A Racionalidade Destrutiva do Capital
Sebastião no blog ARQUIVOS CRITICOS
Ao longo de sua história o capital tem se definido também como crescente racionalização da produção, ou seja, da sua base material e da superestrutura política, jurídica e cultural. As revoluções da técnica e da ciência têm reforçado essa racionalização de todo o ser social.
Max Weber analisa este processo
como um desencantamento do mundo, um fenômeno que despoja os seres
humanos do conhecimento mítico e dos valores, e o submete a uma vida
organizada racionalmente, de forma fria e calculista. Para ele este
processo vem se desenvolvendo desde milênios, mas é no capitalismo que
ele atinge o máximo da plenitude. Ele tem uma visão dialética deste
processo, pois o vê como algo que liberta os homens das superstições
mágicas, tornando-o senhor de seu destino, mas que ao mesmo tempo torna a
vida do individuo vazia e desprovida de sentido. Assim se define este
processo:
“A intelectualização e a
racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento
geral crescente acerca das condições em que vivemos.”
Em seguida ele define as consequências da racionalização para os indivíduos.
“O destino de nosso tempo, que
se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo,
pelo desencantamento do mundo, levou os homens a banirem da vida
pública os valores supremos e mais sublimes.”
Para Weber, o tipo de
racionalidade que predomina no capitalismo é o da razão instrumental,
uma razão manipuladora, preocupada somente com meios e fins para
aumentar a produção e a competitividade entre as empresas e entre os
indivíduos. É este tipo de razão que aumenta o poder e a expansão do
capital, mas que ao mesmo tempo conduz à perda dos valores e do sentido
da vida humana.
Georg
Lukács considera esse processo de racionalização como um processo de
reificação das relações sociais. Além de significar a reificação das
relações humanas, este processo também significa uma fragmentação dos
trabalhadores dominados por uma força cega que eles mesmos criaram e que
agora não sabem o que é. Sobre a reificação e a alienação Lukács
afirma:
“Objetivamente, surge um mundo
de coisas acabadas e de relações entre coisas (o mundo das mercadorias e
do seu movimento no mercado)...Subjetivamente, a atividade do homem –
numa economia mercantil realizada – objetiva-se em relação a ele,
torna-se numa mercadoria regida pela objetividade das leis sociais
naturais estranhas aos homens e deve efetuar os seus movimentos tão
independentemente dos homens como qualquer bem destinado à satisfação de
necessidades, que se tornou coisa mercantil.”
Sintetizando Weber e Marx,
Lukács funde em sua análise a teoria da racionalização do primeiro e a
teoria do fetichismo da mercadoria do segundo para concluir que o
capitalismo é marcado em seu desenvolvimento pelo crescente domínio do
estranhamento dos indivíduos em relação às partes e ao todo do ser
social; pela reificação das relações sociais e pela socialização da
relação entre as coisas.
Para Lukács, o resultado da racionalização é a perpetuação da alienação e da opressão dos homens pelo sujeito capital.
Para Lukács, o resultado da racionalização é a perpetuação da alienação e da opressão dos homens pelo sujeito capital.
Para Adorno e Horkheimer, a
racionalização capitalista é resultado da dialética do esclarecimento,
um processo que começa na antiguidade e chega até os dias do capitalismo
contemporâneo. A racionalização e o projeto do esclarecimento tem como
objetivo libertar os homens das amarras emocionais do mito. Mas ao
perseguir este fim, utilizando-se da razão instrumental manipuladora, os
homens retornam ao mito, sendo subjugados novamente por forças cegas e
sobrenaturais, típicas do fetichismo do capitalismo.
“No sentido mais amplo do
progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o
objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de
senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de
uma calamidade triunfal’’.
Para os teóricos da Escola de
Frankfurt a racionalização crescente da vida humana, em toda a sua
totalidade, leva, contraditoriamente, a razão instrumental a cair na
irracionalidade da dominação do capital. O capital, desta maneira, se
torna um pseudo-sujeito e acaba sucumbindo às leis cegas e irracionais
postas em movimento por ele mesmo. Sendo assim, todas as classes sociais
sofrem as conseqüências destrutivas postas pela lógica do capital.
Suas conclusões mostram a gravidade deste processo:
“O absurdo desta situação, em
que o poder do sistema sobre os homens cresce na mesma medida em que
subtrai ao poder da natureza, denuncia como obsoleta a razão da
sociedade racional.”
Como podemos inferir, a
organização racional do ser social do capitalismo se interverte no seu
oposto, a desorganização irracional da sociedade em sua totalidade. E
conforme avança o capitalismo, sua essência anárquica e irracional se
torna cada vez mais absoluta.
Agora procuraremos relacionar o
processo de racionalização com o complexo de reestruturação produtiva
surgido nos anos setenta, como possível solução para crise estrutural.
A racionalização produtiva
significou uma maior flexibilização na utilização do capital e do
trabalho, visando reduzir ao máximo os custos, a ociosidade dos fatores
produtivos e os riscos impostos pela instabilidade dos mercados. Esse
processo se define também pelo rápido desenvolvimento de novos
equipamentos informatizados e flexíveis, pela introdução de novas formas
de organizar a produção (kanban, just-in-time) e pelo processo de
especialização, articulado com um sistema de subcontratação de produção e
serviços.
A
racionalização dentro do complexo de reestruturação produtiva
modificou as relações de produção. As empresas tiveram que apelar para a
flexibilização do trabalho. O resultado desta racionalização produtiva
foi o aumento da produtividade das empresas, proporcionado pela
intensificação da exploração dos trabalhadores. Além disso, tivemos a
precarização do emprego, aumento da instabilidade do emprego, ampliação
dos contratos de trabalho por tempo determinado e/ou tempo parcial.
Dedecca assim define as conseqüências para os trabalhadores desta racionalização produtiva:
“A organização flexível tem
decomposto as relações do trabalho, fragilizado as competências dos
trabalhadores, corroído a solidariedade, destruído as capacidades de
construção de aprendizagem e de experiências.”
Outras conseqüências da
racionalização são o aumento do desemprego e da subutilização da
capacidade de trabalho. Ao analisar esse processo de racionalização
produtiva, como um dos principais componentes da reestruturação
capitalista, senão a principal, que serve ao capital para solucionar sua
crise, podemos concluir que este processo representa a afirmação da
continuidade da hegemonia do capital em toda a sociedade.
Essa hegemonia do capital tem
sido utilizada para perpetuar os interesses de exploração da mais-valia,
adaptando as formas de acumulação desta mais-valia às conjunturas
sociais, políticas e econômicas que melhor garantam o predomínio da
razão de ser do capital, a exploração do trabalho.
E assim, o capital segue sua
lógica, explorando e barbarizando toda a sociedade, para garantir a sua
existência perversa e irracional. Mas isto tem um limite e esta crise
estrutural que se estende até os dias de hoje parece apresentar uma das
principais manifestações destes limites, o que talvez só seja
solucionado pela negação do modo de produção capitalista.
*Turquinho
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