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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, março 02, 2012

A Racionalidade Destrutiva do Capital

Sebastião no blog ARQUIVOS CRITICOS



Ao longo de sua história o capital tem se definido também como crescente racionalização da produção, ou seja, da sua base material e da superestrutura política, jurídica e cultural. As revoluções da técnica e da ciência têm reforçado essa racionalização de todo o ser social.

Max Weber analisa este processo como um desencantamento do mundo, um fenômeno que despoja os seres humanos do conhecimento mítico e dos valores, e o submete a uma vida organizada racionalmente, de forma fria e calculista. Para ele este processo vem se desenvolvendo desde milênios, mas é no capitalismo que ele atinge o máximo da plenitude. Ele tem uma visão dialética deste processo, pois o vê como algo que liberta os homens das superstições mágicas, tornando-o senhor de seu destino, mas que ao mesmo tempo torna a vida do individuo vazia e desprovida de sentido. Assim se define este processo:

“A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos.”

Em seguida ele define as consequências da racionalização para os indivíduos.

“O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo desencantamento do mundo, levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes.”

Para Weber, o tipo de racionalidade que predomina no capitalismo é o da razão instrumental, uma razão manipuladora, preocupada somente com meios e fins para aumentar a produção e a competitividade entre as empresas e entre os indivíduos. É este tipo de razão que aumenta o poder e a expansão do capital, mas que ao mesmo tempo conduz à perda dos valores e do sentido da vida humana.

Georg Lukács considera esse processo de racionalização como um processo de reificação das relações sociais. Além de significar a reificação das relações humanas, este processo também significa uma fragmentação dos trabalhadores dominados por uma força cega que eles mesmos criaram e que agora não sabem o que é. Sobre a reificação e a alienação Lukács afirma:

“Objetivamente, surge um mundo de coisas acabadas e de relações entre coisas (o mundo das mercadorias e do seu movimento no mercado)...Subjetivamente, a atividade do homem – numa economia mercantil realizada – objetiva-se em relação a ele, torna-se numa mercadoria regida pela objetividade das leis sociais naturais estranhas aos homens e deve efetuar os seus movimentos tão independentemente dos homens como qualquer bem destinado à satisfação de necessidades, que se tornou coisa mercantil.”

Sintetizando Weber e Marx, Lukács funde em sua análise a teoria da racionalização do primeiro e a teoria do fetichismo da mercadoria do segundo para concluir que o capitalismo é marcado em seu desenvolvimento pelo crescente domínio do estranhamento dos indivíduos em relação às partes e ao todo do ser social; pela reificação das relações sociais e pela socialização da relação entre as coisas.

Para Lukács, o resultado da racionalização é a perpetuação da alienação e da opressão dos homens pelo sujeito capital.

Para Adorno e Horkheimer, a racionalização capitalista é resultado da dialética do esclarecimento, um processo que começa na antiguidade e chega até os dias do capitalismo contemporâneo. A racionalização e o projeto do esclarecimento tem como objetivo libertar os homens das amarras emocionais do mito. Mas ao perseguir este fim, utilizando-se da razão instrumental manipuladora, os homens retornam ao mito, sendo subjugados novamente por forças cegas e sobrenaturais, típicas do fetichismo do capitalismo.

“No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal’’.


Para os teóricos da Escola de Frankfurt a racionalização crescente da vida humana, em toda a sua totalidade, leva, contraditoriamente, a razão instrumental a cair na irracionalidade da dominação do capital. O capital, desta maneira, se torna um pseudo-sujeito e acaba sucumbindo às leis cegas e irracionais postas em movimento por ele mesmo. Sendo assim, todas as classes sociais sofrem as conseqüências destrutivas postas pela lógica do capital. Suas conclusões mostram a gravidade deste processo:

“O absurdo desta situação, em que o poder do sistema sobre os homens cresce na mesma medida em que subtrai ao poder da natureza, denuncia como obsoleta a razão da sociedade racional.”

Como podemos inferir, a organização racional do ser social do capitalismo se interverte no seu oposto, a desorganização irracional da sociedade em sua totalidade. E conforme avança o capitalismo, sua essência anárquica e irracional se torna cada vez mais absoluta.

Agora procuraremos relacionar o processo de racionalização com o complexo de reestruturação produtiva surgido nos anos setenta, como possível solução para crise estrutural.

A racionalização produtiva significou uma maior flexibilização na utilização do capital e do trabalho, visando reduzir ao máximo os custos, a ociosidade dos fatores produtivos e os riscos impostos pela instabilidade dos mercados. Esse processo se define também pelo rápido desenvolvimento de novos equipamentos informatizados e flexíveis, pela introdução de novas formas de organizar a produção (kanban, just-in-time) e pelo processo de especialização, articulado com um sistema de subcontratação de produção e serviços.

A racionalização dentro do complexo de reestruturação produtiva modificou as relações de produção. As empresas tiveram que apelar para a flexibilização do trabalho. O resultado desta racionalização produtiva foi o aumento da produtividade das empresas, proporcionado pela intensificação da exploração dos trabalhadores. Além disso, tivemos a precarização do emprego, aumento da instabilidade do emprego, ampliação dos contratos de trabalho por tempo determinado e/ou tempo parcial.

Dedecca assim define as conseqüências para os trabalhadores desta racionalização produtiva:

“A organização flexível tem decomposto as relações do trabalho, fragilizado as competências dos trabalhadores, corroído a solidariedade, destruído as capacidades de construção de aprendizagem e de experiências.”

Outras conseqüências da racionalização são o aumento do desemprego e da subutilização da capacidade de trabalho. Ao analisar esse processo de racionalização produtiva, como um dos principais componentes da reestruturação capitalista, senão a principal, que serve ao capital para solucionar sua crise, podemos concluir que este processo representa a afirmação da continuidade da hegemonia do capital em toda a sociedade.

Essa hegemonia do capital tem sido utilizada para perpetuar os interesses de exploração da mais-valia, adaptando as formas de acumulação desta mais-valia às conjunturas sociais, políticas e econômicas que melhor garantam o predomínio da razão de ser do capital, a exploração do trabalho.

E assim, o capital segue sua lógica, explorando e barbarizando toda a sociedade, para garantir a sua existência perversa e irracional. Mas isto tem um limite e esta crise estrutural que se estende até os dias de hoje parece apresentar uma das principais manifestações destes limites, o que talvez só seja solucionado pela negação do modo de produção capitalista.

*Turquinho

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