Formação militar precisa ser transformada
Mair Pena Neto
Na
sede do Clube Militar, na Cinelândia, local de grandes manifestações
democráticas, há uma placa afixada logo no hall de entrada exaltando o
golpe de 1964, classificado por seus promotores como revolução. Este
movimento interrompeu a normalidade democrática do país, levou a uma
ditadura de 25 anos e causou dor e sofrimento a milhares de famílias
brasileiras, com a instituição da tortura e do desaparecimento de
oposicionistas ao regime, cujos corpos são reclamados até hoje.
Embora
o Clube Militar congregue essencialmente a turma do pijama, saudosa e
participante do golpe, e sem poderes sobre a ativa, a existência de uma
placa que comemora a interrupção da vida democrática deveria ser
repudiada e até removida como exemplo. Em março de 2004, o ex-presidente
argentino Nestor Kirchner foi ao Colégio Militar do Exército e ordenou
que fossem retirados da galeria de comandantes militares os quadros dos
generais Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, que participaram do
golpe de Estado de 1976 e presidiram o país na terrível ditadura
argentina. O ato simbólico de Kirchner foi o pontapé inicial para uma
ação exemplar contra os militares que barbarizaram o país e que
prossegue até hoje com julgamentos, como o que recentemente condenou
Videla e Bignone, entre outros, pelo sequestro sistemático de filhos de
militantes políticos nascidos nas prisões e centros de tortura da
ditadura.
A remoção da placa do Clube Militar
brasileiro seria apenas um ato simbólico, pois o que se mostra mesmo
necessário é uma mudança completa na formação dos militares brasileiros
para que se adequem definitivamente à vida democrática e não
desrespeitem mais a ordem institucional. O Brasil vem avançando neste
sentido. O ministro da Defesa já é um civil e os militares parecem
restritos à sua função de defesa do território nacional. Mas é preciso
ir além, provendo os oficiais de capacidade crítica, que acompanhe os
princípios de rigor e disciplina.
Mais uma vez, a
Argentina surge como exemplo a ser seguido. O país vizinho promove uma
mudança na estrutura curricular de formação dos militares, incluindo
novas disciplinas e conceitos sobre história e direitos humanos. Como
afirmou ao Globo a antropóloga Sabina Frederic, responsável pela
elaboração da reforma do conteúdo ministrado nas escolas de formação, “a
pobreza intelectual dos militares no passado impediu qualquer tipo de
reflexão crítica”. Ou seja, ordens foram obedecidas sem nenhum
questionamento, o que desvirtuou as próprias funções das Forças Armadas,
desvinculando-as da sociedade. Isso aconteceu não só na Argentina, mas
no Brasil, no Uruguai e no Chile, em nome de uma doutrina de segurança
nacional fundada sobre valores da guerra fria.
Os
militares sempre tiveram participação na vida política do país, o que
remonta à proclamação da República. Os tenentes se levantaram contra as
oligarquias da República Velha, desencadeando movimentos históricos,
como os 18 do Forte, a revolta de 1924 e a Coluna Prestes. O Clube
Militar, hoje de atuação lastimável, teve participação decisiva na
campanha do “Petróleo é nosso”. Militares são brasileiros, como
qualquer um, e têm o direito e o dever de participarem da vida nacional.
Para isso, precisam de boa formação, sobretudo pelo poder que dispõem.
É
fundamental que as escolas militares estimulem o desenvolvimento de
seus quadros, com o respeito permanente à democracia e aos direitos
humanos. E só uma ação de Estado, como a que criou a Comissão da
Verdade, pode promover tal mudança.
*GilsonSampaio
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