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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 10, 2012

Grécia: tudo normal

Grécia? Pois é, Grécia.
Se os órgãos de comunicação fossem coisas sérias, falariam de dalguns dos problemas que atravessam o País helénico.

Claro, não puderam evitar a história do reformado grego, o ex-farmacêutico que deitou-se fogo na Praça Syntgama, farto de ter de procurar no lixo algo para comer.
Mas além destes acontecimentos de qualquer forma "espectaculares" e "mediáticos "(pois os media gostam de histórias "fortes"), há outras realidades que continuam ignoradas.

Nomeadamente, na Grécia acontece algo nunca visto num País ocidental desde a Segunda Guerra Mundial. E na Grécia não houve guerra, não nos últimos tempos: houve, e ainda há, o Fundo Monetário Internacional, a União Europeia. Há bancos.

A pesquisa "A Condição da Infância na Grécia 2012", assinada pela Unicef e pela universidade de Atenas, relata que no País são agora 439.000 as crianças que vivem abaixo da linha da pobreza, em condições desnutridas e insalubre. E com o termo "pobreza" é considerado o rendimento mínimo que uma família de quatro pessoas tem que ganhar todos os meses para pagar a renda e as necessidades básicas como alimentação, transporte, vestuário e educação.

Estas crianças vivem em famílias que representam um quinto das famílias de todo o País.
Neste quinto, 21,6% têm uma dieta pobre em proteína animal, 37,1% não têm aquecimento adequado em casa, 27,8% vivem em casas húmidas e 23,3% naquelas definidas como "más condições ambientais."

Embora os números oficiais falem de 21% dos gregos que vivem na pobreza (isso é, com um rendimento inferior a 470 Euros por mês), o número real já tocou (e talvez ultrapassou) 25%, que significa um quarto dos Gregos pobres.

Em números absolutos, dos 11,2 milhões de gregos, dois milhões 800 mil não têm o suficiente para viver. Mas, de acordo com uma pesquisa da Sociedade Grega para a Luta Contra a Pobreza (EAPN), devido ao agravamento da crise, a Grécia poderia em breve atingir até 30% da população abaixo da linha da pobreza. Previsões recentemente confirmadas por um estudo da Fundação para a Pesquisa Económica e Industrial (Iobe), um prestigiado think tank.

Nos últimos meses, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (Elstat), mais de 400.000 famílias ficaram sem rendimentos, porque nenhum membro trabalha, enquanto mais de 60.000 famílias têm recorrido ao tribunal para consolidar ou renegociar as dívidas, pois demasiado pobres para poder pagar as prestações.
Acontece quando a política de austeridade corta salários e reformas.

O relatório também cita vários casos de crianças que desmaiam nas aulas por causa da desnutrição. Estes casos foram conhecidos com a notícia, em Dezembro, de Maria Iliopoulou, directora do orfanato em Atenas, que denunciou ter registado 200 casos de crianças desnutridas, sendo as famílias delas incapazes de alimenta-las. A mulher afirmou que os professores do Instituto por ela dirigido ficavam nas filas diariamente para buscar um prato de comida para os alunos mais necessitados.

Afirma a Iliopoulou:
Em muitas escolas de Atenas, a situação é ainda mais dramática porque algumas crianças desmaiam nas aulas por causa da fome.

O Ministério da Educação, que no início tinha definido a queixa como "propaganda", foi forçado a reconhecer a gravidade do problema. Assim decidiu distribuir para os estudantes de famílias pobres vales-alimentação com os quais poder comer no refeitório das escolas.

Mas há mais: na Grécia está de volta ao trabalho infantil.
A pesquisa conclui citando uma estimativa UNICEF do Provedor de Justiça das crianças, segundo o qual na Grécia há mais de 100.000 menores que trabalham para contribuir aos orçamentos das famílias pobres.

Tudo isso enquanto o governo Papademos prepara-se para divulgar o plano de recapitalização dos bancos helénicos: serão precisos cerca de 50 biliões de Euros, entregue pela dupla UE-FMI para evitar o colapso do sistema bancário grego.

Sinceramente: podemos deixar falir os bancos? Claro que não. Porque, é explicado, se cair o sistema bancário, cai tudo.
As famílias, pelo contrário...


Ipse dixit.
*InformaçãoIncorrecta

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