidatos do PT que desistiram da prévia?
HADDAD: Acho que é muito importante o partido estar coeso em torno da campanha e nós todos em campo – o presidente Lula, Marta e todos do partido. Mas eu não reduziria a questão a isso. Há um conjunto de problemas a serem enfrentados. Nós fomos muito prejudicados pela questão da TV e praticamente não teremos inserção no primeiro semestre. Todos os outros partidos terão. Isso traz um prejuízo enorme para um estreante, que nunca disputou uma eleição, nunca teve programa de televisão. Nós temos que lidar com isso.
CARTA MAIOR: Como?
HADDAD: Nós estamos formulando programa de governo e circulando os bairros para colher subsídios. São dois dias de estudo fora do escritório, nos bairros, e três dias de estudo interno, em que eu recebo técnicos e acadêmicos para colher dados para a elaboração do programa – que, para a minha surpresa está indo bem demais. Acho que nós vamos chegar num diagnóstico e numa formulação para apresentar à cidade que seguramente até maio.
CARTA MAIOR: Você tem um diagnóstico preliminar da cidade?
HADDAD: Acho que os erros cometidos já estão diagnosticados. Por exemplo, no caso dos transportes, é evidente que não houve uma aceleração das obras do Metrô, apesar do aumento de investimento. Houve aumento de custos: o dinheiro adicional só serviu para pagar mais a mesma coisa, os mesmos dois quilômetros todo ano. Todo o sistema de transporte foi relegado a segundo plano: o Metrô está muito aquém do que o de qualquer outra metrópole, houve o abandono do sistema de ônibus e não se tem a compreensão de que São Paulo precisa de um sistema multimodal. E falta parceria com o governo federal. A adesão ao PAC Mobilidade traria muitos recursos para São Paulo, mas se dinheiro não chegou, foi por falta de interesse local.
CARTA MAIOR: A moradia de baixa renda hoje é um problema?
HADDAD: É um grande problema. São Paulo teve o pior momento nesse quesito. Nunca se produziu tão poucas moradias populares na cidade de São Paulo. Qualquer gestão, de direita ou de esquerda, não importa, produziu mais moradias do que as construídas nos últimos sete anos. Hoje a estimativa é de que 20 mil famílias estejam recebendo Bolsa Aluguel, mas sem perspectiva de casa própria, e logo deixarão de receber esses recursos porque existe um limite a partir do qual, por lei, a cidade não pode continuar pagando. Não há ofertas de moradias populares em São Paulo e a remoção de famílias de moradias precárias, em áreas de manancial e áreas de risco, deveriam ter sido combinadaa com um programa de construção de moradias, como o Minha Casa, Minha Vida. Isso não aconteceu.
CARTA MAIOR: Quais são suas vantagens em relação ao Serra?
HADDAD: Serra não fez uma reflexão sequer sobre a cidade quando disputou a prefeitura de São Paulo. Até porque estava de passagem, ele não se debruçou sobre as questões urbanas. Aliás, ele não tem reflexão sobre as questões urbanas. Como candidato que disputou cinco das últimas seis eleições, acho muito provável que ele tenha pretensões, se eleito, de disputar 2014. Estará de novo de passagem. E a cidade fica sempre como um degrau, um apoio para outras pretensões. São Paulo não suporta mais isso.
CARTA MAIOR: A questão é estar de passagem ou capacidade de pensar a longo prazo?
HADDAD: Na verdade, mesmo quando nós levamos em consideração a experiência do Serra no Ministério do Planejamento, nota-se que não se trata de uma pessoa que lida com facilidade com o planejamento. Ele não soube elaborar um plano plurianual. Isso era tarefa dele e quatro anos depois nós tivemos uma restrição de energia elétrica que foi a maior da história do país. Não houve planejamento de longo prazo lá e não haverá cá. Sem planejamento não se muda nada que é estrutural; muda-se a conjuntura, mas não a estrutura das coisas. É só comparar o que foi feito no setor elétrico por ele e pela Dilma [como ministra de Lula].
No caso do Plano de Desenvolvimento da Educação, que está até hoje em vigor, fizemos planejamento até 2021. Quando assumi o MEC, no segundo mandato do presidente Lula, lançamos um plano com metas delineadas até 2021 e dificilmente alguém vai revê-lo. Na cidade, não se sabe o que vai acontecer, não sabe sequer o que está acontecendo hoje [dia 5, segunda, início da greve de caminhões que terminou dia 8, quinta]. Durante a gestão de Marta Suplicy, eu trabalhava com [João] Sayad [na secretaria de Finanças]. Começamos a desenhar o que seria São Paulo dali algumas décadas: o sistema de transportes, a questão dos resíduos sólidos, iluminação pública, educação com os CEUS, tudo isso foi pensado estruturalmente, mas muitas dessas coisas foram abortadas a partir de 2004.
CARTA MAIOR: Como você interpretou a pesquisa Datafolha do início do mês?

HADDAD: Apesar de cientista político e acompanhar até com interesse as pesquisas, não consigo me sensibilizar com elas tanto tempo antes da eleição, sobretudo porque é a minha primeira eleição. Nessas alturas, elas têm muito mais impacto no jogo de barganha (o aliado pergunta, “o que garante que você vai estar bem daqui a seis meses?”) do que propriamente no ânimo das pessoas que estão envolvidas na minha candidatura.
CARTA MAIOR: As pressões aumentaram?
HADDAD: Não há pressão. Apenas as pesquisas postergaram alguns acordos.
CARTA MAIOR: O preço aumentou?
HADDAD: Não, não é isso. Na verdade, as pesquisas interditam as negociações por mais tempo. É um jogo de adiar, deixar as conversas para depois. Mas, enfim, o PT já concorreu sozinho, já concorreu coligado, já concorreu com chapa pura, já concorreu com um amplo espectro de apoio. E nem sempre o apoio leva à vitória. Em 2002, o presidente Lula não tinha tantos aliados e ganhou as eleições. Compôs depois com outros partidos, porque a democracia tem três turnos: o primeiro, o segundo e o governo. Em algum momento, ou nas eleições ou depois da posse, vai ser preciso fazer um acordo.
CARTA MAIOR: É uma tarefa possível quebrar a hegemonia do PSDB em São Paulo?
HADDAD: Aqui em São Paulo, essa é uma tarefa difícil em qualquer hipótese. Há aqui um pensamento conservador muito consolidado, historicamente saturado, que dá sempre um peso muito forte para qualquer plataforma do establishment. O candidato do establishment sempre vai ter muito apoio. É difícil romper o conjunto de forças midiáticas e econômicas que se une em torno do status quo.
CARTA MAIOR: Qualquer estratégia passaria pela sensibilização de parcela desse eleitorado?
HADDAD: Sim, e se isso acontecer abre-se caminho para a renovação. A conservação e a inovação sempre estão em jogo no Brasil. O governo do presidente Lula foi caracterizado pela inovação – teve erros e acertos, mas sempre inovou, em todas as situações: da política externa à política educacional, da moradia popular à reforma agrária, da política de crédito ao acúmulo de reservas cambiais, enfim, sempre fez coisas diferentes dos seus antecessores. Em São Paulo, o ritmo é sempre o da conservação. A metáfora dos dois quilômetros de metrô por ano dá a medida do que estou dizendo: serão necessários 65 anos para chegar ao que é hoje o metrô do México – mais de seis décadas para que cheguemos ao caos do México – no ritmo atual do governo do Estado. E não há uma indignação em relação a isso. As pessoas vão parando, demoram duas a três horas por dia se deslocando e as coisas vão sendo empurradas, sem que se discuta alternativas.
CARTA MAIOR: A quebra da hegemonia do PSDB em São Paulo mudaria muito o perfil político do Brasil?
HADDAD: Acho que mudaria. Primeiro, porque a alternância no poder é sempre boa – e nós não temos tido alternância. No Estado, o governo está com o PSDB há 20 anos. Isso não oxigena a máquina. Não é possível se reinventar o tempo todo. Outra coisa é que houve um sopro de renovação no Brasil que varreu boa parte do Nordeste, pensando em Jaques Wagner, Marcelo Déda, Eduardo Campos, Cid Gomes, para citar alguns; chegou ao Rio também: na minha opinião, Sérgio Cabral é uma boa novidade. É uma geração com ideias novas, com vontade de colocar o Brasil numa outra rota, de pensar o país grande. Aqui, o peso de uma renovação seria ainda maior. Se São Paulo irradiasse o novo, isso teria um efeito muito grande sobre o país. Hoje, São Paulo está estagnado. Se você pegar qualquer livro ou artigo sobre desenvolvimento nacional, o Brasil vai ser referência, mas se o livro for sobre metrópoles, São Paulo não é citado, a não ser pelos problemas que enfrenta.
Na gestão da Marta, as pessoas vinham conhecer o bilhete único, os CEUs, os corredores de ônibus. Estava começando um processo de rejuvenescimento da cidade, como Nova York, Santiago e Bogotá viveram, como Curitiba ao seu tempo, e como cidades na Ásia, sobretudo na Índia e na China, estão vivendo. Hoje, São Paulo tem pouco a ensinar, porque foram oito anos de muita calmaria, muito dinheiro arrecadado e pouco impacto na qualidade de vida da população. Da porta para dentro de casa o paulistano reconhece que sua vida melhorou, em função do que o governo Lula propiciou, mas da porta de casa para fora, onde o cara depende do poder local a vida ficou mais dura.
CARTA MAIOR: Qual a mensagem que você teria para todos os paulistanos? O que sensibilizaria a cidade como um todo? A questão da mobilidade?
HADDAD: A questão da mobilidade sem dúvida, que é onde o poder público está devendo demais. Há estagnação de investimentos. O ritmo de obra não vai dar conta. E a tendência, se o Brasil continuar crescendo, é piorar, porque as pessoas vão cada vez mais migrar para o transporte individual. Se o transporte público não responder, o cidadão vai dar a resposta, comprando um carro, uma moto, e resolvendo individualmente um problema que teria de ser resolvido de forma coordenada. É uma questão de vaso comunicante: melhorou a renda, comprou um carro. E vai tudo parando. O que está acontecendo do ponto de vista econômico é isso: as pessoas estão ganhando mais e saindo do transporte público por falta de anternativa. Isso vai continuar acontecendo se nada for feito e pouco está sendo feito na direção correta.
CARTA MAIOR: Este é o centro de seu programa?
HADDAD: Não. Considero que uma visão estratégica é fundamental. São Paulo não tem uma visão de longo prazo sobre si mesma. Nós temos um problema gravíssimo de centralização de serviços e oportunidades econômicas que não foi enfrentado até hoje. A cidade é uma megalópole com 31 subprefeituras esvaziadas do ponto de vista de poder resolutivo. A oferta de serviços públicos não é uniforme. Existe um problema de logística na cidade que não envolve só transporte, mas o investimento que está sendo feito. Não há uma política de descentralização e isso agrava o problema.
CARTA MAIOR: Que papel que o Lula vai ter nessa eleição? Você seria uma candidatura viável sem o Lula?
HADDAD: Essa pergunta é difícil de responder quando dirigida ao PT, imagina dirigida a mim. O Lula é um político único. Desde os meus 15 anos de idade, tudo o que vejo acontecer na política nacional está relacionado a ele: se vai ter eleição direta ou não, se vai ter constituinte exclusiva ou não, se vai ter reeleição ou não. A política toda gira em torno dele desde final dos anos 70 vai continuar girando. É a liderança em torno da qual orbitam os demais interesses. Falar do Lula é falar de uma personalidade que tem a força e a frequência de um cometa, é uma vez a cada 70 anos. Quem me convidou foi ele. Ele me sondou numa conversa em que eu disse que pretendia deixar o governo federal e voltar para São Paulo. “Olha, se você precisa renovar, vamos enfrentar São Paulo.” Lula me perguntou se eu queria – e respondi seria uma experiência extraordinária. Eu me encantei com a ideia de fazer uma gestão em São Paulo com a visão de longo prazo que São Paulo não tem, apesar de sua dimensão.
CARTA MAIOR: Você acha que os dois governos Lula serviram para quebrar aqui em São Paulo essa resistência ao prório Lula?
HADDAD: Nós temos que admitir: depois de oito anos de Lula a presidenta Dilma perdeu a eleição na cidade, mas ampliou em relação à eleição de 2008, em que a Marta teve 36%. Antes já havia ocorrido um refluxo. Nós ganhamos a eleição de 2000 na capital, ganhamos em 2002 e perdemos em 2004. Fizemos 39,5% em 2008, e em 2010, 46,5%. Se não fossem alguns episódios, a Dilma teria feito mais de 50%.
CARTA MAIOR: Você acha que existe uma medida preventiva contra uma onda conservadora? O episódio do kit gay foi um ensaio, não foi?
HADDAD: Esse é o típico não assunto: a liberação de uma emenda ao orçamento e a entrega de um material que foi considerado inadequado e não foi distribuído. Resume-se a isso o episódio. Escreveu-se mais do que isso do que o aumento da qualidade da educação no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), ou a expansão da educação profissional, ou a expansão da educação superior. Está tudo melhorando na educação, mas se passa meses discutindo um não evento. É incrível a capacidade da mídia de pautar não problemas, não assuntos, não eventos. A população não é informada do que é estrutural e realmente relevante.
CARTA MAIOR: É factível para o PSDB assumir um discurso agressivo, udenista, nessas eleições? O livro “Privataria Tucana” não pode inibir esse tipo de discurso?
HADDAD: O quanto a pessoa está disposta a perder o verniz é proporcional ao desespero de perder a eleição. E digamos que perder essa eleição, no caso do nosso adversário, representaria uma derrota dura. Eu não me surpreenderia se forças obscurantistas fossem mobilizadas, se o quadro lhe retirar o favoritismo que todos dizem que ele (Serra) tem. Daí o desespero bate. Nem todo mundo tem elegância ao participar do jogo eleitoral.
CARTA MAIOR: E você vai ser elegante?
HADDAD: Vamos pegar o caso do presidente Lula. Ele foi atacado várias vezes, teve material para pagar na mesma moeda e sempre abdicou disso. São conhecidas as histórias em que o presidente Lula foi sondado sobre se usaria determinada informação, e ele disse que não. Algumas são públicas. Por exemplo, quando se imaginava que o PT pudesse usar o suposto caso do filho do ex-presidente Fernando Henrique e o presidente Lula respondeu para o seu interlocutor que se dependesse disso ele preferia não ser presidente da República. E sofreu esse tipo de ataque em 1989, de envolvimento de assuntos de sua família na campanha, e nunca revidou. Existem perfis de candidatos. A presidenta Dilma também preferiu ir para o debate político.
CARTA MAIOR: Você acha que ganhar essa eleição é importante para a quebra da hegemonia do PSDB no Estado?
HADDAD: Eu entendo que o Brasil não vai voltar a ser o que era nunca mais depois dos oito anos do presidente Lula com a continuidade. A cada eleição se consolida um patamar de exigência diferenciado. Hoje o Brasil é um país mais crítico, mais democrático, mais reflexivo, mais exigente. O Nordeste nunca mais vai ser o mesmo, com a superação de uma realidade de poder daquelas oligarquias atrasadíssimas. Eu não tenho dúvida de que o Brasil poderia mais, se não fosse essa âncora conservadora [em São Paulo]. Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país. E nós já deveríamos ter perdido o medo de avançar, porque depois que você avança e vê que é bom, deveria querer mais, mas ainda tem gente indisposta com o progresso, com o desenvolvimento humano.
Está mais do que provado que quando há combate de desigualdade todo mundo ganha. A visão de que está tudo ruim porque agora todo mundo anda de avião, e os aeroportos estão lotados, é errada. O mesmo empresário que reclama dobra o seu lucro no seu negócio, porque as pessoas compram mais. E tem um despertar para várias coisas. As pessoas vão ter de se habituar com isso. O Brasil ultrapassou a China em taxas de escolaridade. A escolaridade média é similar aqui e na China, mas na velocidade de aumento foi diferente. Nos últimos 10 anos, o Brasil passou de 3,5 milhões de universitários para 6,5 milhões. E pessoas educadas são diferenciadas, não apenas porque ganham mais, mas porque se colocam de forma diferente em relação à sociedade.
Temos que nos habituar a isso. Hoje muitas pessoas até fazem trabalho doméstico, mas esse tipo de atividade é usado como uma escala para os que estão estudando, estão fazendo um curso técnico, uma faculdade, e dali a pouco já estarão em outra atividade. A transformação social é muito visível. Mudou o perfil do trabalhador. O problema não é lavar pratos, mas passar a vida inteira lavando pratos. Não pode um indivíduo pagar por toda a espécie.

*esquerdopata

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